Atualidades políticas sobre o Oriente Médio: O caso do Iraque e do Irã

Prof.Lejeune Mirhan - 05-03-2021 1114 Visualizações

Em 1992, em uma Conferência que ministrei na USP, por ocasião de um Congresso Nacional de Sociólogos, contando na mesma mesa com o Dr. Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, da Unicamp, o embaixador André Amado, do Itamaraty e o Dr. Ahmed Sobeh, ex-embaixador da Palestina no Brasil, eu apontava a existência de três zonas de tensões existente no mundo, sendo que apenas uma no Oriente Médio, que é a luta dos palestinos em busca de sua terra e de seu estado nacional.

Hoje, passados 14 anos, temos que reconhecer a existência de pelo menos três conflitos e situações de tensão em todo o Oriente. A Palestina, que segue em um impasse sem solução; o Iraque, que segue ocupado por tropas anglo-americanas desde março de 2003 e o Irã, que vive mais recentemente sob constantes ameaças de bombardeios do imperialismo em função de um suposto programa nuclear. Isso sem mencionar conflitos internos no Líbano e as ameaças à Síria.

Por ser a Palestina tema específico de palestra nesta semana de estudos, deixaremos de abordar esse tema. Pretendo aqui dar um breve relato sobre as duas últimas guerras de agressão contra o Iraque, tentar situar alguns de seus problemas, comentando-os sempre sob uma ótica geopolítica regional e quanto ao Irã, comentar o problema recente da tentativa da violação de sua soberania. Pretendo ainda sempre apontar perspectivas dentro da sociologia das relações internacionais.

A política americana para o OM

Quando George Bush pronunciou, em janeiro de 2003, o tradicional discurso perante o Congresso, chamado de “O Estado da Nação”, passa-se a ser formulado a nova linha geral da política externa americana, cuja marca se resume na célebre frase “ou se esta com os EUA ou se esta com os terroristas”[1]. As coisas passariam a ocorrer de forma preventiva, ou seja, os EUA atacariam antes e perguntariam depois. Este novo posicionamento do governo americano é conhecido pela sigla em inglês NSS (National Security Strategical – Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, que vêm sendo formulada desde setembro de 2002).

Como diz o professor Noam Chomsky, o cenário que se apresenta é relativamente novo para o próprio EUA, onde os atores e jogadores da política internacional, muitos deles passam a ter poder nuclear e em muitos casos, o cenário é muito incendiário[2].

Em traços gerais, a política externa americana se caracteriza por:

  1. Ações unilaterais – tem sido essa a marca da política externa do governo americano. Toma a decisão, independente do que a ONU venha aprovar. O máximo que se tem é a aprovação pelo congresso americano do uso da força militar pelo presidente dos EUA, sem depender do sistema das Nações Unidas;
  1. Proteção a todos os interesses americanos em qualquer parte do mundo em qualquer tempo – valem os interesses econômicos das empresas transnacionais, com sede e capital estadunidense;
  1. Contenção dos estados “vilões” – assim são chamados os estados que apoiariam as ações terroristas. É um recado mais direto para a Síria e o Irã, entre outros estados;
  1. Buscar a hegemonia mundial[3];
  1. Garantir o suprimento de energia aos EUA e
  1. Estabelecer as primeiras bases militares americanas seguras num país – no caso o Iraque – detentor de uma das maiores reservas mundiais de petróleo[4]. Por todas essas razões, entre outras, Bush foi à guerra contra o Iraque.

As mentiras e verdades sobre o ataque ao Iraque

Para justificar a sua guerra injustificável, Bush teve que distorcer muitos fatos, contando suas próprias versões, que foram reverberadas indistintamente e sem nenhum senso de apuração jornalística, pelos maiores órgãos de comunicação de massa. Recentemente vários jornais do mundo, entre eles o famosíssimo The New York Times, fizeram uma espécie de autocrítica pública sobre a forma como cobriu essa guerra em 2003.

Listamos aqui pelo menos cinco grandes mentiras cometidas pelo presidente americano:

  1. Que o Iraque teria armas de destruição de massa (na sigla em inglês Weapon Mass Destroction) – essa foi a maior mentira de todas. Nada encontraram porque o Iraque não tinha tais armas. O maior fiasco do setor de inteligência americana foram os relatórios feitos pela CIA fraudados e mentirosos que afirmavam que Saddam possuía tais armas. No Oriente Médio o único estado que possui armas de destruição em massa é Israel, com mais de 200 ogivas nucleares, mas nunca condenado pelos EUA;
  1. Que a guerra seria feita por uma coalizão de países – foram apenas dois, Estados Unidos e Inglaterra, com outros pequenos paises designando insignificantes contingentes de soldados. Muitos desses países já se retiraram completamente do Iraque;
  1. Que os EUA seriam vistos como o “libertador” do Iraque – são conquistadores, invasores, neocolonizadores. No período que compreende 1890 e 2001, segundo estudos de Zoltan Grossman[5], pelo menos 145 intervenções militares foram feitas pelos EUA para defender os interesses das empresas estadunidenses;
  1. Que os EUA iriam “democratizar” o Iraque – não fizeram isso em lugar nenhum do mundo onde invadiram e ocuparam. Ao contrário, apoiaram ditaduras sanguinárias. O governo títere que tomou posse no último dia 20 de maio, que apóia a ocupação e não sobreviveria um dia sem ela, não garante democracia alguma ao Iraque. Ao contrário. Conforme se tem visto na grande imprensa, o Iraque é hoje menos seguro do que antes e as restrições e censura à imprensa e aos meios de comunicação de massa são iguais ou até piores do que na época de Saddam Hussein. Não há liberdade alguma no Iraque hoje. O governo iraquiano é meramente subserviente aos interesses de Washington. São títeres que governam o país, sem nenhuma autonomia. Nunca é demais indagar: porque democratizar “só” o Iraque e não outros países árabes? Porque todos os outros são aliados incondicionais dos EUA. O incrível é que a mídia comprou e apoiou tais idéias. Assim, atos guerreiros do presidente americano passam a ser vistos como “intervenções humanitárias” e “a ocupação militar e assassinato de civis”, seriam vistos como operações pela manutenção da paz, no dizer de Michael Chossudovsky;
  1. Que o Iraque teria ligações com a Al Qaeda – nunca teve; Bin Laden odeia Saddam, pois um é xiita e outro e sunita. Saddam defende um estado laico e Bin Laden defende um estado islâmico, teocrático.

Mas, se foram em mentiras que se basearam os ataques, quais seriam mesmo as verdadeiras razões dos mesmos. Em nossa análise, os reais motivos da guerra ao Iraque são também pelo menos cinco:

  1. O motivo do petróleo – as reservas americanas são de apenas 22 bilhões de barris ou 2% de toda a terra e as iraquianas são de 113 bilhões, quase seis vezes mais. A produção diária americana é de apenas oito milhões de barris e seu consumo diário é de 20 milhões, gerando um déficit diário de 12 milhões de b/d. Se toda a reserva fosse usada, duraria apenas 1.100 dias ou três anos. Os EUA são apenas 5% da população mundial, mas consomem 50% de toda a energia do planeta – portanto um déficit brutal da conta energética. A guerra tem o caráter imperialista e de um neocolonialismo, de conquista de territórios estratégicos e de energias estratégicas para os EUA;
  1. O motivo geopolítico – os EUA precisam estabelecer e consolidar o controle do Oriente Médio;
  1. Motivo político-ideológico – Os EUA precisam impor a sua cultura aos povos árabes. Tem necessidade de demonstrar a sua supremacia e impor seus valores, defender a ideologia do livre mercado. Falam em conceitos de “civilização”;
  1. O motivo da substituição do euro pelo dólar – isso o governo iraquiano de Saddam Hussein iria fazer se a invasão do Iraque não ocorresse;
  1. O motivo da água – o Iraque é o país mais aqüífero no Oriente Médio. Israel quase não tem água.

O significado da ocupação do Iraque

O Iraque é um dos países mais antigos do Oriente Médio. Dizem os historiadores que teria sido o berço da civilização ocidental. A região da Caldéia, Ur, terras bíblicas de babilônicos e hebreus, no que se chama de Mesopotâmia (entre rios, o Tigre e o Eufrates, ambos no Iraque atual).

Como quase todos os países do Oriente Médio, à exceção dos restritos à península Arábica, o Iraque foi conquistado pelos muçulmanos após a morte do Profeta Maomé em 632 e foi, portanto, arabizado com o passar do tempo. O território iraquiano hoje não é o mesmo que há três mil anos. Mesmo no século XX, após a I Guerra Mundial, ele perdeu uma grande parte de seu território, que era a sua grande passagem para o mar, que sempre tinha sido a 19ª Província do país. Essa grande nesga de terra desmembrada pelos ingleses, que já haviam detectado nela grandes lençóis petrolíferos, passou a se chamar artificialmente de Kuait e foi entregue a uma família que está bilionária, a Al-Sabah. Foi pela ocupação desse país em agosto de 1990, que, em janeiro de 1991, o Bush pai, atacou o Iraque pela primeira vez, devolvendo o país à família Sabah e assegurando o fornecimento de petróleo aos EUA. Uma guerra de apenas um mês.

Alguns especialistas dizem que o erro de Bush pai foi não ter chegado até Bagdá, ocupado o país e derrubado Saddam. Ao invés disso, um bloqueio econômico e aéreo violento foi imposto ao país, que acarretou pelo menos dois milhões de vítimas, sejam elas mortas na guerra propriamente dita, sejam elas mortas de forma ou por falta de medicamentos, decorrentes de doenças curáveis.

A partir da segunda guerra, do segundo ataque, iniciado em 19 de março de 2003, também em menos de um mês, praticamente todos os conflitos e as resistências cessaram. O exército de quase um milhão de soldados praticamente se dispersou. O país mais organizado e talvez dos mais desenvolvidos de toda a região, além de arrasado mais uma vez por milhares de ataques aéreos. A economia, que já era fraca, ficou um caos. O serviço de eletricidade foi interrompido e até hoje, bairros centrais da antes florescente Bagdá, ficam ainda metade do dia sem luz. Todos os indicadores sociais deterioraram e muito, especialmente o desemprego que subiu para 40%.

A calmaria inicial dos americanos não duraria por muito tempo. Logo teriam início os ataques da resistência contra a ocupação estrangeira. No início, a mídia grande que apoiou abertamente a invasão, dizia que eram “seguidores” de Saddam. Posteriormente passaram a dizer que eram “baatistas” inconformados com a perda de poder de 24 anos (estavam lá desde 1979). Finalmente, hoje culpam indistintamente os muçulmanos por todos os ataques que já vitimaram mais de três mil soldados, sendo que a maioria americanos (o site http://www.iraqbodycount.net/ que se propõe a contar mortos da guerra, estima até o momento em até 42 mil iraquianos mortos ou uma razão de um americano para cada 14 iraquianos).

Nesse contexto, os americanos que, num primeiro momento impuseram um governo próprio, de Paul Bremmer III, apressaram-se em apresentar um plano para “lideranças” iraquianas, que foram trazidas do exterior, onde estavam exiladas, por conspirar contra o antigo governo de Saddam. Tenta-se fazer um grande acordo nacional com gente de todas as correntes, menos os sunitas e antigos militantes do Partido Socialista Árabe Síria – Baath, que fora banido da vida pública. Ocorre que a imprensa chamou de “desbaatização” do Iraque.

Assim, voltaram do exílio gente que colaborava diariamente com os americanos, que lhes passava inclusive informações sobre a situação do país e do regime e mais do que isso: gente que até estava na folha de pagamento da CIA, como o ex-ministro Ahmed Chalabi entre outros. Todos, claro, passaram a colaborar com os americanos e seu exército de ocupação. Uma linha verde foi criada em Bagdá, de segurança máxima, onde ficam as embaixadas e o palácio do governo de Bremmer.

Esse período acabou tendo que ser breve, pois a resistência passava a atuar de forma mais organizada e no final de 2003 e em 2004, os ataques diários já ultrapassavam a média de 40 e às vezes chegavam a 60 por dia. Assim, um governo, títere e serviçal, chamado de “provisório” foi formado, para os americanos deixassem de “mandar no país o mais breve possível”, como dizia a imprensa estadunidense. Tal governo, deveria ter a incumbência de eleger uma constituinte.

Aqui, cabe destacar o papel dos muçulmanos xiitas. Em todo o mundo eles são anti-americanos, especialmente no vizinho Irã, cuja linguagem e retórica contra os EUA é elevadíssima. Mas, porque no Iraque eles colaboram com os americanos. A hipótese mais aceita é que, vendo que seria impossível vencer os americanos no campo de batalha, mesmo com a força da religião, fizeram uma espécie de aliança tática, para chegarem ao poder, que estavam muito alijados durante o governo de Saddam. Não tiveram, infelizmente, a altivez de deixarem de lado divergências históricas com os sunitas, para combater o inimigo maior dos povos da humanidade.

Por fim, a constituinte foi eleita em janeiro de 2005, os xiitas fizeram maioria, formaram um governo provisório com os curdos e alguns cristãos e nenhum sunita. Escreveram uma constituição polêmica, que coloca o Iraque em perspectiva de ser dividido em três partes, ampliando muito os conflitos sectários e étnicos pelo país afora. Praticamente legitima o neoliberalismo no país, que quase extinguiu todas as suas estatais e deixou o petróleo sob controle de empresas estrangeiras, que garantirão o fornecimento para os Estados Unidos. Conseguiu-se no referendo de outubro do ano passado, a sua aprovação por pouco. Finalmente, um novo parlamento foi eleito em janeiro deste ano e a maioria xiita não era mais suficiente para formar o governo sozinho e, mais uma vez, tiveram que compor com os curdos do Norte, que sempre quiseram formar o seu próprio país.

O governo que tomou posse no sábado continua frágil, apesar da imprensa chama-lo de governo “permanente”, o primeiro eleito em muitos anos no país. O novo primeiro ministro, que é um xiita fundamentalista (são diferentes dos seculares, que acham que estado e religião devem ser separados), Nuri Al Maliki, conseguiu aprovar o seu gabinete de 38 ministros, mas com dois nomes provisórios, exatamente as pastas mais importantes, que são a do Interior e da Defesa.

Quanto às perspectivas. Não vejo a menor possibilidade de um novo governo formado dessa maneira, sob ocupação americana, em eleições de resultados duvidosos e com liberdades políticas restritas, que colabora com os invasores, possa ter uma vida tranqüila e que venha a conseguir trazer de volta a paz ao país. Pode-se ter divergência com o grupo político de Saddam, mas existia uma grande normalidade política e institucional no país, as escolas e hospitais funcionavam, o comércio estava ativo e não existiam atentados pelo país afora. Ao contrário do que apregoava Bush, de levar estabilidade e segurança aos iraquianos e ao mundo todo, hoje percebemos o quanto o mundo ficou mais inseguro sob a direção dos republicanos dos Estados Unidos.

Não tenho dúvida que as tropas americanas vão se retirar do país. É provável que o façam a partir do início do próximo ano, mas tudo vai depender de como se estabiliza o novo governo e de sua capacidade de formar e treinar tropas de segurança e do exército para enfrentar a resistência. Acho que a perspectiva é do crescimento da violência sectária e ainda muito mais atentados e operações da resistência.

Nesse contexto, não poderia deixar de mencionar a farsa do “julgamento” de Saddam Hussein, que se encontra preso desde dezembro de 2003 em local incerto. Montou-se uma imensa farsa para dar ares de julgamento isento com base em normas do direito internacional da Convenção de Genebra de Prisioneiros de Guerra. Nada mais mentiroso que isso, pois a mesma convenção diz que países ocupados por potências estrangeiras não podem ter autoridades suas submetidas a tribunais montados e mantidos pelas potências ocupantes. Para isso, um comitê de mais de mil advogados, se posta na defesa do ex-presidente, que, na época em que guerreou contra o Irã entre 1980 e 1988, armado e financiado pelos americanos era assim chamado e depois que ele passou a criticar os americanos passou a ser chamado pela mídia de “ditador”.

A situação do Irã

Há tempos que os EUA arvoram-se em xerifes do planeta e praticamente donos do mundo. Isso vem se reforçando pelo menos desde dezembro de 1991, há quase 15 anos, quando arriou do Kremlin a bandeira da União Soviética, substituída pela da Rússia, com direito inclusive a uso de símbolos czaristas. O neoliberalismo, como modelo econômico, já forte na época, revigora-se, transformando-se quase que em ideologia de Estado. O mundo inteiro o adota depois da reunião de Washington em 1989.

O clube nuclear é mais fechado e seleto. A Alemanha e o Japão são potências do G8, mas não tem bombas atômicas (mas, claro, querem tê-las). Além dos EUA, França, Inglaterra, Rússia, China e Índia, agora mais recentemente o Paquistão tem também a sua bomba atômica. São sete países. Israel e Coréia do Norte declaram não possuir, mas no caso de Israel, fala-se em até 200 ogivas nucleares prontas para uso imediato.

Nesse contexto, os EUA tentam controlar ao máximo os “novos ingressos” no clube nuclear. Assim, toda e qualquer pesquisa nuclear que venha sendo feito pelos países, já é logo visto como uma possibilidade da construção de artefatos nucleares. Imediatamente, enviam inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA e tentam controlar todo o processo, estabelecendo limites aos mesmos. Chegaram a ameaçar o programa nuclear do Brasil e as nossas pesquisas do submarino nuclear e no campo da medicina.

Mais recentemente, parece que chegou a vez do Irã. Após uma ameaça atrás da outra, a própria Agência deu um ultimato ao governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad, que vêm rejeitando todas as ameaças e conseguiu unificar todas as correntes políticas e religiosas de seu país em torno de seu governo.

As pressões são capitaneadas pelos Estados Unidos, mas são apoiadas pela França e pela Inglaterra. Teerã mantém-se firme em seu propósito de enriquecer urânio a até 5%, para a produção de energia nuclear (para que uma bomba seja fabricada os níveis de enriquecimento de urânio devem atingir 80%, coisa que a atual tecnologia iraniana não permite e esta longe de permitir).

Agora, a discussão ganhou corpo no Conselho de Segurança da ONU, órgão é composto por 15 membros, sendo que cinco deles são permanentes e outros dez membros, na qual o Brasil faz parte, são os chamamos membros rotativos. Os EUA, a Inglaterra, a França, China e Rússia cinco grandes têm o poder de veto em qualquer resolução. Os debates vêm ocorrendo ainda de forma embrionária, mas devem ser concluídos em breve. Alguns dos membros do CS, especialmente dos Estados Unidos vem invocando o Capítulo 7 da Carta das Nações, que menciona “ameaça à paz” (sic). Ora o único país no mundo hoje que ameaça concretamente a paz são os Estados Unidos, com sua arrogância e prepotência. Caso se conclua que essa ameaça exista, as medidas que o CS pode adotar iniciam-se com restrições e mesmo boicote econômico, ou seja, passa a haver uma recomendação expressa para que países membros da ONU boicotem o Irã e seus produtos em todo o mundo. Em seguida a isso, o CS/ONU pode autorizar o uso de força militar multinacional.

Um possível ataque ao Irã

Os jornais anunciam desde abril, a possibilidade de um ataque iminente ao Irã. Trata-se de uma tentativa de conter, de alguma forma, o regime de Teerã, sob a presidência de Mahmoud Ahmadinejad, considerado de linha radical, no sentido de que interrompa as suas pesquisas nucleares, mesmo que reiteradamente para fins pacíficos. Washington crê com firmeza que o Irã busca a bomba nuclear. E os países devem ter o direito de realizarem suas pesquisas, sempre sob supervisão internacional. Mas, não é o que ocorre. O Irã quer ter o direito de usar a energia nuclear para energia e para a medicina, tal qual o Brasil também almeja.

Nenhum especialista em energia atômica, nenhum físico, seria hoje, em sã consciência, capaz de afirmar que o grau de desenvolvimento da pesquisa nuclear iraniana fosse capaz de fabricar um artefato nucelar, por mais fraco que fosse. Isso necessitaria de muito urânio enriquecido, por centenas de centrífugas, coisa que eles não possuem. Fala-se em alguns anos para, se fosse o caso – mas não é – ser fabricado uma bomba. No entanto, apesar disso, ao que tudo indica e pelos sinais que vem sendo emitidos, Washington quer “castigar” o país e destruir a sua capacidade enriquecedora de urânio.

Para isso – e ai entra a estratégia do ataque – a idéia é fazer o que Israel fez contra o Iraque de Saddam Hussein em 1981: ataque por ar apenas e exclusivamente nas instalações nucleares. Só que há uma imensa diferença. No Iraque era apenas uma localidade e relativamente próxima do ponto de vista territorial de onde os aviões israelenses partiram. No caso do Irã, teriam que ser atacados e destruídos pelo menos oito grandes instalações, espalhadas por todo o território nacional e muito distantes uma das outras e sem ligação alguma uma com a outra. São elas: Natanz (enriquecimento); Isfahan (conversão); Saghand (mineração); Ardkan (purificação); Bushhehr (construção de reator); Arak (reator de pesquisa); Gehine (instalação para mineração e enriquecimento) e Teerã (enriquecimento). Fisicamente falando, para que fossem destruídas todas essas instalações, os EUA teriam que bombardear cidades espalhadas em várias regiões do Irã, especialmente a sua capital, Teerã.

Dessa forma, vê-se que a operação é complexa não só do ponto de vista geográfico, mas também político, pois os custos em relação às vidas que seriam ceifadas seriam elevados e a reação política seria imediata. Nessa mesma época, falava-se na existência de mais de 50 mil iranianos dispostos a se transformarem em homens-bombas, dispostos a dar as suas vidas em atentados contra alvos americanos em qualquer lugar no mundo.

A ocupação por terra esta descartada não só pelo fato que é em si difícil e custosa, militar e economicamente, mas pelo fato que o exército iraniano é muito mais bem treinado do que era o iraquiano. Dados preliminares disponíveis indicam que o Irã tem hoje pelo menos 1.600 tanques de guerra, mais de oito mil peças de artilharia e pelo menos 280 aviões de combate. Dados oficiais falam em pelo menos 350 mil homens em armas regularmente treinados. Isso foram mais de um milhão de militantes, os chamados Mujahedins, guerrilheiros islâmicos dispostos a dar tudo pelo seu país. Não tenho dúvida, que o ataque não seria terrestre, mas sim aéreo e pode se dar a qualquer momento, mas os custos humanos e posteriormente políticos seriam grandes, na medida em que a reação seria imediata, tanto do governo iraniano, como especialmente de seu povo, que vem sendo preparado e conscientizado desde a revolução islâmica de 1979, para dar enfrentamento ao imperialismo norte-americano.

Perspectivas na Região

Existem dois caminhos possíveis neste momento. O primeiro deles é manter a via diplomática, passando por medidas de vistoria às instalações nucleares do Irã, por inspetores da AIEA e posteriormente resoluções pelo CS. Ocorre que neste caminho, é possível e até provável, que Rússia e China usem o seu poder de veto, impedindo sanções mais drásticas ao Irã, na qual eles têm interesse de manter parcerias. O segundo caminho é o da ação unilateral, bem típico da forma como Bush vem agindo desde a sua posse em 2001. Atiram primeiro e perguntam depois.

Acho que a segunda hipótese é a mais provável. Bush precisa de guerras, pois estas aumentam sua popularidade, que esta no nível mais baixo de todos os presidentes dos Estados Unidos desde que as pesquisas de aprovação presidencial começaram a ser feitas há mais de 60 anos. Tem menos de 29% de aprovação (e Blair, na Inglaterra com 23% apenas). Esta opção, porém, é mais arriscada e pode ser uma cartada fatal. A popularidade do presidente americano encontra-se nos níveis mais baixos desde a sua primeira posse. O desgaste com a ocupação militar do Iraque vem crescendo a cada dia. Avolumam-se os protestos da população que pede nas ruas “Tragam nossas tropas de volta” (Bring our troups for home).

Um ataque ao Irã, ainda que apenas por ar, com aviões que decolem de porta-aviões e de bases da Arábia Saudita e mesmo de Diego Garcia, no Oceano Índico, podem não causar quase baixa alguma aos Estados Unidos, mas a reação iraniana e mesmo as baixas civis nesse país poderão causar danos sérios não só à imagem de Bush, mas até mesmo a cidadãos americanos e instalações e interesses estadunidenses em várias partes do mundo. Qualquer americano em qualquer parte do mundo poderá ser atacado e será um alvo. Um rastilho de pólvora poderá ocorrer em 21 países árabes e nos 26 outros de população majoritariamente muçulmana. As conseqüências são imprevisíveis, mas seguramente danosas. O argumento, para enganar a população americana e à opinião pública não resistirão, pois as possibilidades de o Irã agredir algum país vizinho, especialmente Israel, podem até existir, mas não de forma nuclear. Teerã possui mísseis capazes de atingir Israel e mesmo parte do sul da Europa, causar sérios danos, ainda que tais mísseis não transportem ogivas nucleares. Ou seja, a capacidade de reação do Irã é muito superior ao que era o Iraque quando da invasão anglo-americana em 2003.

É preciso registrar que mesmo a Rússia tendo enviado sinais de que prefere a solução diplomática, as pressões são imensas. Fala-se em conceder prazos ao Irã de até três meses para que interrompa o processamento de urânio. Acho nesse caso também muito difícil que o governo iraniano atenda a essas propostas. Nos últimos dias, os maiores líderes políticos e espirituais do Irã deram declarações unânimes e extremamente contundentes na linha da defesa da soberania nacional e da sua autodeterminação. O líder espiritual máximo, Ali Khamenei, fez discurso nessa linha em tribuna especial onde ostentava publicamente um fuzil-metralhadora ao seu lado. Na mesma linha o ex-presidente, mais moderado, Ali Rashemi Rafsanjani. Quando a mídia ocidental apostava em cisões entre as correntes mais moderadas e a radical, dentro do xiismo, quebrou a cara, pois o país, o governo e toda a estrutura do clero xiita esta unificado no direito inalienável de seguir suas pesquisas nucleares.

Breves conclusões

Apesar disso, seguimos confiantes. A luta dos povos árabes, dos palestinos, dos persas, mais dia menos dia seguirá vitoriosa. Devemos continuar manifestando a nossa integral solidariedade a esses povos, pois a sua vitória, será também a vitória de todos os povos que lutam por justiça, liberdade e igualdade em todo o mundo.

Não tenho saudade do mundo bipolar. No entanto, como cidadão defendo que os povos tenham o direito à sua soberania nacional e que suas decisões sejam respeitadas. A melhor proposta hoje é que o mundo seja multipolar, sem a necessidade de uma nação mandar nas outras e que predomine o respeito nas relações internacionais baseadas no principio da democracia e respeito pela diversidade de todas as culturas existentes na terra.

Temos a certeza e a convicção de que mais dia menos dia, vencerão os povos que lutam pela sua autonomia, por justiça e por igualdade. Não acho que seja simples o antigo império árabe, com suas luzes, com seu avanço cultural, com sua tolerância, retornar. Mas espero que os países e os povos árabes sejam devidamente respeitados não só pelo seu passado e suas inestimáveis contribuições, mas pelo seu presente e pelo futuro que se apresenta. E que reine a paz justa e duradoura no Oriente Médio.

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[1] Maiores detalhes dessa política podem ser encontrados em CHOSSUDOVSKY, Michel, Implicações do discurso de Bush em 7 de outubro. A aventura militar de Bush ameaça o futuro da humanidade, in http://globalresearch.ca/articles/CHO210A.html

[2] CHOMSKY, Noam. A doutrina Bush e suas conseqüências, publicado no jornal A Tarde, de Salvador, dia 24 de outubro de 2004, página 25, originalmente tendo sido publicado em The New York Times e traduzido por Patrick Brock.

[3] Comentários de Caio Blinder no artigo “É o velho tio Sam”, in Primeira Leitura, edição 28 de junho de 2004, páginas 90-91 comentando o livro, inédito ainda no Brasil intitulado Surprise, security and the american experience, de John Lewis Gaddis, Ed. Hup, EUA.

[4] Chomsky, op. cit.

[5] Em Terrorism: A century of US military Interventions, in www.blythe.org