Não podemos propriamente analisar as eleições municipais deste ano olhando apenas os resultados eleitorais finais, ainda que estes possam ser um grande indicador. Nesse sentido, estrito senso, podemos dizer que ou tivemos pequena vitória em plano nacional ou vitória modesta como tem-se dito, ou em alguns casos até mesmo sofremos derrotas. Diferente do ocorrido em Campinas, como pretendo abordar a seguir.
Apresento para o debate, de forma mais sistematizada, algumas ideias que venho acumulando e quero socializar com os membros da CP do Partido.
Nossa participação em governo
Já é bem antiga a participação dos comunistas do PCdoB em governos municipais. Ela vem de antes da vitória de Lula em 2002. Tivemos um pequeno interregno pelo desastre das cassações políticas ocorridas em 2012. Fala-se em um “período duro e amargo para o Partido”. Pode-se dizer que estamos em governo, com esse intervalo, em torno de 15 anos. Nesse sentido, acumulamos alguma força eleitoral e política e projetamos alguns quadros da direção em tarefas onde são respeitados pelo trabalho que desempenham, possuem uma honradez acima de qualquer suspeita e vinculam-se aos interesses do povo e com ele se relacionam.
No entanto, não temos feito – ao que eu sei pelo menos nos últimos seis anos – um balanço dessa participação. Eleitoralmente, como demonstrarei a seguir, ou mesmo em termos de estrutura e recursos para o bom funcionamento do Partido, também deixamos muito a desejar. Por fim, as áreas onde mais nos projetamos – habitação, esportes, transportes e cultura – não conheço um balanço mais sistematizado sobre o significado dessas participações. Mas mais do que isso. Não consigo saber exatamente o que nos diferencia de outras participações de outros partidos e quais seriam nossas propostas, nossas linhas gerais, pelas quais devemos nos bater. Qual seria a marca dos comunistas na gestão municipal da Campinas? Não conheço nenhuma posição nossa, seja polêmica ou não, onde demarcamos territórios, seja com outras forças de esquerda, seja com a própria administração municipal.
As linhas de acumulação de forças
Já desde o 12º Congresso, de 2009, vimos usando a terminologia de “três aspectos de acumulação de forças dos comunistas”. Uma delas, seguramente, é a participação institucional (executivos) e parlamentar (legislativo). A segunda, a participação no movimento popular, sindical e social organizado. A terceira, a luta de ideias.
Vimos conseguindo manter a nossa vaga no legislativo municipal desde janeiro de 1993, quando Sérgio Benassi tomou posse e ficou com mandato por 20 anos seguidos. Em janeiro de 2013 o jovem camarada Gustavo Petta assume a vaga do Partido, tendo sido reeleito agora em 2016 com uma votação excepcional, com crescimento de 30% sobre 2012. Dessa forma, os comunistas vêm de 24 anos de participação no parlamento municipal e ganharam o direito de lá ficar – salvo injunções políticas ditatoriais que podem mudar a história – por mais quadro anos (até 2018). Veremos isso em capítulo específico abaixo.
O que se pode depreender hoje de nossa participação em governo é a comparação que tenho feito com o viciado em ópio. Ele sabe que o consumo da droga vai matá-lo, mas ele não consegue mais viver sem ela. Estou convencido que hoje, nosso Partido é quase que completamente dependente dos cargos que temos na administração municipal. Mesmo sem ter dados precisos, não é errado a afirmação de que jamais, em administração alguma anterior (PT e PDT), tivemos tantos e tão bons cargos municipais. Isso tem gerado até ciúmes por parte de algumas outras forças políticas. E a própria situação que vivemos quando entregamos nossos cargos em 2012 é a mostra dessa dependência.
No entanto, é preciso fazer um balanço dessa participação. Avaliar a ação de cada quadro de partido, seja de direção ou não, seja técnico ou político (o ideal sempre é que os quadros sejam competentes em termos técnicos e políticos) é tarefa periódica e esse é o método que adotamos. Tenho convicção de que uma parte dos cargos que ocupamos não são ocupados por camaradas quadros políticos e dedicados ao Partido. Até quando o nosso jovem secretário de organização fazia esse controle, às vezes menos da metade dos nossos quadros de governo compareciam aos eventos onde o Partido considerava como prioritários. Em algumas situações particulares, mais parecem como empregos do que com tarefas políticas dados a um/a quadro pela direção.
Ainda não sabemos se marcharemos mais quatro anos com o atual governo, já que nosso compromisso com ele foi para as eleições e para seguirmos adiante requer ainda um profundo debate sobre nossos rumos. No entanto, ainda que sigamos nesse governo, é preciso rediscutir toda a nossa participação. Quais critérios, o fator dedicação, a construção partidária, a firmeza ideológica e garantia de doação ao Partido de pelo menos 30% do valor líquido recebido em holerite.
Preparo artigo mais de fundo sobre o significado da participação de comunistas em governos burgueses. Sou amplamente favorável a essa participação. No entanto, a decisão não deve estar relacionada com a obtenção de cargos ou se o prefeito/a é um/a bom/a gestor/a, se recapeou ruas, se fez ligações de esgoto. Tudo isso é importante. Mas, para os comunistas esta não deve ser a razão determinante. De meu ponto de vista, ainda em fase de desenvolvimento, só teria sentido participarmos amplamente de governos se pudesse vislumbrar atingir pelo menos três objetivos fundamentais: 1. Contribuir para a organização do povo com vistas ao avanço de suas lutas e de sua consciência; 2. Garantir amplas formas de democracia direta (hoje temos no máximo conferências consultivas; a democracia representativa está em completo xeque no país) e 3. Contribuir com políticas e programas públicos que contribuam para diminuir as diferenças sociais existentes nas sociedades extremamente desiguais de nosso país.
No aspecto dos movimentos, também deixamos a desejar. Claro que esse tem sido um fenômeno que nos afeta em plano nacional com algumas honrosas exceções pelo país. No entanto, é visível que o Partido na cidade perdeu força no movimento popular e em especial no sindical, ainda que esse espaço não tenha sido ocupado por outras forças de esquerda.
Temos hegemonia em apenas um sindicato proletário na cidade e presença em outros dois (de servidores). Não temos crescido em mais nenhuma nova categoria. No movimento comunitário temos certa presença em torno de uma dezena de associações de bairros e na entidade municipal. Mas, sem uma continuidade de atuação. O movimento negro tem tido dificuldade de se firmar. Temos tido algum destaque no movimento de mulheres. Na juventude, além de perdermos o DCE da Unicamp, o grupo denominado Levante Popular da Juventude e o PSOL tem conseguido certo crescimento nesse segmento. Como já se disse na CP, temos que reconstruir a UCES e ter mais protagonismo nas ocupações de escolas que têm ocorrido em todo o país (fala-se em seis escolas ocupadas em Campinas no momento que escrevo).
Por fim, a questão da luta de ideias. Este é, de meu ponto de vista, onde estamos com a maior debilidade. Desconheço – para ficar apenas entre os 26 membros da direção – algum ou alguma camarada que esteja na linha de frente do debate de ideias com aliados ou outras forças políticas de esquerda ou centro esquerda. Não publicamos artigos de análise e de opinião em órgãos da imprensa local e nem na imprensa partidária (salvo pequenas matérias no caderno estadual do Vermelho na forma de reportagem). O camarada Figueiredo, da Unicamp, teve que ele próprio, financiar um jornal para publicar um extenso e bem elaborado trabalho sobre a imprensa golpista em nosso país.
Hoje, o local e o espaço onde se trava uma viva luta de ideias é a Frente Brasil Popular. No entanto, a esmagadora maioria do CM – sob o argumento de que “já temos um representante lá” – sequer comparece às suas reuniões, qualquer que seja a pauta. Lá hoje se discute e se amadurece ideias como a Frente Ampla, a Federação de Partidos, a Greve Geral. É fórum unitário e unificado onde todas as centrais de luta e os partidos de esquerdas e TODAS as entidades gerais de TODOS os segmentos sociais de Campinas se fazem presentes, acatam e encaminham as suas decisões tomadas sempre por consenso. A FBP Campinas organizou pelo menos cinco grandes manifestações de rua desde 20 de agosto de 2015. Nesse sentido, é fundamental não só a presença da direção como de dirigentes das entidades que os comunistas atuam. Fortalecer a Frente é tarefa de primeira grandeza hoje na luta contra a ditadura que vivemos.
Análise do desempenho do PCdoB nas Eleições de 2016 em Campinas
Em primeiro lugar, quero apresentar para deixar registrado, alguns dados objetivos sobre as eleições na cidade de Campinas. 1. Eleitores Inscritos na cidade – 822.036; 2. Votantes – 636.057 (77,38%); 3. Abstenção – 185.979 (22,62%); 4. Nulos – 67.141 (10,55%); 5. Brancos – 46.986 (7,38%); 6. Votos válidos – 521.930 (63,49%); 7. Quociente eleitoral – 15.816; 8. Índice ABN (abstenção, nulo e branco) – 36,51%; 9. Candidatos lançados pelo PCdoB – 33; 10. Votos totais do PCdoB (nominal e legenda) – 17.516 (3,35%); 11. Média de votos de candidato comunista – 530; 12. Percentual do quociente que fizemos – 1,1%; 13. Registramos as seguintes votações mais expressivas de comunistas: Petta – 4.211 (0,81%); Carlinhos Camelô – 3.834 (0,73%); Marinho – 1.827 (0,35%); outros – 7.644 (43,64%).
Em estudos anteriores demonstramos que o crescimento do fator ABN (votos desperdiçados em “ninguém”) iriam crescer. Calculamos o quociente eleitoral com grande margem de acerto. Afirmamos que não faríamos o segundo candidato. Prognosticamos que o voto de legenda e mesmo os nominais diminuiriam, que de fato ocorreu (não houve nenhum fenômeno de explosão de votos). Em Campinas o desalento aumentou muito e acima da média nacional. Por pouco os votos em “ninguém” não vencem as eleições aqui como ocorreu no Rio, São Paulo e tantas outras cidades.
Apresentamos algumas primeiras conclusões sobre os números acima:
Conclusão geral é que ficamos com o ônus de sermos governo, sem o bônus de uma votação maior por isso; ao contrário; nos distanciamos das forças de esquerda e progressistas da cidade em momento particular de termos que resistir ao golpe da direita.
Aqui é preciso compreender também a coligação que nós participamos. A maioria da direção que a aprovou – lembremos a votação no CM que aprovou a coligação com nove abstenções por absoluta falta de alternativa; não construímos isso – não está errada e, rigorosamente, não feriu nenhuma decisão ou resolução de nossas instâncias superiores. A mesma coisa vale para outros partidos de esquerda ou centro esquerda. Explico.
No Brasil são raros os partidos que podemos dizer são “nacionais”. O nosso é um deles. No entanto, a aplicação da tática de derrotar o inimigo principal ou mesmo análise de qual seria o melhor caminho para a acumulação de forças neste momento, as decisões por este país afora são as mais díspares e algumas horrorosas. Aqui mesmo na cidade, ficamos em uma coligação com 23 partidos, onde só nós é que fazíamos a denúncia sistemática do golpe em curso no país.
O afastamento da presidente deu-se em abril. No entanto, esperou-se toda a agonizante tramitação no Senado, cujo desfecho ocorreu apenas em 31 de agosto, com a nítida ilusão de que poderíamos barrar o golpe em curso. No entanto, o calendário eleitoral no país seguia outras datas. Tínhamos prazo exíguos para marcar nossa convenção municipal, definir nossa chapa e iniciar a campanha.
Assim, aplicamos aqui uma tática válida entre as opções orientadas nacionalmente pelo Partido. Mudar os rumos das coisas seria como trocarmos pneu com o carro em movimento como se diz popularmente. Eu arrisco dizer que se o desfecho final do golpe tivesse se concluído em abril, seguramente os rumos de muitas coligações país afora – quiçá Campinas também – poderiam ter sido outras.
Aqui registro o incômodo que tenho vivido pelo fato de vir mantendo uma posição distinta da maioria dos/as camaradas da CP. Acho inclusive, que devemos fazer uma reforma em nossos estatutos de tal maneira que camaradas que ocupem cargos no executivo não devam ocupar cargos na direção partidária. Acho que em nosso caso, isso alterou – e muito – as decisões políticas que poderíamos ter tomado, desde a questão de deixarmos o governo quando Sérgio foi sumariamente demitido da Secretaria de Transportes, até o fato de termos que tomar a decisão de deixarmos o governo. Votar pela saída de um governo deve ser tomada por camaradas que não estão nesse governo.
De qualquer forma, temos que, nesta nova etapa, nos preparar para o desembarque. Poderá ser necessário e imperioso aos comunistas, ter que sair de um governo que é composto em sua esmagadora maioria, de apoiadores do que tem de pior em tramitação no Congresso Nacional e, mais do que isso, um governo que estará à serviço de uma candidatura claramente de direita no cenário nacional em 2018.
Precisamos pensar em quadros que possam ocupar postos em governo que tenham alternativas de sobrevivência na sociedade caso da decisão de desembarque. E isso pode ser com camaradas já aposentados, ou que possuam escritórios ou pequenas empresas, que se licenciem de cargos concursados, de forma que possam retomar suas vidas em qualquer tempo. Não podemos fazer a ocupação de um cargo no executivo – e mesmo no legislativo – como um modo de vida (isso vale também para outros setores da nossa vida, em especial no meio sindical; vemos milhares de dirigentes sindicais se eternizarem nos cargos).
É preciso que tenhamos tolerância com relação aos e às camaradas que propõe planos, propostas e ideias que não estão de acordo com o que pensam a maioria da direção. Saber respeitar as diferenças e não implicar na alteração da conduta pessoal com relação aos camaradas de opinião distinta. Desde a clandestinidade já falávamos: “é preciso destruir as ideias equivocadas e não destruir a pessoa que as apresenta”. Salvo poucas exceções, os/às camaradas que apresentam propostas o fazem pensando nos interesses do Partido e não nos seus pessoais.
Rumos e perspectivas
Precisamos fortalecer o núcleo de direção partidária, formar mais quadros e ampliar a nossa arrecadação financeira. Temos dívida com nossa presidente ainda pendentes de 2014 e que precisam ser saldadas. Para isso faz-se necessário uma grande campanha de arrecadação extra de finanças para isso. É inadmissível que uma camarada possa ter sua vida prejudicada por isso. Eu mesmo propus isso diversas vezes e não podemos mais adiar isso.
Da mesma forma, os chamados repasses e contribuições acertadas com os indicados para quadros de governo. Devemos ter um controle mais rigoroso desse processo para que possamos ampliar a estrutura de profissionalização da direção. Em uma situação melhor, o ideal seria que os repasses fossem suficientes para termos pelo menos dois profissionalizados, além da presidente e estes serem assalariados do Partido.
É preciso desde já pensar em novos quadros que venham a assumir a tarefa de integrar a próxima direção. Muitos/as camaradas se destacaram em suas áreas durante a campanha de 2016 e mesmo alguns candidatos que provaram possuir maturidade política e formação ideológica suficiente para compor o próximo CM. Nesse sentido, formar quadros intermediários é tarefa fundamental. É preciso que o secretariado, qualquer que seja a sua composição, volte a funcionar regularmente.
Também aqui precisamos ampliar a nossa comunicação. Seja por e-mail, Canal de Zap e Telegram (só de ida, sem resposta), Página no Face e mesmo boletins impressos. É preciso retomar as atividades militantes na 13 de maio com a distribuição sistemática de nossos materiais políticos, usando sistemas de som móvel. Falar para milhões, esse é o desafio do momento.
No campo sindical, desde já precisamos fazer um plano detalhado de ampliação de nossa base entre os trabalhadores. Temos que voltar aos Metalúrgicos, Químicos, entrar nos petroleiros, comerciários, construção civil. É preciso criar uma coordenação regional da CTB para não sobrecarregar o camarada dirigente, bem como ativar a sua sede que fica ociosa o dia todo e dar-lhe estrutura necessária para ser um centro de referência das nossas entidades e da nossa militância em geral.
Por fim, devemos fortalecer e profissionalizar, de alguma forma, um/uma camarada para atuar na Unegro, na UBM, na UJS e recriar a UCES. A UMEC deve ser reformulada e fortalecido, como elo com o sistema FACESP/CONAM. Também aqui, o secretário dos Movimentos Sociais deve ser profissionalizado, se for possível, para atuar com prioridade nessa frente comunitária.
Camaradas: estou convencido que devemos olhar muito mais para frente do que para trás. A esquerda vai debater em profundidade os rumos e vamos construir a unidade necessária, da forma mais ampla possível, para enfrentarmos essa fase dura e difícil que teremos. O Partido em Campinas, dos mais antigos e dos mais atuantes em plano nacional, que teve ou tem quadros no Comitê Central e como direção auxiliar. Fornecemos quadros para o Estadual e muitos para ocupar cargos técnicos em governos.
Nesse sentido, o caminho é ampliar as filiações, priorizando as de quadros já formados, de intelectuais, professores/as, sindicalistas, juventude (lideranças estudantis). Devemos fortalecer a Frente Brasil Popular e participar ativamente de todas as suas reuniões semanais (estabelecidas às segundas, 19h, sempre na Construção Civil). Ficar atento desde já à greve geral convocada para a próxima sexta, dia 11/11, onde ocorrerão desde greve setoriais, passando por paralisações e manifestações em todo o país. À frente disso estão o Fórum das Centrais, a FBP e a Povo sem Medo.
Por fim, não descuidar de 2018. Precisamos indiciar um debate de imediato de quem será o camarada que prepararemos para essas eleições. A probabilidade de Gustavo virar deputado a partir de janeiro ou próximo disso é grande (Átila se elegeu em Mauá e Aprilante de Várzea saiu do Partido, de forma que seguramente não deve assumir ou assumirá por pouco tempo, pois o Partido vai reivindicar o mandato). Se isso se materializa, ele seria o candidato natural para 2018. Carlinhos Camelô será nosso vereador. Mas, devemos pensar em lançar um federal por Campinas, para ajudar a provável chapa própria que deveremos lançar em 2018.
Quanto à 2020, devemos sim desde já, firmar posição de lançarmos uma candidatura própria. Quanto à chapa de vereadores, firmar os nomes dos que tiveram melhor desempenho em 2016 e debater com alguns OBs os nomes do seu setor/segmento que podem ir se preparando desde já para essa batalha.
Apesar do revés nacional e dos tímidos avanços eleitorais que tivemos, com uma política justa, ampla, renovada, com nova tática, deveremos crescer e angariar amplos apoio de massa. É o nosso desejo e da maioria da militância.
Campinas, 4 de novembro de 2016.
Prof. Lejeune Mirhan
Sociólogo e membro do CM do PCdoB de Campinas