Significado para a geopolítica mundial o encontro Biden-Putin

Prof.Lejeune Mirhan - 25-06-2021 2918 Visualizações

No domingo 20 de junho, Joe Biden, presidente dos EUA e chefe do Império estadunidense completou seus 150 dias de governo. Fez um giro europeu de oito dias, reunindo-se com a União Europeia, G-7 e OTAN, giro esse que culminou com a primeira cúpula entre ele e o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Neste pequeno e novo ensaio, analiso esse episódio.

Biden chegou ao encontro com o líder da Rússia, Vladimir Putin, depois de um giro europeu. Não é meu foco neste trabalho analisar todas as reuniões que teve, mas, regra geral, classifico como um verdadeiro fracasso. Tentou subordinar ainda mais a EU aos interesses dos EUA, mas por resistência da França e Alemanha não conseguiu. No G-7 não conseguiu emparedar a China e a Rússia como era seu objetivo.

O seu grande objetivo na verdade, com o giro que precedeu a cúpula com Putin, foi fechar com a Europa e o G-7, para que fossem seus aliados no seu projeto de contenção à Rússia e China. Ele deve se encontrar em breve, também com Xi Jinping. Mas, a prioridade é a Rússia, que ainda tem um grande arsenal nuclear.

Eu já tinha previsto que o encontro seria tenso e que, ao final da reunião, eles não dariam entrevista coletiva lado a lado. O comunicado conjunto foi tão chocho quanto o exarado da reunião do G-7: nada de substancial. Foi um encontro onde as duas partes colocaram suas pautas na mesa.

Foi um encontro de três horas, tendo como presenças, além dos dois chefes de Estado, apenas os seus ministros das Relações Exteriores, sendo Sergei Lavrov, do lado russo e Antony Blinken, do lado estadunidense. Mais alguns poucos assessores. Um encontro a portas fechadas com registro fotográfico apenas no início e, claro, sem imprensa.

A minha opinião é que, no geral, o encontro foi positivo. Visto que um encontro entre dois chefes de Estado de polos mundiais, é sempre positivo, de preferência quando são periódicos. O grau de tensão não foi no nível que eu imaginava que seria. Foi num degrau um pouco abaixo. Mas, logo em seguida, o ex-presidente fascista dos Estados Unidos Donald Trump, que está planejando a volta ao poder, atacou a reunião dizendo que ela foi um fracasso.

Biden chegou à reunião com um grande objetivo, que seria o de encurralar o presidente da Rússia, para que ele recue ou então, que pare aonde chegou. Nisto ele fracassou.Pode-se, desta forma avaliar, como uma derrota dos Estados Unidos, que não conseguiram demover o presente russo de nenhum de seus projetos mundiais de interrelação com alguns países.

Apesar da carinha de bom velhinho de Biden, ele representava no encontro, a chefia de um império que tem por objetivo continuar hegemônico no mundo e, para isso, o seu projeto não é apenas conter, mas, se possível, destruir a Rússia e a China, ou pelo menos subjugá-los.

Quando digo destruir, não é fisicamente, é por exemplo, tirar o Putin, até em uma eleição e colocar alguém de sua confiança. E ele até mencionou o nome de sua preferência. Um agente da CIA, que será o homem que os Estados Unidos estão preparando para disputar as eleições contra Putin, mas vai perder fragorosamente. Assim como na China. Não há dúvida de que eles lutam para derrubar a República Popular da China.

Neste sentido, ele fracassou e, a tendência, é continuar fracassando. O que está acontecendo no mundo hoje é a atitude desesperada de um império, chefiado por um “bom velhinho”, simpático, que tem a tal da empatia, mas que lidera um império decadente, que vai perdendo espaço na política internacional a cada dia que passa. Ele tem que tomar essas iniciativas para tentar conter a resistência, mas não vai conseguir.

Ele levantou a surrada tese dos direitos humanos na Rússia, mas ele nem fica corado, pois todos sabem que nem nos Estados Unidos esses direitos são respeitados. O que dirá, entre os seus aliados. Especialmente – que eu cito sempre – a Arábia Saudita, que não tem nem uma Constituição, não tem partidos políticos funcionando, nem Parlamento. Ou seja, ele não tem moral nenhuma para cobrar respeito aos direitos humanos em outros países.

O Biden passou um recado para o Putin, de que ele está muito preocupado com o crescimento da presença russa no Oriente Médio, a partir da Síria. Está preocupada com a presença russa na América Latina, especialmente, na Venezuela.

Registrou a sua opinião. Absolutamente, a política externa da Rússia não mudará um milímetro, por causa desta opinião. Ao contrário, a Rússia vai intensificar as relações diplomáticas, políticas, econômicas e militares com a República Bolivariana da Venezuela e vão continuar presentes na República Árabe Síria, junto aos aliados do exército sírio, que combate e que garantiu, junto com o presidente Bashar Al Assad, a vitória que já chega a quase a reconquista de 100% do território sírio. Há ainda alguns focos de resistência.

E do lado do Putin. A primeira grande questão colocada na mesa, é o recuo das tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte-OTAN, especialmente na Ucrânia, Bielorrússia e outras repúblicas do Báltico. É inaceitável.

Mais do que isto, o Putin deixou registrado que não aceitará, em hipótese alguma, que a Ucrânia se torne membro da OTAN. Não porque ele mande ou queira ver a Ucrânia subordinada ao seu país, mas porque, não quer tropas da OTAN estacionadas nas suas fronteiras – essa mesma OTAN que já deveria ter sido extinta há muito tempo, em função do fim do Pacto de Varsóvia ocorrido no dia 1º de julho de 1991, há 30 anos.

O ponto principal que Putin transmitiu ao Biden, é de uma opinião que não é só dele, é dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), tirada em reunião virtual recente, com os cinco ministros das Relações Exteriores e, dentre eles, o do Brasil, Carlos Alberto França, que foi uma decisão tomada por unanimidade: A defesa do mundo multipolar e, contra que os Estados Unidos imponham sanções a quaisquer países do mundo, sob qualquer argumento de forma unilateral.

As sanções praticadas pelos Estados Unidos são ilegais e Putin disse que só aceita qualquer decisão referente a sanções, advinda da deliberação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Tais sanções ferem o direito internacional. Este foi um recado muito duro e contundente.

É claro que, provavelmente, outros dois pontos foram debatidos. Um é o que eles chamam de segurança cibernética, que alguns analistas e autores dizem que hoje tem um perigo tão ou até mais grave do que um confronto militar direto entre as duas potências.

Biden tentou dizer para Putin que é ele que faz esses ataques, com origem na Rússia. Mas, a Rússia também sofre ataques dos hackers estadunidenses, à serviço da CIA. Então, este é um assunto que vai permanecer na pauta dos próximos encontros, porque, precisa ser regulado ou regulamentado.

Não é possível conviver com situações em que povos inteiros ou países fiquem à mercê de ataques criminosos em determinadas instituições, sites etc.

Eles debateram também a questão do meio ambiente que é uma proposta muito cara para o Bidene foi um tema central na campanha dele: a substituição da matriz energética suja, para uma matriz energética limpa, até 2030 nos EUA. E vai levar isso ao mundo, através do Acordo do Clima, de Paris, ao qual os EUA retornaram.

Se eu pudesse resumir em uma frase o significado desse encontro, eu usaria a seguinte afirmação: é uma tentativa de contenção da Rússia por parte dos Estados Unidos, para que esses mantenham a sua hegemonia mundial, mantenham a unipolaridade – mas isto já não é mais possível, porque o mundo marcha para a multipolaridade.

Encontros como esse, os mais importantes ocorreram entre 1943 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. Houve encontro entre Roosevelt, Churchil e Stálin, por exemplo, com impacto na geopolítica mundial.

Prestem atenção no discurso de Vladimir Putin em Davos, no dia27 de janeiro deste ano (1). Tem 43 minutos, dublado em espanhol. Vejam o que ele diz: “Lembremo-nos de 1933”. Hitler ganhou as eleições de 1933, com 45% dos votos (18 milhões de votos). Os sociais-democratas e comunistas, que saíram separados e brigavam entre si, fizeram juntos apenas 11 milhões.

Em termos de número de deputados, faltou pouco para ele fazer a maioria sozinho no Parlamento. Com uma aliança com o Partido Popular Nacional Alemão, de Alfred Rugenberg, de forma que ele acabou conseguindo maioria e virou chanceler. Daí em diante, sabemos a história. Em março desse mesmo ano ele vira ditador após os eventos do incêndio do Reichtag (parlamento alemão). Em 1939 invade a Polônia e a II Guerra Mundial tem início.

Interessante é que o que estava acontecendo no mundo, na época, parece que está se repetindo agora. De uma situação relativamente democrática que o mundo vivia, e nós podemos dizer que o mundo, até um tempo atrás, especialmente, na nossa América Latina. A partir daí, vamos vendo um retrocesso. Crescimento do fascismo em muitos países.

Se em 1933 ocorre a ascensão do Nazismo, por aqui ocorre entre 2013 e 2016, o aparecimento e crescimento desse fascismo. Isso levaria à derrubadada presidente Dilma em 2016 e em 2018 prendem o presidente Lula e o fascista vence as eleições.

Como Narendra Modi vence na Índia em 2019 (reeleito), o Netanyahu continuou se fortalecendo, até 2019. Depois, nas quatro eleições seguintes, ele ainda consegue formar governo, mas com muita fragilidade e maior dificuldade. Finalmente, em 6 de junho de 2021 uma nova coalizão consegue ser formada e acaba com a chamada era Nethanyahu.

O mundo está passando por uma transformação e nós temos que ter um olhar macro, dialético, tudo se relaciona e tudo se transforma. E quando fazemos a análise, temos que levar em conta as classes sociais, os jogos de interesse, as corporações envolvidas e o jogo de interesses.

Existem as chamadas contradições no campo imperialista. Por exemplo, o oleoduto que liga a Rússia e a Alemanha, chamado de Nord Stream 2, do qual Trump se orgulha de ter barrado a construção, deve estar em fase de conclusão. O ex-presidente debochou do Biden, dizendo: ele não conseguiu parar e eu parei.

A Merkel atrapalhou os projetos do Biden nas reuniões que ele teve na Europa. Com o G7, principalmente, porque o documento que foi exarado daquela reunião não representava o objetivo fixo dos Estados Unidos que era afrontar a China e a Rússia, ameaçar, dizer que vai para cima, o que não aconteceu. Há uma menção à China, mas com tom bem menos agressivo do que a diplomacia estadunidense esperava.

Ele sofreu também um razoável fracasso nesse sentido. Na reunião da OTAN, a Ucrânia não foi aceita como membro. Eles argumentam que é porque o estatuto só admite países-membros, que não estão em conflitos internos, estejam pacificados. E a Ucrânia está passando por uma guerra civil, um levante popular. Eles querem a secessão na região de Donbass e estão quase conseguindo. Eles já decretaram a emancipação.

Não poderia encerrar este pequeno ensaio com o registro da vitória espetacular com mais de 62% dos votos, do candidato do stablishment iraniano e evolucionário de 1979, Dr. Sayed Ebrahim Raisi, chefe do poder judiciário, que a imprensa ocidental chama de “ultraconservador”, que na verdade significa ultra anti-imperialista (tratarei dessa eleição específica em outro ensaio).

Notas

  1. Veja aqui esse discurso mencionado: <https://bit.ly/3gyJ298>.

* Sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor e autor de 17 livros (duas reedições ampliadas), é também pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TV dos Trabalhadores, da TV 247, da TV DCM entre outros canais, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Grabois, Brasil 247, DCM, Outro lado da notícia, Vozes Livres, Oriente Mídia e Vai Ali. Todos os livros do Professor Lejeune podem ser adquiridos na Editora Apparte (www.apparteditora.com.br). Leia os artigos do Prof. Lejeune em seu site www.lejeune.com.br. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br e Zap é +5519981693145.