Reflexões sobre o governo Lula

Prof.Lejeune Mirhan - 13-09-2021 789 Visualizações

Os tempos em que vivemos hoje são tão difíceis, que se nos declararmos democratas e patriota e defensor da soberania nacional esta quase impossível, imagina então nos declararmos comunista. Mas não é sobre isso que quero lhe falar.

A imprensa menciona diariamente corrupção no governo do nosso presidente Lula. Eu desconheço. A mídia, a grande imprensa, capitaneada pela revista Veja que, de todas as formas, quer nos fazer crer que o Brasil vive "o maior escândalo de corrupção de sua história". Incrível isso. Depois de quatro longos meses de investigação de todas as formas, não se viu prova alguma de corrupção? Não se provou que esse governo pagava mesadas à deputados, que o dinheiro público foi usada em algum momento, que algum companheiro de nosso campo popular enriqueceu com o processo político. Não se viu e, espero, não se verá. Este é um governo que não rouba e não deixa roubar. Nunca se prendeu tantas pessoas em tão pouco tempo de governo. Foram 77 grandes e espetaculares operações da PF, que resultaram na prisão de 1,3 mil pessoas, das quais pelo menos 800 por crime de colarinho branco (juizes, delegados, deputados, prefeitos, servidores e tantos outros mais, que estão vendo diariamente o sol nascer quadrado). Até Maluf, que se orgulhava de nunca ter sido condenado e preso, esta atrás das grades.

Diferente do governo FHC, que em oito anos não prendeu ninguém, este governo não poupa nenhum cidadão se comprovado que está envolvido em corrupção e sonegação, mesmo grandes empresários como os da Família Schincariol e a tal Eliana Tranchesi, da Daslu, que foram parar na cadeia. Diferente do governo FHC, Lula demite imediatamente o corrupto, abre sindicância para apurar a denúncia de corrupção, denuncia na PGR e pede imediatas providências da PF. FHC só abafava CPIs e nada apurava. Será que as pessoas já notaram que o tal esquema do Valerioduto foi feito a partir de empréstimos bancários todos comprovados e legalizados? A imprensa não quer saber de onde vem todo o dinheiro envolvido nesses empréstimos, que não são e nunca foram públicos. Até porque a própria imprensa, como a revista Veja, fez imensas doações para o PSDB, mas não confessam isso nas suas revistas e jornais. A imprensa não quer e não vai investigar nada, mas apenas desgastar o governo e o PT. As investigações pararam e passaram a patinar. Será que as pessoas percebem isso? Esse dinheiro é totalmente privado, vindos de empresas que doaram para campanhas eleitorais de todos os Partidos e não só do PT. Foram bilhões de reais, mas eles não vão apurar isso tudo. Essas CPIs (são três, que funcionam ao mesmo tempo e com o mesmo objeto; nunca se viu isso na história da República, contra o mesmo presidente). São CPIs políticas, como sempre foram e os parlamentares que dela são membros querem os seus 15 minutos de fama nas TVs, para se projetarem. Não são investigadores, são inquisidores, com egos e vaidades elevadas, preocupados com suas campanhas do ano que vem, posando de vestais, moralistas e éticos, e com os bolsos cheios de dinheiro.

Acho sim que é democrático a direita protestar contra o governo. Mas nós, do campo popular, que alguns preferem ainda serem chamados de esquerda (até essa palavra eles querem que saia e moda; querem que sintamos vergonha desse nosso passado, de nossas lutas e de nossos ideais libertários). Não podemos ser ingênuos e ajudar essa mesma direita. Dar os braços ao PFL e ao PSDB, é ajudá-los, objetivamente. Conhecemos as teses de Marx sobre Fuerbach, especialmente a tese sete (todas são boas, claro). "A prática é o critério da verdade". Alguns atribuem, erroneamente a Mao Zedong essa frase. O povo traduziu isso para "me diga com quem andas e te direi quem és". Os xiitas, no Iraque, que sempre lutaram contra Saddam, agora se aliam aos americanos para chegar ao poder. Os fins justificam os meios? Achamos que não.

Acho que em muitos aspectos, Lula manteve elementos da política fiscal e monetária do governo anterior. Mas, o neoliberalismo é tão forte e poderoso, que eles moldam instituições, ideologias, idéias, cabeças em geral. Se ninguém defende os juros altos, nem mesmo (publicamente) os banqueiros, porque eles não caem? Até Delfim está indignado com isso (conforme matéria na Folha de 21 de setembro de 2005 sobre os juros escorchantes). Será que foi Lula que "nomeou” Meirelles, do Banco de Boston ao BC? Será que ele poderia nomear um petista para isso? Ele só assinou a portaria de nomeação. Foram os banqueiros que o indicaram.

E porque essa gente quer tirar Lula se estão ganhando bem com ele? Meus alunos do curso básico de ciência política e de sociologia sabem responder isso com facilidade. Essa gente quer mais, querem mais sangue, suor e lágrimas de nosso povo. Querem privatizar as poucas estatais (as jóias da coroa) que ainda restaram (Petrobrás, BB, CEF, Furnas, Chesf, Eletronorte e Correios). Essa gente aceita no máximo que o BB e a CEF sejam bancos comerciais e não de estímulo ao fomento e à produção. Querem ainda mais a desregulamentação completa do trabalho (mais precarização); querem criminalizar os movimentos sociais e populares (especialmente o MST).

FHC demitiu em oito anos um milhão de servidores, para enfraquecer o estado nacional. Lula não demitiu nenhum e ainda contratou mais de 200 mil, por concurso público e vai contratar mais ainda. Essa gente tem ódio da política externa soberana de Lula, que olha ao Sul, para o Oriente e África e não para o Norte, como essa tucanagem quer que o Brasil volte a olhar e à se submeter. Lula barrou e continuará barrando a Alca, com o mesmo embaixador que FHC demitiu (Samuel Pereira Guimarães), que eles tanto defenderam, para transformar o Brasil num quintal americano. Tirar Lula para barrar o processo de integração no MERCOSUL e dos povos sul- americanos. Eles querem tirar Lula não pelos seus erros, mas pelos seus acertos. Querem acabar com o Programa “Fome zero e Bolsa Família”, os maiores programas sociais de todo o mundo, com quase dez milhões de pobres atendidos, conforme destacou inclusive o insuspeito e liberal jornal londrino, o Financial Times, ignorado completamente pela mídia local. Essa gente quer que nos afastemos da Venezuela e de Cuba, democráticas e populares. Mas isso nós não faremos.

Nós do campo da esquerda clássica, revolucionária, não temos uma teoria capaz de dar conta do momento em que vivemos hoje. Nossa formação era a que defendia uma transição do capitalismo para o socialismo, pela revolução armada, libertária, emancipadora. Nós falávamos em tomada do poder e não em eleição pelo voto. O desafio é como sair desse modelo perverso de capitalismo neoliberal, não para o socialismo, mas outro modelo de capitalismo, digamos, menos selvagem, mais nórdico, por assim dizer. Como fazer isso, sem deixar de pagar os juros da dívida, sem romper contratos (e não foi para isso que o nosso povo deu os 52 milhões de votos para Lula). E tendo contra nós essa mídia canalha, à serviço do grande capital financeiro e dos Estados Unidos.

Existem erros, é bem verdade. Mas devemos aprender com eles. O mesmo povo que deu a Lula a presidência, deu aos três partidos que o apoiaram (PT, PCdoB e o PL), apenas 120 deputados, 20% da Câmara. A absoluta minoria da Câmara e do Senado. Como governar dessa forma? As recentes eleições parlamentares da Alemanha, onde os grandes Partidos tiveram sozinhos até 40% dos votos e mesmo assim terão que fazer composição para governar, como governar um país como o Brasil com apenas 20% da Câmara e sem fazer aliança alguma?

Esse mesmo povo não deu a Lula nenhum governador no chamado “Triângulo das Bermudas” (RJ, SP e MG), que ficaram todos com a oposição neoliberal. Esses estados ficaram nas mãos de gente que bate no peito, como o Geraldo Alckmin de SP, que diz "ter feito a lição de casa", paga bilhões de juros por ano, privatizou tudo que podia, espanca estudantes que lutam por mais verbas para a educação que ele vetou no orçamento estadual (sem falar do que Serra vem fazendo, desmontado todos os programas sociais criados na gestão anterior, a mais social que SP já teve em sua história).

Os tempos são difíceis, as correlações de forças são desiguais para nós, que sempre almejamos outro mundo, o socialismo. Vivemos tempos difíceis em outras épocas, na ditadura, na época da Segunda Guerra, do nazismo. Hoje, não precisam mais colocar tanques nas ruas, prender pessoas. Hoje a ideologia neoliberal esta em todas as partes, prevalece o individualismo, a competição e a concorrência entre as pessoas. Temos que ver quem são nossos aliados, nossos parceiros. E não tenho dúvidas, que temos que fazer alianças mais ao centro, como Lula vem tentando fazer.

Devemos atentar que essa mesma mídia que é completamente contra a reforma agrária, vem cobrando do MST "coerência", pois eles querem que o MST caia de pau em Lula? Mas não vai fazê-lo. O império americano está forte, consolidado. Vive problemas, contradições internas, mas segue forte. O Iraque e o Afeganistão estão ocupados por tropas. A Síria e o Iraque, estão ameaçados. Semana passada, desembarcaram os primeiros mil soldados no Paraguai (Só o SBT noticiou esse desembarque). E serão mais 15 mil até dezembro. É a primeira base militar no subcontinente sul-americano. Os 150 pretensos intelectuais que recentemente soltaram um manifesto pedindo “rigorosa apuração da corrupção, mesmo envolvendo o presidente (sic), soltaram algum manifesto de protesto pelo desembarque das tropas? Irão às ruas gritar "yankees go home", como faziam em 1968?

Sei das limitações de Lula, de seu governo e de seu partido há 25 anos, por isso não pertenço a essa organização. No entanto, não somarei minhas forças para destruir o PT, um partido democrático e de esquerda, que ajudou na luta pela redemocratização de nosso país e que deu ao povo brasileiro um de seus maiores líderes operários da história, ao qual respeitamos e apoiamos. Acaso Heloísa Helena acha que será ela a libertadora de nossa República? Ou será César Maia do PFL do RJ? Ou esse que é conhecido como “picolé de chuchu” do Alckmin em SP, seria ele o candidato de certa esquerda? Nós vamos de Lula, mais uma vez (nos Estados Unidos gritaríamos "more for years"), avançando no programa, na transição política, rumo a outro modelo, repito, ainda não socialista, mas patriótico, nacional e desenvolvimentista, e que se faça justiça social, minimizando uma das maiores desigualdades que temos no mundo, a quarta maior desigualdade. Até que as coisas mudem em plano mundial e nacional, para voltarmos ao avanço das forças populares e progressistas. Por ora, encontramo-nos em uma defensiva estratégica e histórica, vivendo um ciclo conservador de longa duração, infelizmente.

* Sociólogo da Fundunesp e professor de Sociologia e Ciência Política da Unimep, vice-presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo.

(texto revisto a partir de uma carta enviada à lista da Associação dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro em 21 de setembro de 2005, por e-mail)