Este artigo foi escrito sob encomenda de uma das maiores entidades sindicais de professores e técnicos em administração escolar existentes à época no Brasil em 1992, que é a FITEE – Federação Interestadual de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (setor privado em educação, das qual eu sempre fui vinculado como professor de uma universidade privada, a Metodista de Piracicaba). Ele visava participar mais ativamente dos debates em curso no país por ocasião do plebiscito que ocorreria no ano seguinte, em outubro de 1993, onde os eleitores brasileiros seriam chamados a opinar sobre se o Brasil seguiria um regime republicano ou voltaría à monarquia, bem como se manteria o sistema presidencialista de governo ou se voltaría a adotar o parlamentarismo. Acabamos por opinar também sobre o tema do voto proporcional e distrital. Ao final, há um posicionamento da direção da FITEE.
I – A forma de eleger o Parlamento
Entre as mudanças que estão sendo propostas na legislação eleitoral brasileira, existem em curso no Congresso Nacional algumas que tratam da forma de se eleger representantes para a Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas.
No Brasil vigora, dede 1930, o Voto Proporcional, ou seja, um sistema onde o eleitor pode indicar o nome de seu candidato preferido ou marcar a legenda do seu Partido. Apurados e somados, totalizam quantos votos os candidatos e a fizeram em todo o Estado, e de acordo com o quociente eleitoral, esses mesmo Partido terá direito a tantas vagas quanto for o seu desempenho eleitoral.
Esse sistema á democrático, pois fortalece os Partido, que apresentam aos seus eleitores, além de seus candidatos, os seus programas e a força das suas legendas. Para se ter uma nítida ideia dessa questão, basta ver que nas eleições parlamentares de 1990 – as últimas que ocorreram no país, o índice de votos nas legendas partidárias ultrapassa a casa dos 30%, chegando em alguns casos (como o do PT), a mais de 50% dos votos válidos.
O voto proporcional no Brasil já está incorporado às transições políticas nacionais. Permite ao eleitor votar de acordo com a sua disposição, como nos candidatos que estejam mais comprometidos com suas aspirações.
O que seve hoje, numa das mais sórdidas manobras já desenvolvidas pelas elites dominantes, e a pretensão de colocar na legislação eleitoral brasileira mecanismos importados de outros países que nada têm em comum com a nossa realidade. É o chamado Voto Distrital, ou Voto Distrital Misto, ou ainda o Voto Alemão.
Tal sistema parte de uma redivisão político-geográfica de um Estado, desta vez não mais por municípios, mas por distritos, como é atualmente nos Estados Unidos, Franca e Alemanha, para citar três países mais conhecidos. O chamado “distrito”, em nada tem a ver com a tradição e a história do Brasil, onde a unidade básica administrativa é o município. E vem sendo assim mesmo antes da proclamação da República. Esse proposto sistema divide o número de eleitores de um determinado Estado pelo número das vagas a serem preenchidas, tanto para deputados federais, como para estaduais, e fixa-se o número de eleitores por cada distrito.
Assim, se um estado como São Paulo tem, por exemplo, 18 milhões de eleitores e precisa preencher 60 vagas para a Câmara dos Deputados, serão formados 60 distritos com cerca de 300 mil eleitores em cada um dele, isso no sistema distrital “puro” (modelo inglês). Pelo sistema distrital misto, 30 vagas seriam preenchidas pelo voto distrital e outras 30 pelo sistema proporcional, implicando aqui na formação de 30 distritos com 600 mil eleitores, que elegeriam um deputado em cada um deles.
As eleições nos distritos são do tipo majoritárias, ou seja, quem obtiver mais votos leva. Funcionaria como na atual eleição de governador e senador, onde não existe o voto de legenda e não há como somar o desempenho de outros candidatos, pois cada Partido só lança um candidato por “distrito” que é todo o Estado. Se um candidato obtiver por exemplo, num total de 500 mil votos válidos, 260 mil votos e seu concorrente mais próximo somar 230 mil votos, o primeiro será eleito e todos os votos dados ao segundo e outros colocados são literalmente “jogados fora” não tendo como serem aproveitados.
Tal sistema de voto distrital parece ter sido a melhor fórmula encontrada pelas classes dominante para segurar o avanço dos partidos progressistas e de esquerda. Alguns dados ilustram essa situação de anacronismo criada pelo voto distrital que se quer impor ao Brasil.
Nas eleições de 1987 na Inglaterra, o Partido Conservador, do atual primeiro-ministro John Major, obteve 42,3% dos votos totais e ficou com 57% das vagas na Câmara dos Comuns, equivalente a 375 cadeiras. Se fosse aplicado o sistema proporcional, tal partido político não teria mais do que 275 cadeiras. Portanto, não havendo proporcionalidade, as 100 cadeiras a mais foram tiradas de outras legendas que elegeram deputados nos distritos. O partido Liberal-Democrata (na verdade uma coligação partidária que uniu e o Social-Democrata, obteve nessa mesma eleição 22,6% dos votos e ficaram com apenas 22 cadeiras, quando pelo sistema proporcional ficaram com 147. Já os membros do Partido Verde, que obtiveram 2% dos votos, não elegeram ninguém, mas deveriam ficar com pelo menos 13 deputados[1].
Na França, o sistema Distrital foi imposto à nação francesa pelo conservador General Charles DeGaulle, no ano de 1958. E foi de forma antidemocrática, por Decreto. Tal sistema eleitoral criou os tais Distritos da forma mais artificial possível, sem nenhuma ligação com a história do próprio país. Para aglutinar o número de eleitores de bairros operários parisienses de tendências progressistas com áreas rurais adjacentes, mas controláveis pelo governo. Criou uma panaceia eleitoral para possibilitar sempre a vitória dos conservadores. Na fronteira com a Bélgica, por exemplo, criou até distritos em formato de “linguiça”, para assegurar a eleição do Sr. Marcel Dassault, o grande fabricante de aviões de guerra “Mirage”[2]. Não é de se estranhar que o Partido Comunista Francês, que em 1958 chegou a ter 150 deputados, nas eleições de 1958, caísse para cerca de 30 deputados.
Na Alemanha, o sistema distrital vem sendo aplicado e aprimorado desde o término da segunda guerra mundial. No início, o argumento era que deveria ser criado um sistema eleitoral que impedisse novamente o crescimento do nazismo. Ainda que uma justa preocupação, em função dos grandes traumas que esse sistema causou ao mundo, a legislação eleitoral foi sendo “aperfeiçoada” de tal maneira desde 1949, enrijecida em 1953, modificada ainda em 1956 e 1990, de tal forma que hoje o parlamento alemão funciona com apenas 2 ou quando muito 3 partidos políticos[3]. Tal parlamento, de 496 membros, elegeu em 1976, 458 deputados conservadores (91,33%), em 1980, outro 443 parlamentares (89,32%) e nas eleições de 1983 os conservadores ainda fizeram 435 deputados (87,705).
Os setores conservadores das elites brasileiras, agregados a alguns parlamentares de esquerda equivocados, apressam-se por dizer que o sistema distrital misto é o melhor sistema para o Brasil. Tal atitude trata de antigo vicio das elites brasileiras de copiarem modelos de países dominantes. Fazem hoje loas ao novo modelo que, segundo dizem, aprimoraria o atual sistema de votação proporcional. É lamentável que sociólogos do porte do professor Bolívar Lamonier caiam nesta. Dizem que um dos argumentos mais fortes é que o sistema distrital “aproxima os eleitores dos eleitos...”(sic). Uma verdadeira falácia. Além de tornar as discussões na Câmara dos Deputados ou na Assembleias Legislativas totalmente banais e paroquiais, provincianas como se diz, não é verdade que haveria aproximação com os eleitores. Os candidatos poderosos que se elegeriam nos distritos em nada estariam preocupados com “seus eleitores”. Mas mais do que isso: há dados do próprio IBGE que demonstram que em certas regiões do Brasil, até 95% da população chegam a migrar de uma região para outra.
Argumentam ainda os defensores desse novo sistema que o voto distrital misto é utilizado principalmente nas democracias mais avançadas, como os EUA, Canadá, Austrália, Inglaterra, Nova Zelândia, França e Alemanha, só para citar 7 grandes países. Mas existem também as democracias de voto proporcional, como Áustria, Suécia, Dinamarca, Islândia, Irlanda, Holanda, Suíça, Finlândia, Itália, Israel, Portugal, Bélgica, Noruega, Luxemburgo, Grécia e Espanha. São ao todo 16 países. Isso sem falar em todos os 23 países latino-americanos, os da África, Ásia e os do extinto bloco socialista[4].
Ao argumentarem que “existe uma tendência para o voto distrital...”, os defensores omitem também a verdade do povo. Muitos países que hoje utilizam o voto proporcional, esse sim moderno, o fizeram depois de muitos anos de experiência do voto distrital e passaram a considerar atrasado. São os casos da Suíça, em 1890, Bélgica, 1899, Finlândia, 1906, Suécia, 1907, Holanda, 1917, Dinamarca, 1918, Suécia e Áustria, em 1919[5]. Na Itália, em consulta feita aos italianos se queriam introduzir o “modelo” voto distrital, após a segunda guerra, mais de 95% da população disse “Não” a esse sistema.
É certo que o sistema distrital puro ou misto é uma forma de impedir o acesso aos parlamentos da representação das minorias, dos Partidos mais progressistas, que não teriam como concorrer em igualdade de condições nos distritos, enfrentando os candidatos das elites, com muito mais recursos, econômicos. Excluem as possibilidades dos candidatos de “voto de opinião”, ou “voto ideológico”.
É verdade que o sistema eleitoral brasileiro é obsoleto. É preciso, no entanto, torná-lo mais democrático. Só para citar alguns exemplos, não é demais lembrar que é necessário extirpar os votos em branco, para os cálculos dos quocientes eleitorais e distribuir corretamente as sobras das vagas nos parlamentos. O que se vê, no entanto, é que todas as medidas em curso no atual parlamento, vão no sentido diametralmente opostas.
II – A reforma partidária
Os números mudam e vão se alterando com muita rapidez. Mas não seria de todos errado afirmar que existem no Brasil hoje 42 Partidos políticos, dos quase 33 para o Congresso Nacional. Tais partidos obtiveram, nessas mesmas eleições, 30.855.406 votos, dos quais 24.873.789 (80,62%) foram para candidatos e 5.981.617 (19,38%) foram votos de legenda[6]. Excluiu-se desses números os votos brancos e nulos.
De fato, a legislação eleitoral brasileira tem sido flexível com os processos de criação de novos Partidos políticos no país. Não há tradição partidária. Do dia para a noite criam-se e extinguem-se Partidos, outros aderem a novas legendas sem ao menos terem lido os estatutos e os manifestos-programas dos Partidos.
Com exceção do partido Comunista do Brasil que em 25 de março de 93 completa 71 nos de vida ininterrupta, a maioria dos quais na ilegalidade[7], todos os partidos políticos existentes atualmente no Brasil são recentes. Os mais antigos em funcionamento datam de 1979, quando, ainda sob o regime militar, foi feita uma reforma partidária tímida e restritiva das amplas liberdades partidárias. Esses Partidos são o PT, o PDT, o PTB, o PDS e o PMDB que em 93 completarão 14 anos. Outros partidos conhecidos e organizados nacionalmente são mais recentes e vêm de processos de outras reformas eleitorais, de 85 para cá, sendo frutos, muitas vezes, das rachas ou extinções partidárias, como são os casos do PFL (racha do PDS), PSDB (racha do PMDB), PPS (do extinto PCB), PSB, PL, PDC, PRN e outras.
Igualmente como a forma de votação, também está em curso em Brasília, no Congresso Nacional, diversas propostas de reorganização partidárias. Novamente, as elites dizem que boa parte dos grandes e graves problemas que o Brasil vive hoje é porque o pais tem excesso de Partidos políticos e por isso é preciso reformular a legislação de forma a restringir essa “proliferação” de legendas, que “só confundem os eleitores”.
Se de fato é verdadeiro que existe legendas “de aluguel” e a maioria dos partidos não possuem representatividade e inserção no seio da sociedade, por outro lado é falso que o Brasil viveria “um excesso de democracia”. A crise no.........democracia do que por excesso dela.
Dos 27 presidentes da República que o Brasil já teve (até Collor), apenas 5 foram eleitos de forma um pouco mais democrática: Eurico Gaspar Dutra (1946), Getúlio Dorneles Vargas (1950), Juscelino Kubistschek de Oliveira (1955), Jânio da Silva Quadros (1960) e (Infelizmente) Fernando Affonso Collor de Melo (1989)[8]. De todos esses, apenas dois concluíram os seus mandatos: Dutra e Juscelino (Getúlio suicidou-se, Jânio renuncio e Collor sofreu “impeachment”).
Os números e dados acima mostram o pouco apego das elites brasileiras à democracia e mesmo aos partidos Políticos. Mesmo o Partidos Comunista que completa 71 anos de existência, só tem pouco mais de 9 anos de vida totalmente legalizada. Sempre, durante a história republicana, mais particularmente desde 1930,quando Vargas ascende ao poder, foram impostas sérias restrições ao funcionamento do Partido Comunista. Nas eleições presidenciais de 1945, com seu registro provisório e com apenas 15 dias de campanha, Ledo Fiúza, lançado candidato a presidente da República, obteve 569.818 votos, em um universo de cerca de 5.800.000 eleitores (9,82%) o que pegou de surpresa as classes dominantes[9].
No período que compreende 1930 até 1988, com a promulgação da atual Constituição brasileira, as elites tudo fizeram, do ponto de vista da legislação eleitoral e partidária, para impor mecanismos de controle aos Partidos políticos, em especial aos que representam minorias, os de opinião ou “ideológicos”. Foi assim entre os anos de 45 e 47, com Dutra, nas modificações que se sucederam e principalmente com o regime militar em 1964, que extinguiu todos os partidos e “criou” a antiga Arena e o MDB, que não eram draconianas as condições exigidas para a criação, constituição e funcionamento dos Partidos políticos nesse período[10].
Tramitam hoje na Câmara dos Deputados os Projetos de lei nº 1.881/91 de autoria dos deputados Nélson Jobim, LUÍS.............., Alberto Goldman, César Maia e Gedel Vieira, todos do PMDB, e o de nº 1991/91, de autoria do Deputado José Dirceu, do PT/SP. Ambos tratam da Reforma Partidária, e impõem limites e requisitos mínimos para a existência e o funcionamento dos partidos no Brasil[11].
Nesses projetos, é criado de forma inconstitucional os chamados mecanismos que barram os pequenos Partidos para exercerem as suas funções partidárias e parlamentares. No voto distrital misto alemão são as chamadas “clausulas de barreiras”, ou seja, as exigências de votações mínimas em todo o país e por Estado, para que os deputados eleitos possam exercer os seus mandatos. Não bastasse o voto distrital, tenta-se impor também outros tipos de obstáculos para a livre atividade partidárias, como determina a própria Constituição brasileira, em seu artigo 17.
As chamadas “cláusulas de barreira” não são novas na legislação brasileira. Em 1967, a Constituição do regime militar impunha 10% dos votos para que um Partido funcionasse. A Emenda Constitucional de 69, da Junta Militar, sabendo excessivamente alto esse índice, baixou-o para 5%. O pacote de abril de 1977, editado pelo general Ernesto Geisel (que fechou o congresso e criou os senadores “biônicos”), manteve esses 5%.
A emenda Constitucional nº22, de junho de 1982, suspendeu essa vigência para as eleições daquele ano. Se isso não fosse feito, o PDT (que teve 4,94% dos votos), o PTB (que teve 3,77) e o PT (que obteve 3,01% dos votos para Câmara), teriam ficado fora do parlamento desde 82. Apenas o PMDB e o PDS tiveram mais que o 5% dos votos.
A Emenda Constitucional nº25, de 1985, também considerou elevado os 5% e baixou esse índice para 3%. Ainda assim, esse índice não valeria para as eleições de 86. Finalmente, a Constituição de 88 nada determinou em relação às “clausula de barreira”, assegurando ampla liberdade de organização partidária[12].
Não bastasse os problemas dos projetos dos Deputados do PMDB e do PT........Câmara e no Senado Federal, estes projetos ganharam substitutivos ainda piores, do deputado João Almeida e do Senador José Fogaça. Tais substitutivos chegam a ser mais retrógrados que os mecanismos impostos pela junta militar de 69. Qualquer um dos projetos se aprovados pelo Congresso Nacional, tirariam, de uma só penada, 78 deputados federais do parlamento, ou 15,5% da Câmara, entre eles o deputado Miguel Arraes, do PSB/PE, o mais votado da história do Brasil (proporcionalmente). Das 19 legendas com assento no Congresso Nacional, 11 seriam “cassadas” pela legislação, entre elas os partidos progressistas: PSB, PCdoB, PPS. Só ficariam os tais “grandes”. Mas são grandes hoje. Em 81, poderiam também ter ficado fora do parlamento. Lamenta-se também aqui, que intelectuais e professores universitários como José Serra e Francisco Weffort, defendem tais posições.
A luta que se coloca hoje para democratas e patriotas, sindicalistas conscientes, cidadãos que sabem o seu dever social e político, é se colocar contra todas as formas de restrições às liberdades garantindo aquelas já conquistadas, como a liberdade partidárias e o voto proporcional. Estes, além de serem mantido, devem ser aperfeiçoados no sentido da sua ampliação e nunca no da sua restrição. Essa é uma grande batalha política.
III – Parlamentarismo
O surgimento do parlamento
Tomando-se como premissa básica que o sistema monárquico de governar os países está superado historicamente e considerado a evolução do pensamento político da humanidade nos últimos 400 anos pelo menos, vê-se que tanto o sistema parlamentarista como o presidencialismo foram de governo que evoluíram de maneira a tentar reduzir ou mesmo acabar com poderes absolutistas.
A origem do sistema parlamentarista é mais antiga. Suas raízes remontam à Inglaterra, em 1215, quando governava o Rei João, o Sem Terra. Pressionado pela nobreza, este acabou por assinar o que ficou conhecida como primeira Constituição da história, a “Carta magna”.
Com sua morte, assumiu o trono o seu filho Henrique III, que continuou sob pressão dos nobres que exigiam mais espaço político e mais direitos. Simão de Monffort, líder desses nobres, convocou uma Assembleia e dela participaram, além de representantes do clero, 2 cavaleiros de cada condado e 2 habitantes. Isso em 1265. Em 1295, o Rei Eduardo I convocou novamente essa mesma Assembleia e deu-lhe o nome de Model parliament, criando uma das primeiras organizações legislativas que se tem notícia, vindo a ser a antecessora da Câmara dos Comuns (ou Deputados), na Inglaterra[13].
O regime parlamentarista
O regime parlamentarista propriamente dito, como se conhece na atualidade, surge também na Inglaterra, em 1688, com a revolução que acabou por tornar a Coroa Britânica dependente do parlamento. Tal revolução, que antecedeu a francesa e a americana ocorridas apenas no século seguinte, ainda que com ideais burgueses, manteve uma monarquia de fachada, decorativa, onde o rei perdera praticamente todas as suas prerrogativas executivas.
Na França e na Bélgica, o regime parlamentarista só foi implantado em 1830, e na Itália. Em 1860; a partir de 1900, passou a vigorar nos países escandinavos. No entanto, em nenhuma das Constituições do século passado, consta ainda a norma parlamentarista de formação do governo por uma maioria parlamentar. Trata-se em todos os casos, de direito político consuetudinário, ou seja, transmitido pelo tempo, sem necessariamente ter sido decretado por força de votação ou escrito. Pesavam mais as tradições doque a Lei escrita nesses casos.
Já no século XX, o parlamentarismo, nos países onde foi mantido, revelou uma tendência pela delegação de poderes legislativos ou executivos, ou seja, de transformarem-se em governos de gabinete.
Parlamentarismo no brasil
No Brasil, o regime parlamentarista, no qual os ministérios dependem da confiança da Câmara dos Deputados para a sua manutenção no poder, não se estabeleceu pela primeira Constituição (1824), Foi criado praticamente de forma espontânea, pelo direito político. Nem no reinado de Dom Pedro I, nem durante o período das regências, pode-se dizer que tenha existido o regime parlamentarista apesar da demissão do padre Diogo Feijó, como Regente, em face do crescimento da oposição.
No governo de Dom Pedro II, tão pouco se iniciou imediatamente o regime parlamentarista. De acordo com a Constituição, o Imperador tinha liberdade de escolha para organizar os gabinetes. Em 1843, encarregou disso o marquês de Paranaguá (Honório Hermeto Carneiro Leão 1801 – 1856).
Surgiu daí a criação Conselho de Ministro em 1847, um passo decisivo para o estabelecimento do sistema –parlamentarista no Brasil. Em 1851, embora ainda prestigiado pela solução que havia dado à questão do tráfico de africanos e pelo êxito de sua ação no Uruguai, o décimo gabinete pediu a sua exoneração ao imperador, por não poder enfrentar a oposição. Esse episódio tem sido considerado como um marco do sistema parlamentarista, que duraria quase 40 anos, até a proclamação da República.
O funcionamento do sistema presumia que, para manter-se no governo, devia o gabinete, encarregado do Poder executivo, merecer simultaneamente a confiança do Imperador e da Câmara dos Deputados, ou seja dos poderes Moderador e Legislativo.
Quando o ministério entrava em divergência com a maioria dos membros da Câmara, cabia ao monarca decidir pela continuação daquele ou dessa, dissolvendo-a ou não, ouvindo o Conselho de Estado e, no segundo caso, exonerar e substitui o gabinete. O Imperador era, portanto, o único árbitro das circunstâncias políticas, o intérprete da opinião pública. Consistia nisso a parte mais delicada do exercício do Poder moderador.
Assim funcionou o regime parlamentarista durante o segundo reinado, tendo sido abolido em 1889, com o advento da República, e adotado, por cópia do modelo americano, o regime presidencialista. Desde então, a pregação do modelo parlamentarista, no início da República, ficou a cargo apenas dos extintos Partidos Federalistas e Libertador, que não obtiveram sucesso.
O Brasil só voltou a viver algum tipo de parlamentarismo através de uma situação extremamente casuística, quando da renúncia do então presidente Jânio da Silva Quadros, em agosto de 1960, no mesmo ano da sua posse. O vice-presidente da República, João Belchior Marques Goulart, encontrava-se em visita oficial à República popular da China e os militares que vinham adiando um golpe militar desde 1955, resistiram à posse de João Goulart como presidente. Daí a solução encontrada pelas elites foi aprovar a modificação da constituição. O sistema de governo passou a ser parlamentarista, quando então, alguns dias depois de sua chegada ao Brasil, Jango tomou posse como presidente, mas teve Tancredo de Almeida Neves como Primeiro-Ministro do gabinete parlamentarista. O Brasil ainda teve os gabinetes de Brochado da Rocha e Hermes de Lima. Tal sistema, na época, se mostrou inadequado, sendo substituído em 1963 pelo presidencialismo[14].
O presidencialismo
A base doutrinária do presidencialismo vem da teoria política de Montesquieu, abstraída da sua noção da Constituição Inglesa. O regime presidencial se caracteriza pela existência de eleições diretas –sufrágio universal, do Chefe de Estado, que ocupa também a chefia do Governo, ausência de instrumentos de pressão de cada um dos poderes sobre o outro ( o parlamento não pode derrubar o governo e o governo não pode destituir o parlamento), uma estrita repartição de tarefas entre os poderes, os ministros e outros auxiliares do presidente.
Tal sistema pressupõe a existência de um Supremo Tribunal, existente de forma independente dos outros poderes (como todo Poder Judiciário), e que toma decisões sobre a constitucionalidade dos atos do legislativo e executivo.
O presidencialismo surgiu no mundo, pela primeira vez, nos Estados Unidos da América, a partir da Constituição de 1787. Este serviu de modelo para todos os países latino-americanos.
A proclamação da República no Brasil não foi feita a partir de uma revolução. O ano de 1889 não significou, pois, uma ruptura no processo histórico brasileiro. O movimento republicano, que se desenvolveu no Brasil de forma irregular por quase duas décadas, caracterizou-se por uma relativa pobreza quanto às ideias políticas, tanto em relação à base teórica, como quanto a propostas básicas.
O aspecto mais importante da .........federação. Contudo a concretização do federalismo deveria se estabelecer na institucionalização do regime na sua forma mais definitiva e, para isso, era preciso dotar o país de uma nova Constituição.
Em setembro de 1890, foram realizadas eleições para a composição do Congresso Constituinte, que tomou posse em 15 de novembro e levou pouco mais de 3 meses para votar e promulgar a nova Constituição. Esta foi elaborada por uma Comissão composta por cinco juristas, entre os quais se destacou Rui Barbosa (1849-1923). O projeto apresentado pelo governo modelava-se pela constituição dos EUA.
A Constituição republicana de 24 de fevereiro de 1891 estabelecia uma República Federativa na qual as antigas províncias formavam os Estados Unidos do Brasil. Tal texto legal consagrou o federalismo, garantindo ampla autonomia aos Estados e estabeleceu a separação e a independência dos três poderes. Assegurou, no entanto, imensos poderes ao presidente da República.
Começam aí os problemas vívidos na atualidade pelo sistema presidencialista brasileiro. Em praticamente 104 anos de sistema Republicano Presidencialista, o Brasil viveu 54 anos de crise políticas de grandes envergaduras, segundo o ex-senador Afonso Arínos de melo Franco, em pronunciamento na Constituinte de 88. Durante esse período, o país passou por pelo menos 18 movimentos militares e vários golpes de Estado. Viveu renuncias, suicídios, impedimentos de posse, quarteladas, rebeliões e mais recentemente “impeachment”.
O modelo presidencialista adotado no Brasil, em boa parte do mundo, está historicamente superado. Ele é extremamente centralizador e propicia a instauração de crises constantes de governo e de poder. O chefe de estado de modo imperial, governa com a “mão de ferro”. Indica os ministros e os demite apenas segundo a sua própria vontade. Não precisa da satisfação a ninguém de seus atos (dede que estejam dentro da Lei). Não importa a popularidade desses ministros, ou ......sociedade. O que importa é a vontade presidencial.
Os episódios recentes que envolvem os escândalos de Collor de Melo, PC Farias e toda a sua gang foi emblemático. Impassível na sua posição, Collor praticamente ignorou tudo e todos, o parlamento e os Partidos, as manifestações de massa e mesmo os posicionamentos da justiça. Governava como um imperador. O país viveu entre os meses de maio a setembro de 92, 4 longos meses de enorme crise. Com a votação do “impeachment” em 30 de setembro, começaria o julgamento pelo Senado Federal, que somente terminaria em 30 de dezembro, com mais de 90 dias de agonia e desespero de uma nação. Tudo isso, para cumprir os rituais quase impossíveis e inéditos em todo mundo, da aplicação do instrumento do “impeachment”, que os presidencialistas dizem, cinicamente ser a “garantia” da democracia do sistema” (sic). O país para por 7 meses.
Presidencialismo e parlamentarismo
Isso tudo poderia ter sido evitado se o Brasil já vivesse um sistema de governo parlamentarista. Em menos de 24 horas, o parlamento poderia aprovar um “voto de desconfiançaao gabinete” e todo o governo teria “caído”. Bo sistema parlamentarista existe o que se pode dizer uma espécie de “queda de braço” entre gabinete Ministerial e o Parlamento. Se o Gabinete “vencer”, dissolve-se o Parlamento e são convocadas novas eleições. Se “vencer” o parlamento, “cai” o gabinete e forma-se um novo governo. Assim, o parlamentarismo é na verdade o governo do Parlamento, o governo dos partidos. Há mais transparência no Parlamento do que em outros poderes. Este é muito mais suscetível às manifestações da opinião pública do que o Executivo e o Judiciário. O executivo é eleito apenas uma vez e daí por diante pode “fazer e desfazer”. O Judiciário nem é preciso dizer, pois nem eleito é.
No presidencialismo, quem troca o ministro é apenas o presidente que, para isso não precisa ouvir a ninguém. No....toa que o slogan a ser adotado pela Frente Parlamentarista é “Governo Bom Fica Forte. Governo Ruim Não Fica. Cai na Hora”.
Parlamentarismo democrático[15]
A FITEE defende hoje para o Brasil a adoção do sistema parlamentarista de governo, dentro de uma República Federativa. Mas que parlamentarismo queremos nesse momento?
Entre os que defendem o parlamentarismo, parece haver um relativo consenso nas seguintes questões:
As maiores divergências se referem ao parlamentarismo com maior ou menor democracia.
A FITEE se posiciona e defende para o Brasil, hoje o parlamentarismo democrático, onde não haja cerceamento de liberdade na organização partidária, onde os Partidos políticos sejam de fato livres para se constituírem, atuarem e elegerem sem restrições os seus representantes.
O excesso de legendas partidárias nunca foi problema para as democracias. Nos Estados Unidos há mais de 270 partidos legalmente constituídos. Na Rússia, (parte da ex-URSS) com o fim do sistema soviético, mais de 40 organizações partidárias se formaram.
Quanto ao argumento que o parlamentarismo só daria certo em países que tem partidos fortes e tradição de eleições, há que se citar pelo menos dos exemplos. A Espanha e Portugal, países que viveram mais de 40 anos sob regimes autoritários como foram o de Francisco Franco e Francisco Salazar, derrotaram esses regimes e construíram sistemas parlamentaristas fortes e democráticos.
De fato, as nações mais desenvolvidas hoje no mundo são parlamentaristas. No Brasil, os Partidos políticos que defendem o parlamentarismo são o PSDB, o PSB, o PCdoB, o PPS, e parte do PT, do PMDB além de parlamentares de outras legendas.
Já o sistema presidencialista tem forte apoio de parlamentares do PDT, dirigentes nacionais do PMDB, PFL, PTB, PDS e mesmo no Partido dos Trabalhadores, cuja bancada federal, encontra-se dividida entre os dois sistemas (em 14 de março haverá uma consulta interna aos seus militares para decidir sobre qual sistema vão apoiar)
Se não houver nenhuma modificação no calendário político eleitoral, os brasileiros deverão comparecer às urnas no próximo dia 21 de abril para escolherem entre Monarquia e República e entre Presidencialismo e Parlamentarismo. Até o momento as pesquisas de opinião derrotam a monarquia e dão folgada vitória para o sistema Republicano.
Quanto à forma de governo, em função da experiência recente de crise política aguda com Collor e sua gang, com todas as desvantagens do sistema presidencialista, do chamado “cheque em branco” para o governo, espera-se que vença nos debates que se aprofundam e no plebiscito, o parlamentarista. Parlamentarismo democrático, sem voto distrital ou distrital misto, garantido o direito de as minorias serem representadas no parlamento e de, para isso, poderem organizar e fazerem funcionar seus partidos políticos.
AFITEE conclama a todos os trabalhadores em estabelecimentos de ensino a aprofundarem a discussão destas questões, participando da divulgação das propostas mais democráticas em contraposição à elites e seus poderosos meios de comunicação.
Pequena Bibliografia consultada
BOBBIO, Norberto e outros, “Dicionário de Política”, Editora Universidade de Brasília, DF, 2ª Edição, 1983;
CARONE, Edgard, “A Primeira República”, Difel, SP, 1969;
COSTA, Emília Viotti da, “Da Monarquia a República Os Momentos Decisivos”, Editora de Ciência Humanas, SP, 1979;
GRANDE Enciclopédia Larousse Cultura, Editora Círculo do Livro 30 Volumes, SP, 1990;
LELLO Universal, Livraria do Porto, Portugal, s/d;
RIBEIRO Darcy, “Aos Trancos e Barrancos como o Brasil deu no Que Deu”, Editora Guanabara, RJ, 1985.
[1]Antônio Carlos Queiroz, Jornal “Brasil Agora”, de 12/04/1992 Um Amontoado da Dúvida, citando o Jornal do Brasil de 16/03/1992;
[2]Renato Janine Ribeiro, Unicamp, O voto Distrital e o Arbítrio, Folha de São Paulo, 26/06/1992;
[3]Haroldo Lima (deputado do PCdoB/BA), em discurso intitulado Garantir a Democracia e Respeitar a Constituição, pronunciado em 30/11/1992;
[4]Wanderley Guilherme dos Santos, INPER, Cartilha Antioligarquia. Folha de São Paulo, 3/12/1992;
[5]Wanderley Guilherme dos Santos, artigo citado;
[6]Fonte: Boletim do Tribunal Superior Eleitoral – TSE/1990;
[7]Edgard Carone, “O PCB –de 1922 a 1943, Vol. I, Ed. Difel, 1982, SP, pg. 20;
[8]Fernando Henrique Cardoso e José Serra, Senador e Deputado federal pelo PSDB/SP, Parlamentarismo no Brasil – Como e Porque, mimeo, 1ª Ed. SP, agosto de 1991, pg.20;
[9]Guia do Terceiro Mundo, de 1989/1990, Editora Terceiro Mundo, RJ, pg.583;
[10]Os grilhões partidários, Coleção Retrato do Brasil. Volume II, Política Editora, SP, 1985, pg.373-377;
[11]Aldo Rebelo (deputado federal pelo PCdoB/SP) Líder da Bancada, Gabinete da Liderança, Brasília, DF, 22/05/1992;
[12]Haroldo Lima, discurso citado;
[13]Boletim Especial da UPI – União parlamentar Interestadual, sistemas de Governo 1, fevereiro, 1992, SP; pg.8-9;
[14]ALENCAR, Chico e Outros, Brasil Vivo – A República, Editora Vozes, 2ª ed. Petrópolis. 1991, pg.186;
[15]Este trecho do trabalho que aqui reproduzimos não foi escrito por mim, mas é o posicionamento do coletivo da diretoria da Federação Interestadual de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – FITEE, cuja sede fica em Belo Horizonte, Minas Gerais.