Desde meados de dezembro um país árabe chamado Tunísia, que fica no Norte da África, que chamamos de Magreb, foi sacudido por fortes movimentos populares. Em um mês de manifestações derrubaram-se os ditadores desse país e em seguida, entre janeiro e fevereiro, foi a vez do ditador do Egito, Hosni Mubarak. Um processo revolucionário em curso. Um exemplo a ser seguido por povos oprimidos em várias partes do mundo.
O chamado mundo árabe nunca mais será o mesmo. Manifestações seguem na Jordânia, no Iêmen, na Argélia, no Bahrein e mesmo no aliado incondicional dos Estados Unidos, que é a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. Os quase 400 milhões de árabes, dos seus 22 países nunca mais serão os mesmos. A luta não é só por democracia. Luta-se contra um modelo econômico neoliberal e rentista que jogou milhões no desemprego, no arrocho salarial. As masmorras estão abarrotadas de presos políticos. Agora, começa-se a respirar ares de liberdade, de uma ainda incipiente democracia.
A agressão à Líbia
O imperialismo norte-americano, com seus aliados franceses e ingleses sempre sonharam em controlar aquela região estratégica do mundo que é o Oriente Médio e Norte da África. Ali estão exatamente metade de todas as reservas provadas e petróleo do planeta. Alguns números ilustram o que mencionamos.
Os árabes somam 347 milhões de pessoas em todo o mundo ou 5,18% da população mundial. A soma de todos os PIBs de seus países chega a US$2,477 trilhões de dólares, ou apenas 4% de todo o PIB mundial. No entanto, com relação às reservas de petróleo, os países árabes detêm 685,11 bilhões de barris ou exatos 50,81% das reservas mundiais de um total provado de 1,033 trilhões de barris. Com relação à produção diária de óleo, os 22 países árabes produzem todos os dias 22,967 milhões de barris, o que significa 27,26% da produção total no mundo, que é de 84,24 milhões de barris/dia (b/d). Tais dados foram obtidos do CIA Factbook de 2010 e US Energy Information de 2010.
Com isso fica claro que a questão central é o petróleo. Mesmo que o mundo inteiro pesquise fontes alternativas de energia que não seja o petróleo, ninguém arrisca menos do que trinta e talvez até 50 anos que ainda teremos que depender do óleo negro para mover a economia planetária, em especial das potências imperialistas que pouco ou quase nada produzem.
Nesse sentido, o elo mais frágil dos países árabes, talvez seja mesmo a Líbia. No dia 17 de março passado uma resolução do Conselho de Segurança da ONU aprovou que uma agressão estaria autorizada contra esse país árabe e africano. Sob o – falso! – pretexto de que haveria que se “proteger civis” dos ataques indiscriminados do “ditado” Kadafi. A OTAN – uma aliança Atlântica que na verdade nada mais é do que o braço armado norte-americano que ocupa militarmente a Europa, um continente sitiado – foi chamada a fazer o serviço sujo. A França e a Inglaterra foram as primeiras que iniciaram o bombardeio, com apoio direto dos EUA.
Passaram 100 dias, completados em 27 de junho e mais de 4.300 bombardeios “humanitários” matou milhares de civis inocentes, sob o pretexto de “protegê-los” (sic). A Nação Africana ficou indignada. Os povos de todo o mundo assim o ficaram também. Os Estados Unidos metem-se na terceira guerra contra uma nação muçulmana – Iraque, Afeganistão e agora a Líbia.
Diversas tentativas de cessar fogo foram tentadas. O Brasil – de forma correta – junto com a índia, China, Rússia e Alemanha, abstiveram-se de votar essa absurda resolução. Não havia clima para que a Rússia e a China usassem seu poder de veto. Uma guerra que não será vencida pelo imperialismo, que já gasta quase meio trilhão de dólares, em meio à sua maior crise econômica desde 1929. Tal qual no Iraque e no Afeganistão, eles agora não sabem como parar essa guerra e não sabem como sair dela. Amplia-se o desgaste a cada dia. Junto ao povo líbio – que resiste bravamente – e junto à opinião pública internacional. Uma guerra agressiva imperialista, de dominação e tentativa de controle do petróleo líbio.
O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, esforça-se para conseguir um Cesar fogo. Esteve em Trípoli, na Líbia e entrevistou-se com o líder líbio, Muammar Kadafi e levou a Unidade Africana a aprovar um plano de cessar fogo. Mas, o imperialismo faz ouvidos moucos. Não ouvem ninguém.
O desfecho dessa luta ainda não esta claro. Mas, se o imperialismo estadunidense achava que seria um “passeio” essa aventura no Norte da África, já esta se dando extremamente mal. Podem sair ainda mais desgastados do processo.
A questão do Estado da Palestina
Por decisão soberana do povo palestino de todas as suas organizações que lutam pela sua libertação e da resistência, ficou acertado que ainda no mês de julho será protocolado uma proposta junto ao Conselho de Segurança da ONU de que este organismo internacional criado em 1944 para buscar a paz em todo o planeta, faça valer a proclamação do Estado da Palestina.
Ao que tudo indica isso terá que ser aprovado primeiro no CS/ONU. Depois disso, poderá ser votado na Assembleia Geral que se inicia no dia 3 de setembro. Será uma grande batalha. Barak Obama, que sempre disse apoiar o Estado da Palestina – cuja mesma ONU já aprovou a sua criação pela Resolução 181 de 29 de novembro de 1947 que também criou Israel – agora diz que não aceita que se vote essa questão na Assembleia Geral. Diz que a criação do Estado da Palestina só pode ser feito com “negociação direta com Israel”, que se recusa a sentar á mesa com os palestinos e sua liderança organizada. Com isso, vai irritando quase 400 milhões de árabes e mais de 1,6 bilhões de muçulmanos.
Obama vai se isolando cada dia mais do conjunto das nações do mundo inteiro. Estimativas indicam que, se votado na Assembleia Geral, essa proposta poderia ter mais de 90% dos votos, mesmo com toda a pressão dos Estados Unidos e de Israel contrário.
A UA, no dia 8 de julho passado, em sua 17ª Cúpula realizada na cidade de Malabo, na Guiné Equatorial, por unanimidade, decidiu apoiar a criação e proclamação do Estado da Palestina e sua admissão como membro pleno do sistema das Nações Unidas. E chegam a ser claro e detalhistas: querem o Estado da Palestina com as fronteiras anteriores a 4 de junho de 1967 – data do início da chamada Guerra dos Seis Dias – e com Jerusalém como capital desse país milenar (fala-se que a Palestina existiria há mais de pelo menos seis mil anos!). A UA exige o direito de retorno dos quase cinco milhões de palestinos que vivem exilados pelo mundo, na sua maioria em países vizinhos de Israel.
A decisão tomada pela UA é histórica e firme. Um exemplo a ser seguido pelo conjunto das nações membros da ONU. Uma decisão que resgata as históricas decisões tomadas na década de 1960, pelo líder dos países não alinhados, Julius Nyerere (1922-1999). Neste histórico momento que o continente africano vive um despertar cada dia mais vibrante – muito a partir das revoluções de libertação do colonialismo português levado adiante na década de 1970 por Angola e Moçambique e depois a África do Sul de Mandela e do CNA – agora pelas mãos do líder Jacob Zuma, o apoio aos palestinos e ao seu Estado Nacional vão ficar cada dia mais próximos.
Vamos esperar para ver, mas lutando e apoiando a justa causa dos árabes em geral no seu processo revolucionário e aos palestinos em particular. Com apoio de todos os africanos.
* Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e Diretor do Instituto Jerusalém do Brasil. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício Grabois – FMG. Colaborador da Revista Sociologia da Editora Escala. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br