No momento em que este artigo estiver publicado, nosso país já estará sendo governado por um novo presidente da República, eleito em 17 de dezembro de 1989. Os brasileiros já terão escolhido entre duas candidaturas que dividiram o país literalmente ao meio. Uma delas, representando as forças progressistas da Nação e a outra representando a oligarquia e que há de mais atrasado no país[1].
Nosso objetivo aqui restringe-seapenas e tão somente ao comentário dos resultados das eleições do primeiro turno, em seus vários aspectos de interesse (distribuição da votação, aspectos ideológicos, abstenções etc.) e fundamentalmente, a análise da validade e da importância das pesquisas de opinião pública para consolidação da democracia em nosso país.
Como professor da disciplina, entre outras, de Métodos e Técnicas de Pesquisa, gostaríamos de nos aventurar pela numerologia das pesquisas, para tentarmos provar que elas, mais do que simples trabalhos estatísticos e matemáticos, podem e devem ser instrumentos que contribuem para as campanhas dos candidatos, ajudam os eleitores nas suas definições e devem se constituir em instrumentos de consolidação do processo democrático e nunca o contrário.
A Metodologia das Pesquisas
O instrumental teórico que permitiu aos institutos de pesquisa desenvolverem e aperfeiçoarem sua metodologia de trabalho, foi dado pelos matemáticos Blaise Pascal (1623-1662) e Pierre Fermat (1608 – 1665). Essas grandes personalidades do mundo da matemática enriqueceram os estudos dos números e os colocaram à serviço da sociedade[2].
Muitas das teorias que dão sustentação ao procedimento metodológico das pesquisas de opinião pública, estão relacionadas com as Leis da Probabilidade e as teorias estatísticas de um modo geral, tão bem desenvolvidas pelos matemáticos citados e tantos outros.
A fundamentação teórica, resumida de maneira simples, poderia ser explicada a partir da suposição de que se conseguíssemos entrevistar nas pesquisas de opinião pública uma base amostral, ainda que pequena, mas parecida e semelhante ao universo que se quer aferir, a probabilidade que se tem da amostra refletir a mesma opinião do todo é bastante grande.
Em exemplos rudimentares, poderíamos dizer que uma cozinheira que se dispõe a fazer um caldeirão de sopa para um batalhão de pessoas, ao provar apenas na ponta da sua colher o gosto da sopa do caldeirão, ficará tranquila se o gosto estiver bom, pois ela sabe que há uma grande probabilidade de que todo o restante da sua sopa esteja também com o mesmo sabor daquele pouco que ela acabou de experimentar.
Há basicamente dois tipos de pesquisa de opinião pública. Ambas se apoiam no sistema de cotas por amostragem probabilística, ou seja, o resultado final do número de eleitores entrevistados de ser proporcionalmente igual, e de forma ponderada, ao universo de que se quer reproduzir as intenções e tendências de voto, por exemplo.
A mais comum, é adotada pela maioria dos institutos de pesquisa brasileiros, é a das visitas domiciliares. Praticamente apenas o Datafolha e o IBOPE adotam a sistemática de coleta das entrevistas em campo e aleatória (desde que os entrevistados se encontrem dentro dos perfis definidos pelos padrões da amostra previamente definida). Assim, o Gallup brasileiro, por exemplo, coloca os seus entrevistadores em campo para as entrevistas e os mesmos procuram os seus eleitores em bairros determinados previamente pela coordenação da pesquisa. Mesmo no bairro determinado, as ruas são sorteadas e as casas idem. Ao ser atendido, após a sua identificação, o entrevistador pesquisador de campo tem critérios para iniciar a aplicação da pesquisa. A entrevista com quem atender ao pesquisador deve ser realizada também dentro de critérios estatísticos.
Todas essas precauções devem ser tomadas para que sejam evitadas as distorções na base amostral. A outra forma exige talvez menos tempo, mas tem a sua mesma fundamentação teórica. Os pesquisadores saem a campo com cotas determinadas para serem entrevistadas e somente iniciam a entrevista quando encontram um eleitor que preencha os perfis previamente determinados pelas cotas.
Assim por exemplo, suponhamos que a cota de mulheres de idade entre 35 e 44 anos, de formação superior, residentes em São Paulo, com renda acima de cinco salários mínimos que tenham que ser entrevistas sejam 38. Os pesquisadores de campo que trabalharão na cidade de São Paulo poderão ficar trabalhando apenas na Praça da Sé, na capital paulista, procurando encontrar essas eleitoras.
Em termos de opinião pública, quando se quer medir ou avaliar tendências eleitorais, por exemplo, deve-se colocar pesquisadores em campo, com treinamento adequado, desde que estes colham entrevistas com eleitores estratificados dentro de parametrizações que estejam em consonância com o universo que se quer representar com a amostra.
Assim, a estratificação da amostra deve levar em conta a questão do sexo das pessoas (masculino e feminino), idade (pode-se estabelecer faixas), grau de instrução (analfabeto, primeiro grau, segundo grau e superior), renda familiar (classes sociais) etc.
Os Institutos de Pesquisa geralmente dispõem de dados atualizados, fornecidos pelo Instituto de Pesquisa dispõem de dados atualizados, fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que dão o perfil do eleitorado brasileiro.
Segundo alguns dados fornecidos pelo IBGE[3] o eleitorado brasileiro na atualidade pode ser classificado da seguinte maneira:
Além desses dados, deve-se levar em consideração uma outra questão fundamental na determinação da base amostral, que é o peso eleitoral de cada região. Não adiantaria de nada entrevistarmos no total cinco mil eleitores, distribuídos por sexo, idade, grau de instrução e renda familiar, se metade desses cinco mil eleitores fosse da região Nordeste do país, que possui apenas 26,26% dos votos de todo o país (ver Quadro I).
Quadro I – Peso das Regiões
Região |
Votos |
% Brasil |
Sudeste |
37.538.389 |
45,73% |
Sul |
13.476.003 |
16,41% |
Norte |
3.960.658 |
4,82% |
Centro-Oeste |
5.571.559 |
6,78% |
Nordeste |
21.529.617 |
26,26% |
Total |
82.076.226 |
100,00% |
Nas últimas pesquisas de opinião realizada no Brasil, especialmente para a campanha presidencial, os institutos passaram a levar em conta o tamanho das cidades. Assim, elas foram classificadas como de grande porte (basicamente as regiões metropolitanas das grandes cidades), as cidades médias e as pequenas cidades. Também na hora de definirmos a amostra, que compreende o número de entrevistas a serem realizadas, devemos também levar em conta o tamanho das cidades.
É fundamental ressaltar que a quantidade de pesquisas realizadas em todo o território nacional , de cerca de 3,6 mil à cinco mil entrevistas, é absolutamente precário, ainda que os resultados finais possam estar dentro das margens de erro. Alguns estatísticos defendem um número pelo menos oito vezes superior ao que os institutos utilizam, ou cerca de 40 mil entrevistas. Mas, sabe os que isso inviabilizaria a realização desses levantamentos nacionais pelos seus custos.
Os Institutos de Pesquisa
As pesquisas surgem com bastante força nos Estados Unidos, na década de 1930. Nas eleições presidenciais de 1936, o Gallup americano anunciou, a partir de pesquisa de boca-de-urna, a vitória de Franklin Delano Roosevelt, para presidente da República, com uma margem de apenas 4% (hoje essa margem é excessivamente elevada). Assim, entrevistando em todo o território americano apenas 1.500 eleitores, o acerto foi impressionante. A partir de 1950, a margem de erro nas pesquisas nos Estados Unidos está na faixa de apenas 1% (no Brasil se trabalha nas faixas de 2% de mínimo e 3% de máximo, dependendo do instituto[4]).
Mais especificamente no Brasil, as pesquisas despontaram quando o Gallup brasileiro anunciou a vitória de Orestes Quércia em 1974, para o senado da república pelo Estado de São Paulo, com uma margem de erro de apenas 2%.
Durante a campanha presidencial de 1989, pelo menos no primeiro turno, várias foram as rodadas de pesquisas de caráter nacional. As pessoas aguardavam ansiosas os resultados, e estes eram comemorados ou causavam tristeza a alguns comitês de campanha, dependendo dos seus resultados.
Muitos candidatos desprezaram os resultados das pesquisas, apontaram possibilidades de sua manipulação (ainda que estas não estejam realmente descartadas). Mas no essencial, tirando aqueles institutos que não adotam as recomendações internacionais de metodologia de pesquisa de opinião e que são na verdade institutos fantasmas que servem a candidaturas, todos outros praticamente acertaram os resultados das suas estimativas[5].
As pesquisas nada mais são do que o reflexo de uma realidade momentânea. Quando muito elas conseguem registrar uma tendência do eleitorado, mas nunca uma previsão do que poderá acontecer. As pesquisas podem ser comparadas, em linguagem figurada, a uma fotografia instantânea de uma corrida de carros. Em um determinado momento da foto, alguém pode estar em primeiro lugar, mas já em outro perderá essa posição.
Existem muitos institutos de pesquisa de opinião pública atuando no Brasil atualmente. Alguns possuem estruturas nacionais e tem tradição e outros são de atuação mais regionalizadas (como os Instituto Bonilha de Curitiba, Instituto Soma de Brasília, Instituto Elo de Campinas etc.).
Os maiores institutos são realmente o IBOPE, este com mais de 1.400 funcionários fixos atuando em 13 escritórios regionais no país; o Gallup; o Datafolha (da empresa Folha de São Paulo); o Vox-Populi e a Tolledo & Associados. O Gallup, apesar do pomposo nome americano, é brasileiro e pertence ao professor Carlos Matheus. O Vox-Populi, de propriedade do sociólogo Marcos Coimbra, com sede em Belo Horizonte, foi contratado nesta campanha presidencial para trabalhar exclusivamente para a candidatura de Fernando Collor de Mello. O Datafolha trabalha exclusivamente para o jornal Folha de São Paulo (que insiste em afirmar que está com o “rabo preso” apenas com os seus leitores). Finalmente a Tolledo & Associados, que trabalhou para a revista Isto É / Senhor. Os jornais O Globo e O Estado de São Paulo, bem como a Rede Globo de Televisão contrataram exclusivamente o IBOPEpara divulgar e publicar os resultados de todas as rodadas de pesquisas nacionais realizadas.
Durante toda a campanha a imprensa insistentemente noticiava que o superintendente do IBOPE, Carlos Augusto Montenegro, assessorava a campanha de Fernando Collor de Mello, com orientações metodológicas de como atuar, em função dos resultados de que dispunha das pesquisas. Aqui, precisamos salientar que há dos tipos de relatórios que são divulgados para o público. Um para o grande público, onde aparecem os números mais gerais e simples, onde o detalhamento dos resultados não está explícito. Outro, para os públicos internos e entendidos em estratégia de campanha e de marketing, onde aparecem detalhes de comportamento eleitoral, tendências e possíveis migrações de votos, regionalizações etc.
O Instituto Gallup trabalha, desde a eleição do governador de São Paulo, Orestes Quércia do PMDB, em 1986, quase que exclusivamente para esse Partido. Em 1989, o Gallup foi contratado pelo PMDB novamente, para medir a tendência de voto do eleitorado para os coordenadores da campanha do Dr. Ulisses Guimarães. É claro que não há exclusividade na divulgação dos resultados, de maneira que estes são revendidos para diversos jornais, que os publicam.
O Datafolha realmente só trabalha para a Folha de São Paulo. Mas, também o Datafolha, talvez para o barateamento dos custos de uma rodada de pesquisa, vende os seus resultados para jornais de outros Estados publicarem.
As Pesquisas de Boca-de-Urna
Levando-se em conta as pesquisas mais importantes para os institutos, que são as boca-de-urna, que efetivamente colocam em xeque os resultados das pesquisas e provam ou não as possíveis manipulações, faremos alguns estudos comparativos desses resultados.
A partir das pesquisas publicadas nos grandes jornais do dia 15 de novembro de 1989, os cinco grandes institutos de pesquisa colocaram em jogo o seu futuro e a sua reputação. Alguns quebraram a cara em algumas candidaturas, com erros muito acima das margens de segurança (intervalo de confiança, como se diz em linguagem estatística) e outros praticamente acertaram em cheio os resultados, se compararmos com os oficiais (ver Quadro II).
Quadro II – Resultados da Pesquisa de Boca-De-Urna 15/11/1989
Candidatos |
Data Folha |
Vox Populi |
Tolledo Associados |
IBOPE |
Gallup |
Resultado Oficial |
Collor |
30.00% |
33.60% |
31.00% |
30.00% |
29.40% |
28.52% |
Lula |
18.00% |
19.00% |
19.00% |
17.00% |
15.00% |
16.08% |
Brizola |
14.00% |
17.00% |
17.00% |
17.00% |
15.90% |
15.45% |
Covas |
10.00% |
9.70% |
10.60% |
11.00% |
13.70% |
10.78% |
Maluf |
8.00% |
6.90% |
8.60% |
7.00% |
9.60% |
8.28% |
Afif |
4.00% |
4.00% |
5.60% |
4.00% |
5.50% |
4.53% |
Ulysses |
4.00% |
2.80% |
3.40% |
5.00% |
3.90% |
4.43% |
Publicamos a seguir um Quadro (III) contendo os resultados oficiais dos sete principais candidatos. A partir desse quadro, poderemos comparar com os resultados das pesquisas de boca-de-urna dos institutos[6].
Quadro III – Resultados Oficiais do TSE
Sete Candidatos Principais
Candidatos |
Votos |
% Votantes |
% Eleitores |
% Válidos |
Collor |
20.611.011 |
28.52% |
25.11% |
30.47% |
Lula |
11.622.673 |
16.08% |
14.16% |
17.18% |
Brizola |
11.168.228 |
15.45% |
13.60% |
16.51% |
Covas |
7.790.392 |
10.78% |
9.49% |
11.51% |
Maluf |
5.986.575 |
8.28% |
7.29% |
8.82% |
Afif |
3.272.462 |
4.53% |
3.98% |
4.83% |
Ulysses |
3.204.932 |
4.43% |
3.90% |
4.73% |
A partir daí, nós nos perguntamos: como desenvolver um método para que possamos comparar resultados e afirmar com certeza, qual dos institutos de pesquisa de opinião pública errou menos?[7].
Se considerarmos a definição tradicional de métodos, como o caminho pelo qual podemos chegar a um determinado fim, apresentaremos aqui uma proposta para avaliação dos resultados.
Os números da boca-de-urna erraram para menos ou para mais. Alguns números e dados percentuais, aparecem dentro dos intervalos de confiança fixados pelas metodologias dos institutos, outros completamente fora. Foi assim por exemplo com o número que o instituto Vox Populi previu na boca-de-urna para Fernando Collor de Mello (33,60%). O erro foi para mais de 5,08% (positivo). Outros institutos erraram para menos. De todos os institutos (pelo menos os cinco que analisamos), apenas o Datafolha e o IBOPE acertaram dentro das suas respectivas margens de segurança. O Vox-Populi teve dois resultados fora da margem de segurança e o Gallup apenas um.
Nosso método de avaliação levou em conta a somatória dos resultados de erros e acertos, para mais e para menos e ao final, entre os sete principais candidatos. Fizemos a somatória (de números positivos e negativos) e chegamos a um resultado. Seria o mesmo se transformássemos em votos os índices percentuais de todos os candidatos, tirando-se os nulos, brancos e as abstenções (9.793.809 de abstenções, 3.473.484 de nulos e 1.176.413 votos em branco) e fizéssemos a sua somatória pura e simples. Isso iria totalizar um número de votos que, se comparados com os resultados oficiais, significariam percentuais a mais e a menos de erros nos prognósticos da boca-de-urna.
Dentro dessa metodologia por nós adotada, podemos afirmar, sem margem de dúvida, que o instituto Datafolha foi o que mais acertou nos resultados finais das eleições do primeiro turno de 15 de novembro de 1989 (ver Quadro IV).
Quadro IV – Diferença do Resultado Oficial e das Pesquisas de Boca-De-Urna
Candidatos |
Data Folha |
Vox Populi |
Tolledo Associados |
IBOPE |
Gallup |
Collor |
1,48% |
5,08% |
2,48% |
1,48% |
0,88% |
Lula |
1,92% |
2,92% |
2,92% |
0,92% |
1,98% |
Brizola |
1,45% |
1,55% |
1,55% |
1,55% |
0,45% |
Covas |
0,78% |
1,08% |
0,18% |
0,22% |
2,92% |
Maluf |
0,28% |
1,38% |
0,32% |
1,28% |
1,32% |
Afif |
0,53% |
0,53% |
1,07% |
0,53% |
0,97% |
Ulysses |
0,43% |
1,63% |
1,03% |
0,57% |
0,53% |
Balanço |
0,07% |
4,93% |
7,13% |
2,93% |
4,93% |
Menor erro |
1º lugar |
3º lugar |
5º lugar |
2º lugar |
3º lugar |
Por esse Quadro, podemos perceber que a somatória dos erros percentuais do Datafolha ficou situado na cada dos 0,07% negativos. Logo em seguida, vem o IBOPE, com erros na casa de 2,93% positivos. Empatados em terceiro lugar, vem o Gallup e o Vox-Populi com seus 4,93%. Na lanterninha do nosso estudo, o instituto que mais erros foi o Tolledo & Associados.
As Manipulações de Resultados
Brinca-se nas Universidades que a estatística é uma ciência política e portanto, deveria ser alocada no Departamento de Política, pois dependendo dos seus resultados, a forma da sua divulgação, a manipulação de seus números pode distorcer tanto uma determinada realidade. É um tipo de piada que até pode mesmo ser verdadeira.
Mas piadas à parte, a verdade é que a forma como divulgamos os resultados de uma pesquisa de opinião pública pode-se distorcer os fatos. Isso ocorreu durante a campanha presidencial, onde os números de recusas de entrevistas não eram divulgados, a metodologia do trabalho muito menos, o número de entrevistas efetivamente realizadas idem etc.
As manchetes de determinados órgãos de imprensa faziam escândalos e distorciam descaradamente os resultados, sempre de acordo com os interesses dos seus proprietários. Esses casos mais escandalosos ocorreram com os jornais O Globo e O Estado de São Paulo, tradicionais órgãos de informação das elites mais reacionárias deste país.
Não vamos aqui fazer uma análise sociológica dos meios de comunicação especialmente da imprensa e suas manchetes estapafúrdias em sua grande maioria. Vamos nos deter, porém, na escandalosa manipulação realizada pela Rede Globo de Televisão e suas trapalhadas com relação aos resultados oficiais das eleições presidenciais de 15 de novembro (primeiro turno).
A estatística elementar nos ensina que a partir do resultado de uma determinada porcentagem de um fenômeno, ele poderá se repetir e terá um resultado provável, com grande probabilidade de acerto. Isso significa, traduzindo em miúdos para nosso caso eleitoral, que a partir de um determinado momento, apurada uma certa quantidade de votos (já a partir de 15%, a margem de segurança é quase 100% de acerto), pode-se prever qual será o resultado final de uma eleição.
Para isso, basta que se programe os computadores para que ponderem os resultados. Ponderar significa multiplicar os resultados brutos de partes das urnas apuradas, pelos seus respectivos pesos nas regiões de onde provêm esses votos e, com isso, podemos projetar um resultado final com muita segurança. Para isso, basta que se alimentem as máquinas (pré-programadas para isso), com dados de peso de cada região geográfica do país, número de abstenções por cada região e os votos dos candidatos nessas mesmas regiões.
Isso é tão simples, que mesmo um primeiro-anistia de faculdade de Sociologia e Estatística o faria com facilidade. Apenas a Rede Globo de Televisão não fez. E não fez porque não quis fazer, pois seus computadores estavam programados para isso.
A manipulação escandalosa como essa feita pela Rede Globo, que durante quase três dias seguidos insistiu em divulgar um resultado que dava Leonel Brizola como segundo colocado, com vários milhões de votos na frente de Luiz Inácio Lula da Silva, ocorreu também nos Estados Unidos em 1952, quando das eleições presidenciais. O primeiro grande computador UNIVAC (hoje Unisys), com mais de cinco mil válvulas, foi programado para projetar os resultados das eleições, assim que os votos de 5% a 7% do eleitorado já estivessem apurados (a contratante foi a CBS). A partir daí, com a alimentação dos resultados, o UNIVAC passou a projetar o resultado de esmagadora vitória para Dwight Eisenhower. Os técnicos da CBS ficaram espantados, pois esse resultado não os agradava e a rede insistia em negá-los, até que chegando ao final da apuração, a verdade teve que vir à tona[8].
Segundo dados da própria rede de televisão envolvida, a partir das 2h da madrugada do dia 16 de novembro, apurados 15% dos votos de todas as regiões do país, a Globo já estava em condições de prever, por ponderação de resultados, a vitória de Collor em primeiro lugar e de Lula em segunda lugar (e não Brizola). A direção da emissora desautorizou a divulgação dessas projeções[9].
Há que se destacar, porém, a bem da verdade, que o resultado do segundo colocado, que definiu os dois finalistas para o segundo turno, foi bastante apertado, menos do que 1% (um ponto percentual, ou menos de 800 mil votos). Nos Estados Unidos, não só há uma recontagem de votos quando a diferença é menor do que 1%, mas também as grandes emissoras não costumam divulgar projeções abaixo desse índice[10].
Conclusões
Não é difícil fazermos as conclusões finais. As pesquisas têm a sua validade científica e como tal devem ser respeitadas, analisadas, estudadas pelos coordenadores de campanha etc. Não se pode prescindir de pesquisas eleitorais em uma campanha, seja de deputado, senador, prefeito, governador e principalmente presidente da República. Aliás, todos os candidatos que se lançaram na disputa, pelo menos os maiores, tinham institutos e/ou profissionais altamente especializados em realização e análise de pesquisas eleitorais que indicam tendências do eleitorado.
Por outro lado, não podemos permitir que os institutos de pesquisas de opinião pública se transformem em instrumentos à serviço de determinadas candidaturas poderosas e conservadoras. Esses institutos devem seguir regras e normas rígidas, controladas pelos tribunais eleitorais e pelos partidos políticos, estes os maiores interessados na consolidação da democracia e na veracidade dos resultados divulgados.
Os Conselhos Regionais de Estatísticas e os seus Sindicatos, bem como os sociólogos e suas organizações profissionais e sindicais, devem ser chamados a dar suas opiniões e acompanhar todas as fases da realização da pesquisa, desde a definição da base amostral, a sua estratificação, a coleta de dados do campo, a tabulação dos resultados e a sua ponderação final, bem como deter-se na análise dos relatórios finais com os respectivos resultados das pesquisas.
Que se desenvolvam melhores métodos e sejam aperfeiçoadas as técnicas de entrevistas e coleta de dados. Que os nossos profissionais sejam melhor treinados para a realização das pesquisas. Que os meios de comunicação de massa divulguem os resultados com seriedade. Que as normas internacionais de realização das mesmas sejam rigorosamente observadas. Estas são as nossas recomendações para que as pesquisas de opinião possam ser cada vez mais acreditadas e respeitadas pela população e pelas organizações da sociedade civil brasileira.
[1]Quero agradecer aos companheiros Beto, Toni, João e Catarina da UNIMEP; aos monitores do Núcleo de Computação da Universidade, entre eles o Vladimir, o Dimas, o Carlos e o Flávio; a meu aluno João Carlos Campos Jr. e aos funcionários do CPD do Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto de São Paulo que me auxiliaram na tabulação de dados e nas pesquisas que permitiram que esse artigo fosse concluído.
[2]BOYER, Carl B. História da Matemática. SP, Editora Edgard Blucher Ltda., 1974, pág. 245, capítulo 17.
[3]Jornal Folha de São Paulo, pág. B-10, do dia 25/11/1989.
[4]CARVALHO, Lejeune M. G. Xavier, publicado em A Classe Operária, publicada em 7/9/1989, número 27, seção política.
[5]A quase totalidade dos Institutos de Pesquisa de Opinião e de Mercado no Brasil adota o Código de Ética e as orientações da ESOMAR – Sociedade Européia para Pesquisa de Opinião e Mercado ICC – Câmara Internacional de Comércio, que pode ser lido no seguinte endereço eletrônico: http://www.aba.com.br/canais/insights/documentos/codigo-de-etica-iccesomar/ que tivemos acesso em 22/11/2018 às 19h53.
[6]Jornal O Estado de São Paulo, de 28/11/1989.
[7]Dados obtidos na Coluna Painel da Folha de São Paulo do dia 16/11/1989.
[8]ROSZAK, Theodore. O Culto da Informação. SP, Editora Brasiliense, 1988, pág. 23.
[9]Jornal Folha de São Paulo do dia 26/11/1989, pág. 6.
[10]Jornal O Estado de São Paulo, do dia 21/11/1989, primeiro caderno.