A Palestina que eu Conheci

Prof.Lejeune Mirhan - 14-01-2021 930 Visualizações

Entre os dias 21 e 25 de março passado, visitei a Palestina. Está é uma região simplesmente encantadora e mágica. Desde 16 de setembro de 1982 quando ocorreu o massacre nos acampamentos palestinos de Sabra e Chatila em Beirute, venho estudando aquela estratégica região. Fundamos à época em Campinas o Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino. Mas, eu só conhecia a Palestina na teoria. Publiquei quatro livros – o 5º no prelo sobre Gaza – mas nunca tinha visitado a região.

Desta vez, a convite da Central Palestina de Trabalhadores e representando a CTB, lá fui eu conhecer a Cisjordânia. A viagem passa por Istambul na Turquia, onde ficamos seis horas no aeroporto e depois seguimos para Tel Aviv. Até aqui as coisas são diferentes. Não há uma “Palestina” no mapa mundi. Só temos Israel. E isso vem desde 15 de maio de 1948, quando David Ben Gurion proclamou o Estado de Israel e os palestinos ficaram seu Estado, antes ocupado pela Inglaterra.

A entrada por Tel Aviv já foi difícil. Interrogatório de quase duas horas. Na saída, foram três horas e meia. Revista minuciosa das malas. Tudo passa por exames químicos, scanner, espectrômetro de massa etc. Meu lap top foi desmontado e depois montado de novo e tive que testá-lo na frente dos agentes do Estado. A água mineral palestina que trazia tive que tomá-la na hora e um azeite de oliva passou por exames químicos. E mais interrogatório. São tantas e tão rápidas as perguntas que as pessoas ficam em pânico.

Depois, viajamos uma hora até a Cisjordânia. Em tese, terras palestinas que lhes foram “devolvidas” por Israel pelos acordos de Oslo de 1993. Passamos por um checkpoint, espécie de postos policiais onde tudo é revistado e conferido. Após essa maratona, viagem de quase um dia, chegamos ao hotel na cidade de Ramalláh, a capital da Palestina, onde a Autoridade Nacional Palestina, que é presidida por Mahmoud Abbas tem a sede do governo.

Diversas situações me chamaram a atenção. A Palestina é uma nação árabe, mas ocupada por outra potência. Os palestinos não possuem moeda própria. Usam o shekel israelense. Boa parte dos produtos que eles consomem, ainda é fabricado por Israel. Até por isso, compreendi uma das decisões do congresso sindical: boicote aos produtos israelenses e incrementar a produção palestina.

A Palestina não tem fronteiras definida. Nem Israel as tem até hoje. Se vingasse a solução que praticamente todos defendem, desde os EUA, ONU, União Europeia – de dois estados para dois povos vivendo lado a lado – ainda assim, restaria hoje para eles apenas 20% das terras da Palestina histórica. Mesmo no plano de partilha aprovado pela ONU em 29/11/1947, eles teriam direito a 48% das terras. Israel foi tomando tudo nesses 64 anos.

Se a Cisjordânia fosse devolvida integralmente aos palestinos com a faixa de Gaza e Jerusalém Oriental como capital do Estado da Palestina, surge aqui um novo e praticamente insolúvel problema: o que fazer com as 250 colônias e assentamentos judaicos no meio da Cisjordânia, onde moram “só” meio milhão de judeus? Como remover esse contingente humano? Isso representa 25% de toda a região!

Na manhã do dia 23 de março, fomos visitar uma aldeia palestina, chamada An Nabíh Saléh. Era uma aldeia cananeia e tem “só” cinco mil anos. No meio da Cisjordânia. Para entrarmos lá passamos por um checkpoint onde nos deparamos com soldados fortemente armados e seis blindados.

 

Era uma sexta-feira. E todas as sextas, a comunidade local faz demonstrações pacíficas para mostrar seu inconformismo pela ocupação de sua terra. Éramos 150 pessoas. Percorremos as ruas da pequena aldeia até a sua entrada. Qual não foi nossa surpresa quando, com toda fúria, o quarto mais poderoso exército do planeta avançou sobre todos nós com 40 soldados e seis blindados. Desde as manifestações estudantis que fizemos no Largo do Rosário em 1977, fazia tempo que não sentia o cheiro de bombas de gás lacrimogêneo. E os da época da ditadura parecem sabão nos olhos. Os israelenses são muito mais fortes. Acho que têm mostarda no meio. Muitos de nós passou mal. Chamou-me a atenção que quem acabou por enfrentar essa fúria foram crianças de no máximo 16 anos, com paus, pedras e estilingues. Os mais velhos recuaram e ficaram lá, aqueles jovens, mostrando seu inconformismo. Parece que nasceram para lutar.

Voltei muito mais pessimista do que fui. Não vejo, no momento, nenhuma perspectiva para uma paz justa e duradoura na Palestina. Quiçá eu esteja errado. O mundo inteiro fecha os olhos para aquele problema humanitário.

* Sociólogo, escritor e arabista. Foi professor de Sociologia da Unimep entre 1986 e 2006. Presidiu o Sindicato dos Sociólogos de SP de 2007 a 2010. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br.