Sobre o clube de Bilderberg e seu papel no mundo hoje

Prof.Lejeune Mirhan - 08-03-2021 1270 Visualizações

Muitas vezes quando se fala do Clube Bilderberg muitas pessoas pensam imediatamente que se trata de teorias da conspiração. Eu mesmo, muitos anos atrás, não imaginava o poder que esse agrupamento tem desde a sua criação em 1954. Pretendo neste texto tentar contar um pouco a história do Clube, seus objetivos e mencionar algumas personagens que são seus “membros”, por assim dizer[1].

Um pouco de história

Nos idos de 1954, auge da guerra fria, sentia-se em quase toda a Europa um sentimento antiamericano. Era preciso tomar algumas medidas que diminuíssem esse sentimento e que, mais do que isso, aproximasse os dois continentes. Foi assim que um sacerdote e maçom (grau 33) polonês, exilado de seu país desde que a Polônia passou a integrar o campo socialista e soviético após o final da II Guerra Mundial, chamado Joseph Retinger, um anticomunista ferrenho teve a ideia de convocar uma reunião para discutir temas importantes.

Ele precisaria ampliar o leque de apoio para a realização de uma grande Conferência, que viria a ser a fundação do Clube propriamente dita. Para isso, buscou ajuda do príncipe herdeiro do trono da Holanda, chamado Bernardo de Lippa. O leque se ampliou ainda mais. O presidente mundial da Unilever à época, Paul Rijkens, foi procurado. Aqui é preciso registrar que hoje essa empresa é a terceira maior do mundo no seu ramo de negócios, qual seja, fabricação de produtos de limpeza, higiene, bebidas e alimentos (ela perde apenas para a Procter & Gamble e a Nestlé). Entrou na articulação da convocação da primeira reunião do ex-primeiro Ministro da Bélgica, Paul Van Zeeland.

Mas isso não sería suficiente para que a reunião fosse mais ampla e com personagens mais poderosos seja do mundo político (poder), seja no mundo dos negócios (economia) e mesmo no mundo militar (questões estratégicas). O príncipe holandês era amigo do então diretor da CIA nos EUA, que era Walter Bedell Smith. Este por sua vez, acionou ninguém menos do que o próprio presidente dos EUA, à época Dwight Eisenhower, que resolveu dar total apoio à realização do evento.

Aqui vemos o DNA de origem desse Clube. Uma união entre um anticomunista ferrenho, uma Casa Monárquica europeia (reacionária como todas), uma das maiores empresas transnacionais da época, a CIA e o próprio presidente dos EUA. Evidentemente que dessa articulação não se podería esperar nada de bom – pelo menos para os povos e as parcelas mais pobres da sociedade.

Dessa maneira, entre os dias 29 e 31 de maio e 1954, na cidade holandesa de Oosterbeek, foi instalada a 1ª Reunião Anual do Clube de Bilderberg, chamada muitas vezes de “Conferência Anual”. Vieram 50 “delegados” de países europeus e de empresas e dos EUA vieram 11 pessoas. A reunião ocorreu no hotel que leva o seu nome.

Os objetivos do Clube

De forma bastante clara, os objetivos do Clube e de seu convescote de ricos e poderosos foi o de “promover o atlanticismo”, ou seja a valorização e fortalecimento dos países banhados pelo oceano Atlântico. Aqui relembro que a poderosa aliança militar que ocupa toda a Europa, chamada OTAN, havia sido criada há cinco anos, em 1949, e um representante seu esteve na Conferência e de lá para cá, nesses 65 anos, jamais deixaram de participar, especialmente o seu secretário-geral e comandante supremo das forças militares na Europa. De forma secundária, os organizadores da primeira reunião, tinham por objetivo aproximar as culturas europeias e estadunidenses, em especial em temas políticos, econômicos e militares.

Em função do sucesso da primeira reunião, os “membros” do clube recém criado, decidiram que realizariam reuniões dessa natureza todos os anos em países alternados. Criaram a partir de um certo momento, uma espécie de conselho diretivo formado por 36 pessoas, sendo dois representantes de cada um dos 18 países que integram esse seleto Clube (e nestes casos não necessariamente indicados pelos governos desses países). Ele funciona como um “comitê diretivo” e desde a fundação, nomearam o polonês Retinger como seu secretário-geral. Apenas o presidente e seu secretário podem emitir documentos, notas à imprensa e enviar circulares aos “membros” do clube. As primeiras conferências foram realizadas na França, Alemanha e Dinamarca (às vezes duas por ano). Somente em 1957, na quarta reunião, ela foi realizada nos EUA e contou com o apoio da Fundação Ford, que investiu 30 mil dólares no evento[2].

Podemos resumir em três os grandes objetivos do seleto Clube: 1. Reforçar o atlanticismo com a aproximação da Europa dos EUA com o objetivo de evitar uma “terceira guerra mundial”; 2. Estabelecer um consenso mundial de que o sistema capitalista de livre mercado (e hoje financeiro) é o melhor modelo socioeconômico para a humanidade e 3. Estabelecer algo como uma “governança mundial” ou “governo mundial”, ainda que isso jamais tenha sido explicitado formalmente em nenhum dos seus documentos oficiais e sempre que são inquiridos sobre isso, negam enfaticamente.

Mas, apesar das negativas, o que vemos com os membros desse seleto Clube é que eles podem sim ser chamados de “senhores do mundo”, tamanho é seu poder político, econômico e militar. Ninguém consegue se autoconvidar para uma reunião anual de Bilderberg. Ninguém “compra” um convite (ainda que muitas grandes corporações tentaram sem sucesso).

A propaganda dos dirigentes do Clube menciona sempre que as conferências anuais são oportunidades em que os convidados e participantes – membros da elite mundial – podem debater de forma franca com seus pares, as suas propostas, sejam elas quais forem, ainda que polêmicas. E como as reuniões não são abertas para a imprensa, eles não precisam se preocupar com a imprensa (só de uns anos para cá é que alguns seletos jornalistas foram chamados para participar de algumas de suas sessões, mas não de todas).

Uma vez que uma pessoa participou de uma das conferências anuais, ela torna-se “membro” do Clube e desse dia em diante, receberá os relatórios anuais de seus eventos mesmo que não mais participe. O Conselho Diretivo reúne-se duas vezes ao ano convocados pelo presidente e secretário-geral.

Normalmente, pelo menos um terço dos convidados e participantes nos eventos anuais são políticos relacionados com o poder global (Ocidental). Os outros dois terços dividem-se entre empresários, super-ricos e militares de alta patentes da OTAN ou das forças armadas dos EUA e países imperialistas. Banqueiros são os mais assíduos, bem como diretores de grandes corporações mundiais e barões da mídia. Até a família real inglesa é membro do Clube. A transparência de suas atividades é praticamente nula. Agem como se fossem membros de uma seita secreta. Daí advém as imensas teorias da conspiração que existem em torno da imagem desse seleto Clube. Alguns chegam a relacionar o Clube com o grupo de existência duvidosa, chamados de Iluminatti.

Para termos uma ideia, vou citar aqui cinco grandes corporações de vários países que integram o Conselho Diretivo. Duas são dos EUA, como a Xerox e a IBM. A Alemanha participa com a Daimler, uma das maiores fabricantes de veículos do mundo. A Inglaterra tem a Shell, uma das chamadas sete irmãs da indústria do petróleo. E a Finlândia está representada pela Nokia, uma das maiores empresas de comunicações no mundo. Vendo assim de fora, quem não ficaria tentado a dizer que eventos ali realizados podem estar relacionados aos destinos do mundo?

O livro que melhor descreve Bilderberg

Daniel Estulin é considerado hoje o maior estudioso de Bilderberg. Nascido na antiga União Soviética em 1966, na cidade de Vilnius, antiga República Socialista da Lituânia, que foi expulso da URSS em 1980. Seu pai, que foi membro da KGB, era considerado dissidente político. A sua família mudou-se para o Canadá e depois para a Espanha. Seu livro mais famoso sobre o Clube teve a tradução no Brasil com o título: A verdade sobre o Clube Bilderberg[3].

O livro tem estilo claramente de teorias da conspiração, na medida que apresenta dados nem sempre ao alcance de checagens que se possam fazer. Mas, pode-se falar o que quiser da obra, mas que ela é rica em informações e dados sobre todas as conferências realizadas, isso é fato. O autor nomina praticamente todos os grandes empresários, banqueiros, magnatas do petróleo, militares, chefes de estado e de governo, super-ricos que participaram pelo menos uma vez das conferências anuais do Clube.

O autor menciona ainda a relação do Clube com a chamada Comissão Trilateral (organismo privado fundado por David Rockfeller em 1973 que também se reúne anualmente), com o Conselho de Relações Exteriores dos EUA (na sigla em inglês é Council of Foreing Relations ou CFR, que é uma instituição também privada que estuda política internacional, editando a conceituada revista Foreing Affairs), com a Comissão Europeia (uma espécie de governo da Europa), FMI, OMC, ONU, Banco Mundial e Clube de Roma entre outros. Em uma das passagens do livro ele menciona uma “meta” de que até o ano de 2050, a Terra tería que ser “despovoada” em pelo menos quatro bilhões de pessoas (seja com guerras, seja com epidemias e de outras formas).

Correntes mais à esquerda do pensamento político – que eu me incluo – têm a convicção que esse Clube almeja sim garantir a continuidade e sobrevivência do sistema capitalista e envidará todos os esforços para que esse objetivo seja atingido. Setores mais à direita no cenário político acusam o Clube de tentar impor uma governança mundial, que ficaria acima das nações e imporia uma economia planificada, que eles abominam.

Estulin afirma ainda que todos os 11 presidentes dos EUA desde a fundação do Clube em 1954 (Eisenhower, Kennedy, Lyndon Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush, Clinton, Bush Jr. Obama e Trump) são membros do Clube e ou comparecem pessoalmente às reuniões, ou enviam representantes graduados, como os secretários de Estado e da Defesa dos EUA.

São os principais órgãos de espionagem e de inteligência do mundo que fazem toda a segurança das instalações nos hotéis onde as conferências se realizam, que são a CIA, o MI6 inglês e o Mossad israelense. Sabe-se que, por mais importante, rica ou poderosa, que um convidado possa ser, ele jamais adentra ao recinto das reuniões acompanhado por qualquer assistente pessoal ou secretária. Mesmo as esposas, tem circulação restrita no evento.

Listo a seguir um rol de personalidades que extrai da obra de Estulin que participaram em algum momento de uma de suas conferências: Bill Gates, Tony Blair, Lionel Jospin, Romano Prodi, Alan Greespan (e todos os presidentes do Federal Reserve o Banco Central dos EUA), Kissinger, a família Rothschild, a família Rockfeller, George Soros, Ruperth Murdoch (barão da mídia) entre outros.

Concluo este texto com uma citação literal de uma resolução da reunião anual de 1991. Os e as leitoras farão o seu julgamento sobre se essa turma almeja ou não um governo mundial: “A soberania supranacional de uma elite intelectual e banqueira é absolutamente preferível à autodeterminação nacional praticada durante séculos passados”. Para bom entendedor, dizem que meia palavra basta.

* Sociólogo, professor universitário (aposentado), pesquisador, analista internacional e autor de dez livros na área de política internacional e Sociologia. É colaborador das páginas de Internet Brasil 247, Fundação Grabois, Vermelho, Resistência e Duplo Expresso.

[1]Entre outras fontes que consultei, recomendo a seguinte página na Internet do Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Clube_de_Bilderberg. Tivemos acesso a ela em 1º de fevereiro de 2019 às 16h15.

[2]O primeiro president que permaneceu até 1975 foi o príncipe Bernardo de Lippa. Depois dele foram Alec Douglas Home, Walter Scheel, Eric Roll, Peter Carington, Etienne Davignon. Atualmente preside do Clube o francês Henri de Castries, ex-presidente e CEO da AXA, uma empresa financeira fundada em 1816 e que em 2017 faturou nada mais nada menos que 132,5 bilhões de euros.

[3]O título original é The true story of the Bilderberg Club, editora Trine Day, WalterVille, EUA, 2009, 432 páginas. A edição brasileira tem o preço salgado de 170 reais, mas existem em PDF com 190 páginas que podem ser baixadas.