Augusto – Quando e como começou a militar no PCdoB? Quem eram os militantes que atuavam com você em São Paulo? Qual seu dirigente?
Lejeune – A militância inicia-se quando começo a fazer o curso de Engenharia na FEI. O Partido tinha uma base forte ali. A data formal de ingresso não é precisa, pois não tínhamos “ficha de filiação, mas considero-me membro do Partido, sob sua direção, desde março de 1975. Na minha ficha no sistema nacional de informações do Partido, preferi agosto de 1975, quando o vínculo já era muito forte. Ingressei no CA da FEI no segundo semestre desse ano. Lá fizemos jornais históricos do ME, de sua reorganização, como Muro de Arrimo, da própria FEI e Cobra de Vidro, das escolas isoladas (Mauá, FEI e FGV). Ajudamos a reconstruir o DCE - Livre da USP em 1976. Na faculdade quem me acompanhava eram os camaradas Joka e Henry Kobata (este último virou jornalista e ocupou altos cargos da Editora Abril; penso que ambos saíram do Partido). Apenas muito tempo depois é que travei contato com dirigentes de escalão superior do estadual, que conhecia como "Carlos" (posteriormente soube que era o Neuton Miranda, do PA já falecido) e outro que conhecia como "Baixo" ou "Gordo" ou "Vado", a quem nunca soube o nome verdadeiro, mas esta fora do Partido hoje.
Augusto – Quando e como foi a decisão da sua ida para Campinas para organizar o movimento estudantil?
Lejeune – A decisão não foi pessoal. Ao final de 1976, já tendo participado de diversos Encontros Nacionais de Estudantes – ENEs, incluindo o de 1976 em são Carlos, fui ao final do ano para Corumbá passar férias, a minha cidade natal. O Partido enviou um emissário ao meu encontro, o Joka, para discutir perspectivas. Retornei no início de 1977, quando me envolvi nas manifestações estudantis de reorganização do ME. Saímos às ruas pela primeira vez em abril e maio, nas primeiras passeatas. Ajudei a coordenar a histórica manifestação de 5 de maio de 1977 no viaduto do Chá em São Paulo onde enfrentamos Erasmo Dias pela primeira vez. Ai, a repressão estava grande e o Partido decidiu me deslocar para Campinas, para construir o Partido no ME dessa importante cidade, com duas grandes universidades. O Partido sabia que estava descontente com o curso de engenharia, da minha paixão pela leitura, pela ciência em geral e pela ciência da sociedade, que depois decidir-me-ia pelas Ciências Sociais. Inclusive a decisão de fazer a PUCC foi partidária, pois ali concentravam já à época, mais de 15 mil estudantes e era mais importante. Acabei passando no vestibular bem colocado no geral e em 1º lugar no ICH.
Augusto – Quais os militantes que já atuavam na cidade e quais as frentes em que trabalhavam?
Lejeune – Pessoalmente, em toda a cidade conheci apenas o casal Fernando e Inês (ele economista que fez maio de 1968) e ela socióloga (eles acabaram vindo a ser padrinhos de meu casamento em 1981). Conheci o casal de médicos: José Eduardo Passos Jorge e Maria Lúcia Quaresma (separaram-se posteriormente e saíram do Partido). Sabia que a mãe de Pedro de Oliveira era do Partido à época, a camarada Ada de Oliveira, que viria a falecer na nossa campanha de 1982. Mais ninguém eu conhecia, provavelmente por razões de segurança. Só algum tempo depois é que fui travando contato com os mais antigos na cidade. Na verdade, vindo articulado para trabalhar como agente comunitário de saúde no Posto do Jardim Conceição, quando era secretário municipal de Campinas o saudoso médico Dr. Sebastião, que apoiamos para prefeito em 1982.
Augusto – Quem era o Comitê Municipal na época? Quem do estadual ou nacional acompanhava este trabalho local?
Lejeune – Do Comitê Municipal à época eram essas quatro pessoas, ao que eu saiba, posteriormente incorporados o casal de médicos Helena serra Azul Monteiro e Francisco das Chagas Dias Monteiro, hoje ambos vivendo em Fortaleza, Ceará. O acompanhamento da direção estadual era pelo "Gordo" e nacional, ao que eu saiba, pelo "Careca", que era o Dynéas Aguiar.
Augusto – Você chegou a participar do processo da 7ª Conferência entre 1978 e 1979? Estava em Campinas? Lembra de algum detalhe desse processo?
Lejeune – Recebemos documentos da Conferência nesse período, a "Carta aos Brasileiros" e depois as decisões finais. Soubemos apenas que ela foi realizada quase toda no exterior. Quando mudei-me para Campinas em 1977, morava em república estudantil e nunca mais deixei a cidade (para efeitos de trabalho apenas, a partir de 1986 na Unimep e 1987 em SP, mas residência oficial sempre em Campinas). Recordo-me que certa vez, quando Diógenes Arruda Câmara esteve em Campinas na Unicamp e na PUCC, em 1979, depois da sua vinda pela Anistia, tiramos muitas cópias dessa carta. Recebi em casa na república, pelo correio – provavelmente com remetente falso – cópias da Carta.
Augusto – A divisão entre estrutura 1 e estrutura 2 teve reflexos em Campinas naquela época? A cidade era ligada a qual estrutura?
Lejeune – Eu sempre fui acompanhado, e a cidade também, pela estrutura 2. Nunca tive contato com a outra estrutura. Não saberia dizer dos problemas e reflexos que essa divisão pode ter tido. Aqui na nossa cidade nunca sentimos reflexo algum.
Augusto – Como foi o início do trabalho do Partido na PUCC e Unicamp? Quem montou as primeiras organizações de base?
Lejeune – Ingressei na PUCC no início de 1978, no curso de Ciências Sociais. Optamos por realizar um trabalho cultural. Formamos o MUC – Movimento Universitário de Cultura. O DCE era pelego, época do Decreto 477 e 228, eleições indiretas para a UEE, UNE e DCEs em todo o país. Participei dessa época do IV ENE, na FAU/USP, em agosto, que marcou finalmente a data da reconstrução da UNE, para maio de 1979, em Salvador, Bahia. Já estava em contato com o CA de Humanas da PUCC, mas este não estava em nossas mãos.
A PUCC tinha em torno de 23 DAs (não se usava a palavra "CA" ainda). Não tínhamos nenhuma liderança do Partido controlando nenhum Diretório Acadêmico. Aos poucos fizemos esse trabalho. Em 1979, fizemos movimentos pela melhoria na qualidade do ensino, de oposição ao DCE pelego, pelas liberdades democráticas. Fui detido várias vezes nesse período (pequenas detenções para averiguações, tal qual em SP nos dois primeiros anos da militância, onde inclusive ajudei a organizar a missa de sétimo dia do Herzog em outubro de 1975). Fui do Comitê de Anistia, do Comitê em Defesa da Amazônia, do comitê em apoio à revolução sandinista etc. Tiramos 50 delegados para o congresso da UNE, sendo que uns 40 eram nossos, da antiga "Caminhando", depois passou à "Viração".
Já tínhamos hegemonia quase completa no ME da PUCC, mas nós não tínhamos entidade alguma. Fizemos em agosto de 1979 uma greve geral da PUCC pela volta do curso de Ciências Sociais, que o então reitor tinha mandado fechar. Uns 15 dias de greve, que chegou a parar até a faculdade de Direito e Medicina. Isso mudou a PUCC completamente. As últimas e maiores assembléias dirigidas por nós chegaram a ter até três mil participantes. A reitoria voltou atrás e o curso reabriu dois anos depois, pelo vestibular. Fizemos no final desse ano, em outubro o famoso boicote à sobretaxa, que bloqueou a folha de pagamento, pois recolhemos mais de 12 mil carnês dos estudantes. A reitoria recuou na proposta e negociou conosco, que já falávamos em nome da Comissão Pró-DCE Livre. A reitoria no final desse ano abriu sindicância contra mim, com base na Lei 477/228, para me expulsar da PUCC. Mas seu intento se mostrou deslocado, sem forças para isso, pela força que nosso movimento demonstrava. O presidente da comissão inquiridora era o professor e sociólogo Rosalvo Madeira, um direitista e barretista histórico.
Os recrutamentos que pude fazer, que montaram uma cadeia de primeiros militantes, alguns até hoje nas fileiras, foram assim: recrutei Miguel Jorge, que era servidor da Secretaria da Fazenda de SP, que por sua vez nos trouxe Carlos Artioli. Depois no movimento secundarista recrutei Célio Turino, que nos trouxe depois Luciano Martorano (e família) e tantos outros camaradas (ai envolve Augusto Buonicore, Orestes de Toledo). Célio construiu o Partido na Unicamp. Havia na PUCC uma espécie de "braço direito" meu, que era o Rui Kureda (fora do Partido; me parece que no PSOL hoje). Formamos, com autorização do "Gordo", algo que era meio anômalo à época, uma espécie de comitê municipal estudantil, o qual era composto por mim, Célio, Kureda, Gilberto (dentista, depois médico) e Miguel. Éramos uma espécie de "capas pretas", traçávamos a construção do Partido, eleições estudantis, envio de delegados para congressos etc. Dai surgiu muitos quadros de Partido, que ajudaram a direção municipal. Eu integrei essa direção apenas e tão somente entre os anos de 1982 e 1984. Talvez não tivesse perfil para direção partidária.
Augusto – Quando ganhamos o DCE da PUCC? Já tínhamos algum DA?
Lejeune – Ganhamos o DCE da PUCC pela primeira vez – e mantivemos essa hegemonia por cinco anos seguidos, no final de novembro de 1979. Nossa chapa era um colegiado, mas eu era reconhecido como presidente, pela liderança que exercemos no ME à época. A direita chegou a lançar uma chapa, mas perdeu de 7,5 mil a 2,5 mil. Dez mil estudantes votaram. Nunca mais tivemos tantos votando como essa época. Arrancamos essa estrondosa vitória na raça. Ao tomarmos posse em janeiro de 1980, o DCE estava depenado, com as máquinas da gráfica sumidas. Denunciamos à imprensa e elas apareceram na reitoria e nos devolveram. Ao final do ano, denunciamos o escândalo que ficou conhecido como "Super Alunos", ou seja, o reitor Barreto Fonseca e seu secretário geral, José Antônio Trevisan, pessoas de direita à época, eram matriculados nos cursos de jornalismo da Universidade, nunca frequentavam as aulas e tiravam sempre dez nas provas. Esse escândalo foi manchete do Jornal Diário do Povo, Jornal de Hoje e Correio Popular por cerca de 50 dias seguidos. Envolvemos a cúria metropolitana, fomos até Itaici com um ônibus de alunos, falamos como então secretário-geral da CNBB Dom Luciano Mendes de Almeida. Pedimos intervenção até de Roma para destituir o Barreto, nomear um reitor pró-tempore, o que acabou ocorrendo. A cúria romana mudou o arcebispo de Campinas, que passou a ser Dom Gilberto Pereira Lopes, com quem fizemos uma aliança (comunistas e a Igreja). Nós éramos tão fortes no ME que tínhamos uma célula dentro da faculdade de filosofia entre seminaristas e no seminário, eu cheguei a ir várias vezes e fui saudado pelo pároco e reitor geral desse seminário, que rendeu muitas filiações para nós à época.
O novo chanceler, Dom Gilberto Pereira Lopes, fez a intervenção, destituiu Barreto e depois nomeou Heitor Regina como temporário, que posteriormente seria eleito de forma definitiva com mandato de quatro anos, com Eduardo José Pereira Coelho de vice-reitor acadêmico e Antônio José de Pinho de vice-reitor administrativo, amigos do Partido até os dias de hoje. Coelho beirando os 65 anos e Pinho beirando os 70. De fato, fomos muito fortes à época. Dos 23 DAs que tiveram eleições, vencemos em chapas que nos apoiaram para o DCE em 20 DAs. Mesmo na engenharia e no curso de direito, pela primeira vez ganhamos as eleições com aliados, com Mário Orlando de Carvalho e depois Januário Montone. O Partido deveria ter uns 40 filiados na época. Vendíamos por quinzena umas 300 a 400 jornais Tribuna da Luta Operária. Eu, pessoalmente, fui recordista, chegando a vender 600 jornais certa feita, em evento de massa do 1º de Maio na Concha Acústica do Taquaral. Éramos conhecidos como "tribuneiros".
A PUC nos marcou uma grande época. Lá conheci na greve de 1979 que viria a ser presidente do CA “castro Alves” e minha esposa, a Guilhermina e lá praticamente nasceu a minha filha, em 1981, Alice, que se formaria pela mesma universidade em 2005, tendo sido também ela presidente do DCE – era vice e substituiu o presidente.
Augusto – E nosso trabalho no movimento secundarista? Como ele teve início e quais os camaradas se envolveram nesse processo?
Lejeune – O trabalho estudantil secundarista inicia-se com Célio Turino que reorganiza a UCES. Fomos hegemônicos nessa entidade por anos a fio. Dai fizemos vários presidentes, Adriana Saker entre outros (não me lembro bem, porque não era eu mais quem acompanhava esse trabalho pela direção municipal). Tiveram outros também como Luciano e Juliano Martorano, seu irmão Nicola, Cleonice. Alguns camaradas já ingressavam na PUCC e na Unicamp militantes do Partido e isso facilitava muito nossa vida na universidade.
Augusto – Fale um pouco do trabalho de mobilização partidária em São Paulo e em Campinas para a chegada de João Amazonas em 1979.
Lejeune – Em relação a chegada dos camaradas do exílio, alguns chegaram por Campinas, no aeroporto de Viracopos e outros por São Paulo, Congonhas (não existia Cumbica ainda). Fomos recepcionar vários em Viracopos. Arruda chegou por Viracopos. Não pude ir, mas minha relação com Arruda foi muito forte à época. Ele veio na PUCC, assim como Aldo Arantes e Haroldo Lima. Parece que a nossa PUCC era um exemplo nacional, uma grande experiência. Cheguei a adotar o nome de “Diógenes” na clandestinidade partidária pela admiração que já tinha por ele mesmo antes de conhecê-lo pessoalmente.
Chegamos até a disputar a presidência da UEE/SP pela nossa força na chapa "Convenção". Formamos uma chapa ampla, mas com força localizada. O Partido tomou a decisão de marcar posição, para nos diferenciarmos da Caminhando, que ia tomando outro rumo e firmarmos a "Viração", posteriormente UJS (que teve a experiência da JUDEPRO antes). Arruda nós o trouxemos na PUCC nessa época e reunimos com ele no DA de filosofia, que mesmo antes da renovação completa na PUCC, nos apoiou na greve das ciências sociais e já tínhamos grande influência através do camarada João Bosco, que era seminarista. Arruda falou a todos nós. Nessa mesma semana todos os DAs da PUCC receberiam a "Carta aos Brasileiros", como resultado da VII Conferência Nacional do Partido, que convocava á mobilização pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, Liberdades Democráticas e Assembléia Nacional Constituinte, Livre, democrática e Soberana. Eu costumava usar o codinome de "Diógenes" na clandestinidade por causa da influência dele em todos nós. Um dos filhos de Marilza e Pernambuco tem esse nome em sua homenagem.
Na chega de Amazonas em Congonhas nós levamos dois ônibus, basicamente lotados de estudantes da PUCC, Unicamp e secundaristas, mais alguns do movimento popular. Me lembro bem que quando da primeira entrevista que João deu no país, foi em Campinas, nós o levamos para o Éden Bar. Ele fez um pequeno lanche (chá com torradas, vida frugal e disciplinada...) e depois falou com a imprensa. Sua palestra no início de 1980 no cine Roxy na zona leste (se não me engano o bairro é Mooca), nós fretamos 10 ônibus, ou seja, deslocamos em torno de 400 a 500 pessoas para ouvir Amazonas falar. Quando chegamos ao cinema, cujo público era mais ou menos o mesmo de nossa caravana, a delegação foi muito saudada. Era uma época que o Partido tinha uma força política de massas muito maior, ainda que hoje tenhamos mais influência política geral na sociedade e mesmo eleitoral.
Augusto – Conheceu Arruda antes da sua morte? Esteve no seu enterro? Mais alguém de Campinas esteve lá?
Lejeune – Como disse, conheci muito Arruda nos dias que estivemos juntos em Campinas. Na chegada de Amazonas (o dia exato em 1979 não me recordo agora), eu fui o último que falei com ele no aeroporto antes de sua morte. Nunca me esqueço disso. Ele estava no carro, no banco da frente com Amazonas no banco de trás, César ao volante (marido de Amelinha). Ao lado do João não me recordo quem estava no carro. Eu próximo do carro, Arruda abre o vidro, pois garoava forte nesse momento, me chama e ordena "Camarada Mato Grosso, aquele é o camarada José Novaes, cuide para que ele vá ao Sindicato dos Metalúrgicos em segurança". Foi o que fiz. Não imaginava que no trajeto do aeroporto até os Metalúrgicos, perderíamos Arruda, cujas emoções da chegada do nosso velho João fizeram com que seu velho coração combalido não suportasse. Dizem que parou de bater por infarto fulminante quando o carro da comitiva passava embaixo do viaduto da rua Tutoia, onde ele estivera preso na década de 1970, antes de seu exílio e lá fora barbaramente torturado. Ao chegarmos nossa delegação de Campinas ao Sindicato, todos começaram a chorar copiosamente. Eu fui um dos oradores nesse momento, muito emocionado. Uma foto minha nesse momento, nós usamos na nossa campanha de vereador em 1982. Foi um baque grande para todos nós essa perda irreparável até hoje.
A caravana, onde estava minha ex-companheira, a Guilhermina, voltou à Campinas, mas eu fiquei no velório. Não tinha condições de voltar. Fiquei para o enterro. Alguns retornaram no dia seguinte. Descemos com o caixão nas mãos a rua Teodoro Sampaio (ou outro nome a qual não me recordo) e fomos direto ao cemitério onde ele seria enterrado. Carreguei o caixão nas mãos até a cova e dela fiquei muito próximo, junto com outros camaradas. Não me recordo de outros camaradas de Campinas nesse momento. Estava muito emocionado. Acho que o pessoal do ME da nossa base veio, Giba, Rui, Célio talvez.
Augusto – Você ainda guarda fotos e documentos daquela época (1976 a 1981)?
Lejeune – Sim, guardo muitas fotos dessa época, mas precisam ser localizadas, selecionadas. Algumas inclusive do enterro de arruda, da sua chegada em Viracopos, da chegada de João e do ME na PUCC. Muitos e bons momentos que agora ficam para a história e completam trinta anos.