Já há algum tempo circula pela Internet, de autoria anônima, um conjunto de comentários sobre o comportamento da mídia, da imprensa internacional, especialmente as grandes redes de TVs, quando o assunto central é Israel. Sempre chamei a atenção para o fato de que os guerrilheiros que lutam pela libertação da palestina não são terroristas, como a mídia americana insiste em chamar esses lutadores. Muitas vezes, esses jovens palestinos têm que usar seus próprios corpos como arma para atingir seus objetivos fazerem-se ouvir, ainda que isso possa causar dor e sofrimento.
Em todas as épocas na história atividades de sabotagem, ataques e atentados foram utilizados. Se formos levar a sério essa denominação de terrorista para quem usa o seu corpo para matar outras pessoas, o primeiro e mais famoso terrorista foi Sansão, da bíblia do Antigo Testamento, que ao derrubar as colunas do templo, matou pelo menos três mil filisteus (os antigos palestinos).
Sem que sejam escritas e formalmente aprovadas por alguém, parece que existem certas regras de ouro adotadas quase que unanimemente pela mídia internacional e que nossos jornais no Brasil seguem à risca. Gostaria de comentar aqui essas regras de ouro dessa mídia internacional:
1) No Oriente Médio, são sempre os árabes que atacam primeiro, e Israel apenas se "defende". Essa resposta chama-se "represália". Nunca é Israel quem ataca primeiro, ainda que praticamente todas as guerras entre árabes e judeus tenha sido de iniciativa de Israel. A história registra massacres famosos perpetrados pelos terroristas do Irgun, do Haganáh e outros grupos judaicos a serviço de seu projeto sionista de colonização da Palestina. Assim, para o grande público, Israel é sempre "vítima" dos palestinos, numa nítida inversão de valores, pois não há equilíbrio de forças entre essas duas partes no conflito.
2) Os árabes, os palestinos e os libaneses não têm direito de matar civil. A isso se chama de "terrorismo". Israel tem o direito de matar civil. Isso se chama de "legítima defesa". Nessa guerra recente, no massacre que Israel perpetrou no Líbano e na Faixa de Gaza, onde mais de 1.200 árabes foram mortos em 2006, alguns da forma mais atroz possível, os israelenses nunca foram chamados de terroristas. Ataques a civis quando são os judeus que fazem, não tem importância ou problema algum, mas quando são os guerrilheiros palestinos ou libaneses que o fazem, são "terroristas". Quando Israel ataca indiscriminadamente árabes a imprensa chama essa atitude de "legítima defesa", não importando quantos mortos ficaram pelo caminho, sejam elas crianças, mulheres, velhos, como no massacre de Sabra e Chatila, em setembro de 1982, quando quase três mil palestinos foram assassinados pelas falanges libanesas protegidas pelo exército de Israel, sob comando de Ariel Sharon;
3) Quando Israel mata civis em massa, as potências ocidentais pedem que seja mais comedida. A isso se chama de "reação da comunidade internacional". Não há esboço nenhum, além de pequenas reações de alguns países, tímidos, aos atos terroristas que Israel comete. A ONU se mostra impotente, pelo apoio direto que os Estados Unidos têm dado à Israel. No caso do massacre de mais de mil libaneses e quatro mil feridos e um milhão de deslocados em julho de 2006, bem como a destruição quase completa de boa parte das cidades do Líbano, demorou 34 dias para que o Conselho de Segurança votasse uma Resolução do cessar fogo. Isso porque, na verdade, o que os países centrais não querem e talvez não consigam, é enfrentar a potência americana;
4) Os palestinos e os libaneses não têm direito de capturar soldados de Israel dentro de instalações militares com sentinelas e postos de combate. Isso se chama de "seqüestro de pessoas indefesas". Israel tem o direito de seqüestrar a qualquer hora e em qualquer lugar quantos palestinos e libaneses desejar. Atualmente, são mais de 10 mil prisioneiros, dos quais 300 crianças e mil mulheres. No caso dos episódios de julho de 2006, o que ocorreu foi exatamente isso. Guerrilheiros palestinos capturaram, em combate, soldados israelenses, que não eram nem estavam indefesos. Ao contrário. Foram capturados em combate, dentro de suas fortalezas e com sentinelas. Mas toda a mídia saiu em defesa dos três soldados israelenses (dois seqüestrados por guerrilheiros libaneses e um por palestinos). Israel para fazer seus seqüestros não necessita nem de processo, nem de culpabilidade. Simplesmente invade residências e prende quem achar que deve prender. Esses prisioneiros de guerra, que são também prisioneiros políticos, não tem direito a defesa e a um julgamento justo e Israel os mantém presos indefinidamente. A isso a mídia internacional chama de "prisão de terrorista";
5) Quando se menciona a palavra "Hezbolláh" na mídia é preciso em seguida vir a frase "apoiada e financiada pela Síria e pelo Irã". Quando se menciona a palavra "Israel", é proibida a menção a "financiado pelos Estados Unidos". Se isso ocorresse, poderia se dar a impressão de que o conflito é desigual e que Israel não estaria em perigo existencial. Ou seja, não se pode passar a idéia de que Israel é uma potência mas sim a de que está sempre ameaçada. Se um dos lados em conflito estiver apoiado por dois países islâmicos, a opinião pública poderia aceitar mais "naturalmente" a reação israelense. Aqui, em lugar algum da mídia internacional, levanta-se a simples e natural hipótese de que o apoio político e mesmo militar que Irã e Síria possam dar, e não só seus governos, mas seus povos são na linha da solidariedade e comprometimento com a luta justa dos palestinos e libaneses. Israel recebe dos EUA, ao ano e todos os anos regularmente, pelo menos quatro bilhões de dólares, além de toda a ajuda militar, armamentos etc.;
6) Quando a mídia se referir a Israel fica terminantemente proibida usar expressões "Territórios Ocupados", "Resoluções da ONU", "Violações dos Direitos Humanos" ou "Convenções de Genebra". Israel viola sistematicamente todas as decisões da ONU – mais de uma centena – no que diz respeito aos territórios palestinos ocupados, violações de direitos humanos desse povo, bem como todas as convenções e tratados de Genebra sobre direito internacional. Trata-se de territórios palestinos ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias de junho de 1967, quando toda a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém foram ocupados, bem como parte do Líbano, da Síria e do Egito. Foi a maior expansão do Estado Judeu na história da região. A imprensa praticamente nunca menciona as dezenas e dezenas de resoluções que foram aprovadas seja pelo CS ou pela própria Assembléia Geral, condenando Israel. Este Estado – que alguns autores classificam como estado "bandido" – sequer se dispõe a cumprir resolução alguma da ONU e simplesmente não se fala mais nisso. Quando a resolução é para desarmar o Hezbolláh, faz-se um coro unido internacionalmente para que ela seja imediatamente cumprida. São dois pesos e duas medidas;
7) Todos os palestinos e libaneses são "covardes" que se escondem entre a população civil que "não os quer". Os palestinos dormem em suas próprias casas, vivem com suas famílias. Israel chama isso de "covardia". Em seguida, Israel bombardeia indiscriminadamente essas casas, e a mídia lhes concede o "direito" de aniquilar com bombas e mísseis centenas de líderes da resistência, usando bombas e artilharia aérea, matando-os, em sua maioria, quando estão dormindo. Tais ataques ocorrem pelos ares e a centenas de metros de altitude. A isso a mídia chama de "ataques cirúrgicos de alta precisão" (sic);
8) Os israelenses falam melhor o inglês, o francês, o espanhol e mesmo o português que os árabes. Por isso, eles e os que os apóiam devem ser mais entrevistados devem repercutir suas próprias ações e ter mais oportunidades que os árabes, inclusive as presentes regras de ouro do jornalismo com relação à Israel. A isso dão o estranho nome de "neutralidade jornalística". Todas as redes internacionais de TVs e jornais que mantém correspondentes no Oriente Médio, sequer falam o árabe, língua de mais de 350 milhões de árabes, os maiores interessados em repercutir as ações que são tomadas em seus territórios. Mas estes, pouco ou quase nunca, são ouvidos. TVs árabes não tem quase nenhuma penetração no Ocidente, salvo a recente Al Jazeera;
9) Todas as pessoas e jornalistas que não estiverem de acordo com as regras anteriores serão considerados "anti-semitas" e até "terroristas de alta periculosidade". Toda e qualquer crítica que Israel venha a receber hoje na grande imprensa, logo o jornalista ou articulista é taxado de anti-semita. Tempos atrás, o combativo jornalista Robert Fisk, do jornal Independent de Londres, considerado progressista para os padrões londrinos, escreveu um artigo intitulado "Sem medo de chamado de anti-semita", em uma profunda e forte crítica à forma como Israel vem tratando os palestinos.
Quando isso vai mudar? Por isso e cada vez mais, apoio a luta do povo palestino, talvez a luta internacionalista mais justa da atualidade a qual todos os patriotas e democratas de todo o mundo deveriam se somar.
* Sociólogo, professor, escritor e arabista.