A batalha da Síria e a Construção.....

Professor Lejeune - 17-07-2015 10359 Visualizações

No último mês de março, completou um ano que levantes estimulados do exterior vêm ocorrendo na República Árabe Síria. O objetivo claro dessas manifestações, apoiadas e armadas pelas potências imperialistas e países árabes do Golfo (CCG) é o de substituir o governo legítimo do Dr. Bashar Al Assad, presidente da Síria, por um governo lacaio do imperialismo, fortalecendo o controle do OM pelo Ocidente. Pretende-se, como diz James Petras, isolar ainda mais o Irã, abrindo-se o caminho para Israel e EUA atacarem o país persa ao mesmo tempo em que se derruba o último regime laico da região e amigo da Rússia e da China. Quando se disse que o caminho mais curto para Teerã passa por Damasco, isso hoje esta cada vez mais claro. O plano é substituir uma República laica por uma ditadura teocrática pró-Ocidente, ou alguma coisa parecida com o modelo capitalista islâmico da Turquia.

A derrubada de Bashar se insere em um novo contexto que vem sendo criado em plano mundial, cujo objetivo claro é barrar os levantes e a revolução árabe, cujos movimentos iniciaram-se em dezembro de 2010. Depois que o imperialismo estadunidense destruiu o Iraque e a Líbia, querem agora destruir e tomar a Síria. Sob o comando da OTAN, o coronel Kadafi foi preso mutilado e morto, assim como deu suporte à prisão, tortura e assassinato de milhares na Líbia, tudo isso com aval das potências ocidentais, em especial EUA, Inglaterra e França.

A mídia à serviço do império Esta não é a primeira vez, nem será a última, que a mídia fala uníssono uma só linguagem, neste caso, da “mudança de regime”. Sob orientação direta dos porta-vozes da Casa Branca, correspondentes em diversas capitais árabes falam uma linguagem unificada, de acordo com os interesses do imperialismo estadunidense.

Nesse sentido, os bandos aramados que agem na Síria hoje, amplamente documentada pela TV Síria, que sabotam e matam cidadãos pacíficos, colocando bombas em prédios públicos e estradas, gasodutos, são chamados de “rebeldes”. Os correspondentes e jornalistas à serviço do império chamam de “manifestantes pacíficos brutalizados por Bashar”, a esses grupos de mercenários financiados por Washington e pelo CCG.

Esses mercenários armados não possuem nenhuma credibilidade junto à população. Massacres perpetrados por eles em bairros das cidades de Homs, Idlib, Alepo, para aterrorizar a população pacífica, é mostrado pela mídia ocidental como sendo assassinados pelo exército sírio. E tudo isso passa como se fosse uma verdade.

Todos os Meios de Comunicação de Massa (MCMs) ocidentais demonizam a quem Washington aponta o dedo, como diz Craig Roberts. Para ele, os fatos não contam, mas apenas os poderosos interesses materiais desses grupos. É uma situação como se os senhores proprietários das corporações de mídia, pagassem seus empregados simplesmente para mentir.

O que fica claro, é que se Washington de fato desejasse uma democracia na Síria, teria apoiado a reforma constitucional realizada em fevereiro e apoiada por 90% da população. O que os EUA querem não é democracia alguma, mas sim um governo fantoche, títere dos americanos. A tríade Washington, Tel Aviv e CCG não aceitam Assad exatamente por isso, pela sua independência e seu posicionamento antiimperialista.

No antigo império romano, o Mediterrâneo era chamado de mare nostrum – nosso mar – e é isso que os americanos querem. Mas, no quadro atual, isso é praticamente impossível, na medida em que a marinha russa fincou uma base no estratégico porto de Tartus onde até o Irã tem uma flotilha ancorada.


Na sua fúria por querer derrubar o governo do presidente Bashar Al Assad, o imperialismo e seus aliados fizeram duas grandes reuniões a que chamaram de “Amigos da Síria”. O nome correto desse convescote deveria ser “Amigos dos EUA e Israel” ou “Inimigos da Síria”.

A 1ª Reunião dos (mui) Amigos ocorreu em fevereiro em Túnis, capital da Tunísia e a segunda em 1º de abril em Istambul, Turquia, hoje uma espécie de centro da oposição síria e do tal Conselho Nacional Sírio. Essas reuniões têm participado 80 países e organizações não governamentais.

A última, provavelmente a derradeira, tamanho o fracasso do evento, esbarrou no crescimento da popularidade do presidente sírio e no completo esvaziamento dos grupos oposicionistas que lhe fazem campanha sistemática. Em que pese uma orquestração midiática internacional, Bashar é, de longe, o líder árabe melhor avaliado pelo seu povo. Em que pese milhares de mortos das forças armadas e das polícias sírias, em que pese a sabotagem e destruição de boa parte da infraestrutura do país, a população segue com moral elevada e rechaça todas as tentativas imperialistas de “mudança de regime”.

Segundo Thierry Meyssan, no evento em Istambul foi redigido um “programa” da oposição do CNS. Escrito por estrategistas do Departamento de Estado norte-americano, a aprovação desse programa nada representa. Até porque as dezenas de facções que integram esse “Conselho” nada têm em comum, além de quererem a saída do presidente sírio. Na verdade, é um típico “programa” que se rasgaria já no primeiro dia se assumissem o governo do país. A esmagadora maioria de membros da Irmandade Muçulmana do CNS nunca defendeu o estado laico, ao contrário.

O mais descarado e hilário desse evento é que faz parte do “programa” oposicionista a conquista de uma Síria “democrática, com um estado civil e laico, pluralista, independente, livre que respeite etnias, religiões e sexo”. Ora, nada mais falso. Desde quando a Arábia Saudita e Qatar, duas monarquias feudais e absolutistas respeitam as minorias e são “democracias plurais, independentes e livres”?

Duas derrotas foram impostos aos oposicionistas, apesar do evento ter só representantes de países que pregam a derrubada do governo. O primeiro é que o CNS queria ser reconhecido como “o” representante do povo sírio, mas aprovaram como sendo ‘um” representante do povo.

O segundo, de maior envergadura, é que não houve aprovação de financiamento à oposição armada. Os EUA não colocarão nenhum centavo para a compra de armamentos para financiar o chamado ESL, composto por mercenários e terroristas sob o comando da Arábia Saudita, Qatar e Turquia. Mesmo estes últimos países, já não demonstram mais entusiasmo no financiamento desses tais rebeldes, como a mídia os chama.

Mesmo com relações às sanções contra a Síria, a conclusão – a contragosto dos oposicionistas – foi de que se é fato que tais sanções impõem sofrimento ao povo da Síria, mas podem até matar alguns de seus vizinhos, na medida em que dependem muito da economia desse grande país árabe.

Por fim, a conclusão que mais frustrou os oposicionistas foi de que uma solução via OTAN como adotada na Líbia com aval do CS da ONU esta praticamente descartada e não teria jamais o apoio da Rússia e da China. Washington deixou de falar em “mudança de regime” para falar em “transição”.

A partir daí, passaram a apoiar o Plano de Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU enviado à Síria em missão oficial de paz. O plano de Annan é quase o mesmo que a Rússia e a China já haviam apresentado ao CS, mas que fora rejeitado pelos EUA e seus países clientes. Apoiar esse plano acaba sendo uma espécie de confissão pública de que falharam todas as tentativas de remover Assad do poder, tentando na prática esconder o completo fracasso da oposição síria e seus aliados.


Vários analistas internacionais já afirmam categoricamente que Assad não cairá. Não se pode ainda fazer tal afirmação, ainda que existam muitas razões para que estes estejam com a verdade. É correto afirmar que vêm fracassando todos os planos e medidas para a “troca de regime”. Sem falar que essa proposta é uma absoluta violação da soberania da Síria e da decisão de seu povo, mostrando que o imperialismo segue arrogante e guerreiro, intervencionista, mas a situação vai ficando cada dia mais difícil de ser sustentada pela oposição.

Mesmo as tais sanções não têm surtido efeito. Mais recentemente a União Europeia proibiu a esposa do presidente sírio, Asma Assad de visitar os países da UE. Puro desespero, como que Asma tivesse manifestado desejo ardoroso de fazer compras na Europa e fora proibida disso. Risível. Medida que confessa publicamente que já não sabem mais o que fazer para pressionar o governo da Síria.

Listo a seguir algumas das razões do fracasso dos planos imperialistas e sionistas: 1. A oposição armada perdeu praticamente todos os poucos espaços territoriais de que dispunha na Síria (em especial nas cidades de Homs, Alepo, Idlib, Deir El Zour, Deraa entre outras); ela não controla hoje um centímetro de território como queriam;

2. Não houve da parte do governo nenhuma defecção nem de general de alta patente nem de diplomatas em nenhum órgão da Síria em país algum do mundo, ao contrário do que ocorreu na Líbia;

3. O exército da Síria é profissional, unido e tem sua estrutura completamente intacta desde o início das manifestações em março de 2011. É forte e coeso;

4. Todos os institutos de pesquisa sírios e internacionais de respeito, atestam a imensa popularidade do presidente;

5. Todas as chamadas minorias – alawitas, curdos, cristãos de todas as correntes e mesmo xiitas – o apoiam, bem como boa parte dos sunitas; sentem-se seguros vivendo em um estado laico;

6. A unidade política do eixo Damasco – Beirute – Teerã – Bagdá, apoiado pela Rússia e China, em uma aliança que agora se desloca para o pacífico, resiste ao ataque imperialista;

7. A Rússia em particular vem considerando qualquer ataque à Síria como se fosse um ataque ao seu território;

8. A crise econômica mundial no centro do capitalismo – e não mais na sua periferia – teria um peso demasiadamente excessivo para os EUA, já metidos em várias guerras.

Afinal, porque então a turma que pediu, tramou, apoiou a tal “troca de regime” vem perdendo a batalha? Que teria dado errado? Fico com a explicação de Patrick Cockburn, que menciona duas possibilidades: a) eles superestimaram suas próprias capacidades e forças ou b) levaram demasiadamente a sério a sua própria – e falsa – propaganda.

A posição mais estranha de todos os países anti-Síria hoje é a da Turquia. Ainda que se compreenda o desejo ardoroso dessa nação integrar a Europa, de tal maneira que é o único país da Ásia que é membro da OTAN, desde os primeiros momentos vem apoiando a oposição, abrigando inclusive acampamentos do tal exército de mercenários. Uma operação arriscada que pode afetar o governo de Recep Erdogan. Este já tem percebido seu crescente isolamento no mundo árabe e islâmico com sua vergonhosa posição pró-EUA e monarquias do Golfo. Ele sabe que o seu envolvimento maior pode arrastar a Turquia a um conflito regional entre xiitas e sunitas que poderia chegar ao ponto de um bombardeio iraniano ao seu território. Como se diz popularmente, esta “botando as barbas de molho”.


Israel só tem a ganhar com uma Síria dividida, destruída, saqueada e sem unidade nacional e comando único. O projeto da OTAN seria “libertar” a Síria destruindo a sua economia, a sua sociedade e seu estado laico. Caindo a Síria, não há dúvida alguma: o Líbano entrará novamente em guerra civil e um ataque à Teerã seria iminente.

Como diz Oliver Roy, historiador, citado por Stefen Erlanger, a Síria é praticamente o único país onde a chamada Primavera Árabe pode mudar o conceito estratégico na região. A queda de Bashar, para a Rússia de Putin, pode significar o fim de sua influência e presença na região que é estratégica no mundo.

O Irã de Ahmadinejad vem dando total apoio à Síria também. Pela primeira vez em trinta anos, uma flotilha iraniana – a 18ª – cruzou pela primeira vez o Canal de Suez e esta estacionada no estratégico porto mediterrâneo sírio de Tartus. O presidente do Irã disse, quando a Arábia Saudita e o Qatar anunciaram que vão armar os rebeldes, “vocês armam ou seus que nós armamos os nossos”.

Por fim, temos o fator da Al Qaeda. É cada vez mais claro e comprovado o envolvimento de jihadistas dessa organização no combate ao governo sírio. É como se houvesse uma aliança tácita entre a Al Qaeda e o Departamento de Estado dos EUA. Isso constrange Obama, que, em campanha eleitoral pela sua reeleição, vai tentar mostrar seu trunfo eleitoral de ter assassinado Osama Bin Laden, coisa que seu antecessor republicano não fez em nove anos de guerra.

Ainda que se possam ter críticas à velocidade com que o regime da Síria iniciou o processo das reformas, jamais os verdadeiros patriotas de um país poderiam pedir a intervenção externa em sua própria terra. Havia um clamor generalizado dos tais oposicionistas, que vivem – e bem – em Paris, Londres e Istambul para que as potências estrangeiras bombardeassem a Síria e matassem seu próprio povo.

A data histórica de 4 de fevereiro de 2012, quando a Rússia e a China vetaram uma resolução que, em perspectiva abriria possibilidade de uma intervenção armada na Síria, pode estar sendo um marco de um novo mundo, com a aplicação na prática da multipolaridade. Pode ser, como vários analistas têm apontado, o início do fim da unipolaridade atual e o rumo para um mundo multipolar como se tem defendido.

No caso do Oriente Médio, a aliança que vem dando certo em vários países árabes, entre comunistas, socialistas, patriotas, que envolvem cristãos, muçulmanos sejam eles xiitas ou sunitas pode ser um exemplo. Como dizem os comunistas sírios, o slogan que os unifica hoje é “A pátria está em primeiro lugar!”


James Petras, “A sangrenta estrada para Damasco”, em http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/03/sangrenta-estrada-para-damasco.html

Stefen Erlanger, “Revolta síria cria risco de conflito mais amplo em região estratégica”, NYT/FSP em 5 de março de 2012;

Alastair Crooke, “Syria: Starining Credulity?”, Asia Times em 9 de março de 2012 (http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/NC09Ak03.html);

Pepe Escobar, “Exército rebelde sírio pulula de agentes da Al Qaeda”, Russia Today em 9 de março de 2012 (http://rt.com/);

M. K. Bhadrakumar, “Navios de guerra iranianos rumo à Síria”, Asia Times em 21 de fevereiro de 2012 (http://www.atimes.com/);

Thierry Meyssan, “O fiasco da Síria”, Rede Voltaire, de 19 de abril de 2012 (http://www.voltairenet.org/O-fiasco-da-Siria);

Shamil Sultanov, “Dominó árabe – a crise síria pode influenciar equilíbrio global de forças”, Centro de Estudos Estratégicos em Rússia – Mundo Islâmico;