Entrevista do sociólogo e professor Lejeune Mirhan Xavier de Carvalho

Prof.Lejeune Mirhan - 20-10-2021 2111 Visualizações

A seguir, a entrevista, na íntegra, realizada pelo jornalista Igor Fagundes do Jornal Empregos & Estágios, com o sociólogo e professor Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho, da Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep desde 1985 e da Fundação para o Desenvolvimento da Unesp. O Professor Lejeune é sociólogo desde 1981, tendo sido presidente da Federação Nacional dos Sociólogos (1996 a 2002) e seu 1º secretário (2002 a 2005). Atualmente é vice-presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo. Foi também vice-presidente da Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL (de 2002 a 2005). É co-autor dos seguintes livros: Conflitos Internacionais num Mundo Globalizado (2ª Edição, Editora Alfa Ômega, 2003), A Luta Antiimperialista e a Hegemonia Americana (Editora Alfa Ômega, 2004), Sociologia e Ensino em Debate (como organizador, Editora Unijuí, 2004) e Sociólogos & Sociologia: História das suas entidades no Brasil e no mundo (Editora Anita, 2005, no prelo). Possui mais de 30 artigos científicos publicados no Brasil e no exterior. Colabora regularmente, entre outras, para as revistas Princípios e Debate Sindical e para o Jornal A Classe Operária e é colunista do Portal Vermelho onde publica todas as quintas-feiras artigos de análise sobre o Oriente Médio (www.vermelho.org.br). Fez diversas viagens internacionais de caráter acadêmico ou sindical, onde esteve na França, Cuba, Canadá, Venezuela, Chile, Argentina entre outros. É membro da International Sociological Association – ISA e da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa. Parte desta entrevista foi publicada na edição nº 25, de 27 de maio a 2 de junho de 2005, na página 11.

Jornal Emprego & Estágio – Desde quando a profissão sociólogo é regulamentada? Como se deu a regulamentação e como, hoje, se posiciona legalmente esse profissional?

Prof. Lejeune – A luta pela regulamentação da nossa profissão vem desde 1960, quando apareceram na Câmara dos Deputados os primeiros projetos de reconhecimento da profissão e posterior regulamentação. Acabou sendo aprovada apenas 20 anos mais tarde, pela Lei do então deputado Francisco Amaral, do então MDB, ex-prefeito de Campinas. A sanção presidencial deu-se em 10 de dezembro de 1980. é a Lei nº 6.888, que só foi regulamentada 4 anos mais tarde, pelo Decreto nº 89.531 de 5 de abril de 1984. Assim, temos 25 anos de reconhecimento da profissão, a ser comemorada em dezembro deste ano. Hoje os sociólogos são os profissionais que se formam no curso de bacharelado de ciências sociais e após o recebimento do diploma devidamente registrado no MEC, podem e devem pedir o registro profissional nas Delegacias Regionais do Trabalho nas capitais. Apenas com o número do RP nas DRTs é que é possível o exercício da profissão.

Jornal Emprego & Estágio – A que tipo de instituições o sociólogo pode e/ou deve recorrer para saber sobre oportunidades de emprego, deixando seu currículo ou candidatando-se a vagas?

Prof. Lejeune – Quando ainda estudante, como na maioria dos locais, deve recorrer aos Centros de Integração entre Empresa e Escola - CIEEs. Nas escolas existem também as chamadas Empresas Juniores. Quando profissional, os centros de solidariedade aos trabalhadores e entidades sindicais da categoria, bem como centros de pesquisa nas áreas sociais, políticas, econômicas e de pesquisa de opinião pública e de mercado. Tal qual as demais profissões, também vivemos problemas com o mercado de trabalho.

Jornal Emprego & Estágio – Em que consiste o profissional da Sociologia e quais são suas áreas de atuação? Como você avalia o mercado de trabalho atual do sociólogo? Quais são as áreas que acenam com melhores perspectivas e em que ramos de atuação o profissional terá, atualmente, mais dificuldades de se inserir?

Prof. Lejeune – Os nossos profissionais são cientistas que estudam a sociedade por excelência. Possuímos uma formação generalista, com uma sólida formação intelectual e em pesquisa, de vários tipos. Os nossos currículos possuem nos 4 anos de curso, carga horária grande em sociologia, ciência política e antropologia. Temos também história do Brasil e Geral em pelo menos dois anos. Temos ainda economia (brasileira e internacional), bem como relações internacionais e política internacional. As metodologias de pesquisa, na maioria dos cursos, integram quase todos os anos dos cursos. Por fim, complementarmente, temos ainda geografia, psicologia e filosofia, entre outras cadeiras, além, claro de estatística. Quanto às áreas de atuação, identificamos profissionais da sociologia em pelo menos 16 grandes áreas do mercado de trabalho, às quais resumimos em três grandes blocos: os de áreas tradicionais, bem aquecidas e bem consolidadas onde praticamente só os sociólogos atuam. Um segundo bloco, de áreas bem desenvolvidas, mas com alguma disputa com outras profissões. e por fim, um terceiro bloco de mercado de trabalho, muito disputado com outras profissões e ainda não muito desenvolvidas. São as seguintes: Áreas reservadas – mercado bem aquecido – São três grandes áreas: 1. Docência (docência de sociologia no ensino médio; docência em quase todos os cursos superiores do país; cursos especiais de cidadania e ética que vem sendo dados a trabalhadores em cursos de reciclagem; docência em cursos de especialização, mestrado e doutorado em Universidades); 2. Pesquisa Social (todas as pesquisas desenvolvidas por agências sociais, excetuando-se as de opinião pública, pesquisas étnicas, demográficas, de gênero); 3. Pesquisa de Opinião e de Mercado (elaboração do “survey” de perfil dos entrevistados; planeja e executa todo o projeto da pesquisa; elabora os relatórios finais das pesquisas; treina entrevistadores de campo; define a base amostral; orienta programadores de informática sobre o sistema de apuração). Áreas não exclusivas – mercado relativamente aquecido – São sete grandes áreas: 1. Sindical (exercendo funções de assessoramento sindical; planejamento político e sindical; campanhas salariais; negociações coletivas e dissídios de categoria; cursos de formação sindical); 2. Meio Ambiente (elaborando relatórios e estudos de impacto de meio ambiente; cuida de relações sociais com o meio; acompanha projetos de assentamentos humanos rurais em áreas de barragens; torna-se analista sócio-ambiental); 3. Planejamento e Desenvolvimento Urbano (nas áreas das secretarias municipais e estaduais de planejamento urbano; relações sociais urbanas; atuam como analistas de viabilidade social de empreendimentos de infra-estrutura urbanas e habitacionais, em equipes multidisciplinares; análises de projetos sociais de participação comunitária; elaboração de análises e diagnósticos sócio-econômicos; elaboração, acompanhamento e avaliação de projetos sociais); 4. Reforma Agrária (assentamentos de trabalhadores rurais sem-terra; estudos de perfil de assentados; estudos sócio-econômicos de populações a serem assentadas, atuando em equipes multidisciplinares de profissionais (com economistas, geógrafos, agrônomos); 5. Relações Internacionais (atuam nos departamentos de relações internacionais das grandes empresas, como analistas e consultores internacionais; atuam na área diplomática; desenvolvem estudos sobre conflitos regionais e dão pareceres sobre os mesmos, propondo soluções); 6. Marketing Político (assessoria política; análise política e estatística em geral de resultados de levantamento de pesquisas e sondagens eleitorais; assessoramento em campanhas eleitorais); 7. Lazer e entretenimento (trabalho em projetos em centros populares de lazer tipo SESC e SESI; pesquisa e docência na área de sociologia do lazer e do turismo). Áreas de disputa com outras profissões – mercado pouco desenvolvido ainda – São seis grandes áreas: 1. Área da Saúde (participam ativamente de grupos multidisciplinares de saúde com outras profissões em instituições de reabilitação profissional; atuam em medicina preventiva, postos de saúde comunitária); 2. Jurídica e Carcerária (estudos de delinqüências sociais; estudos de violência social; socio-patias; estudos de populações carcerárias; análises de perfis); 3. Legislativo (atuam na assessoria legislativa parlamentar, em mesas de Câmaras e Assembléias Legislativas e mesmo no Congresso Nacional; desenvolvem estudos e pesquisas especiais que fundamentam elaboração de projetos de Lei); 4. Recursos Humanos (atuam no processo desde contratação, treinamento, análises das relações humanas no trabalho; atuam na área de relações industriais; negociações trabalhistas e sindicais, dissídios coletivos); 5. Mercado Editorial (assessoramento na área de publicações especializadas e técnicas; pareceres como consultor especializado; coordenam departamentos de documentação; realizam pesquisas); 6. Comunicações (assessoramento das redes de comunicações de massa; análises de resultados de audiências; pesquisas qualitativas de audiências; impactos de programas nos ouvintes; índices de satisfações com a programação.

Jornal Emprego & Estágio – Qual(is) a(s) diferença(s) entre o sociólogo, o antropólogo e o cientista político, isto é, entre o sociólogo e os demais profissionais da área de Ciências Sociais?

Prof. Lejeune – Entre essas três profissões que você menciona, apenas a nossa, de sociólogo é regulamentada no Brasil. E a Lei reconhece como sociólogo os formados pelo curso de bacharelado em ciências sociais. Os licenciados em ciências sociais são professores de sociologia (no ensino médio), mas sem o bacharelado não consegue o registro profissional. Por isso recomendamos que as escolas ofereçam ambos os cursos - de bacharelado e de licenciatura, pois quem faz só bacharelado, também não pode lecionar e esse é um grande mercado praticamente reservado a nós. Quanto aos antropólogos e politólogos (alguns preferem cientistas políticos), estas não são profissões regulamentadas e reconhecidas e seu campo de trabalho é muito menor que a do sociólogo. Não temos pesquisas disponíveis, até porque não temos Conselho Federal de Sociólogo - uma antiga reivindicação da categoria - mas estimamos que os sociólogos sejam 70% ou mais dos profissionais, os politólogos 20% e os antropólogos 10%. Assim, mesmo que um profissional das ciências sociais se apresente como Antropólogo e Cientista Político, se ele assim o desejar e tiver o bacharelado em CS, ele pode conseguir o registro de sociólogo apoiado em nossa lei da profissão.

Jornal Emprego & Estágio – Qual é o caminho que um aspirante à carreira deve seguir para se tornar um sociólogo? E quais características que esse aspirante deve conciliar para considerar-se vocacionado para a carreira?

Prof. Lejeune – Um aspirante a sociólogo, como você chama os nossos futuros colegas, devem ter gostar imensamente dos estudos da sociedade, em seus aspectos macros. É preciso ter amor à leitura, ao conhecimento científico e desejar estudar os problemas sociais e a complexidade das organizações e instituições sociais. Como dizia Max Weber, a Sociologia é por excelência a ciência que estuda as instituições. Já Durkheim menciona que os sociólogos deveriam estudar os "Fatos Sociais", que são coisas e fenômenos que ocorrem na sociedade, possuem vida própria, por assim dizer, que não dependem das individualidades, são anteriores a nós, transcendem a todos nós. Já Marx, leva em conta as classes sociais e sua luta como motor da história. Esses são pelo menos três dos grandes clássicos que devem ser estudados a fundo pelos nossos profissionais. Mas existem centenas de outros, que deram grandes contribuições às ciências sociais. Um dos textos básicos de Weber fala em "Política como vocação". Eu diria que nosso "vocacionado" devem gostar de política, de sociedade e do estudo do ser humanos entendido como ser social, que vive as relações sociais, no trabalho e com as instituições sociais.

Jornal Emprego & Estágio – E o reconhecimento desse profissional? Como o avalia no Brasil e no resto do mundo?

Prof. Lejeune – Os sociólogos hoje são cerca de 40 mil no país. Os dados não são muito precisos, mas é uma estimativa baseada em dados de registro dos diplomas disponíveis no MEC. Hoje formam cerca de 700 a 800 profissionais por ano. Estimamos esses 40 mil em quatro grandes blocos, mais ou menos iguais, da ordem de 10 mil profissionais cada. O primeiro bloco são os que atuam como sociólogos e tem registro em carteira e exercem cargos no serviço público diretamente com essa denominação. Um segundo bloco, de mesma proporção, são os que exercem funções de sociólogos, privativas ou não, mas que não têm registro diretamente nessa condição (exemplo: analistas sociais, analistas de dados e outras denominações). Um terceiro bloco, são os que ministram aulas de sociologia seja no Ensino Médio ou nas Universidades. Por fim, um terceiro bloco final, são os que ainda não conseguem exercer diretamente a profissão e mesmo alguns não o fazem por opção (são os que fizeram ciências sociais como segundo curso, além da sua profissão principal, para ampliar conhecimentos e horizontes culturais e intelectuais).

Jornal Emprego & Estágio – É possível viver como sociólogo no Brasil? Quanto ganha um profissional hoje?

Prof. Lejeune – Claro, sem dúvida que sim. Eu pergunto: quais outras profissões, ao formar os seus profissionais possuem um leque tão amplo de opções de trabalho, de mercado igual à nossa? Claro que, pela nossa formação, como generalista, acabamos não tendo um mercado cativo, excessivamente reservado que nenhuma outra profissão exerce. Mas, isso não fecha mercado algum para todos nós. Nossos profissionais são hoje disputados no parlamento, em projetos sociais em ONGs, em assessorias sindicais, na área de reforma agrária e meio ambiente, nos institutos de pesquisa de opinião pública e de mercado e tantas outras áreas, conforme mencionei anteriormente. Quanto aos salários, depende do tempo de formado e da sua especialização, bem como a sua titulação. Muitos de nossos colegas, atuando ou não nas Universidades e nos Institutos de Pesquisa, fazem mestrado e doutorado e são reconhecidos em suas áreas de trabalho como referências. Você não abre hoje os grandes jornais sem que pelo menos um sociólogo, todos os dias não emita uma opinião técnica e profissional sobre vários temas. Nas prefeituras de SP e da Grande SP, um sociólogo inicia sua carreira na faixa de R$1.500,00 pelo menos. A nossa Federação Nacional dos Sociólogos - Brasil, recomenda para 40 horas de trabalho um piso de pelo menos R$3.115,10 (dois salários mínimos do DIEESE em valores de abril de 2005) e para 30 horas semanais um valor de R$2.336,32. Quando prestamos consultoria sem vínculo empregatício, os valores são referenciados em outras bases, por horas de consultoria. Normalmente, tais valores levam em conta a titulação dos nossos profissionais e sua experiência e renome nacional ou internacional. Hoje, alguns consultores cobram pelo menos R$75,00 a hora de trabalho em seus projetos.

Jornal Emprego & Estágio – Na sua opinião, o que é preciso ser feito (politicamente, socialmente, educacionalmente etc) para o sociólogo conseguir mais espaço e/ou ser mais reconhecido dentro e fora do meio acadêmico, isto é, em todos os níveis?

Prof. Lejeune – Há muitas lutas e uma grande jornada ainda pela frente para que venhamos a ter reconhecidos pela sociedade o nosso papel. Precisamos implementar várias propostas, nos organizarmos nacionalmente. A seguir, apresento a seguir um conjunto de propostas, que venho apresentando em vários fóruns decisórios de nossa categoria, congressos nacionais e mesmo internacionais da qual tenho participado para valorizar a nossa ciência e a nossa profissão. Não as fundamentarei em detalhes, apenas apresentarei os seus enunciados. Os temas que apresento não estão em ordem necessariamente de importância. São eles: 1º) Reforma curricular; 2º) Criação do Conselho Federal de Sociólogos – CFS; 3º) Criação de Sindicatos de Sociólogos nos Estados e fortalecimento da Federação Nacional de Sociólogos - Brasil - FNSB; 4º) Pelo cumprimento e ampla difusão do Código de Ética Profissional; 5º) Luta pela Sociologia no Ensino Médio e Ensino Fundamental, inclusive em todos os cursos superiores que formam outras profissões; 6º) Campanha pela valorização do sociólogo enquanto profissional necessário à sociedade; 7º) Introdução da disciplina de sociologia nos vestibulares; 8º) Pela criação de estágios profissionalizantes aos alunos dos terceiros e quartos anos dos cursos; 9º) Pelo estabelecimento de carreira de sociólogo em todas as secretarias municipais, estaduais e ministérios, bem como órgãos públicos e autarquias; 10º) Pelo estabelecimento do Dia do Sociólogo e símbolo da profissão; 11º) Pela criação de um Prêmio Nobel de Sociologia; 12º) Pela Criação de um Portal de CS na Internet; 13º) Pela criação da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em CS - ANGRACS e 14º) Pelo estabelecimento de um Piso Nacional da categoria.