Sinpro – ABC – O Oriente Médio foi palco de grandes conflitos durante todo o século XX. Quais motivos políticos e militares que estiveram presentes nesses conflitos?
Prof. Lejeune - Tais conflitos tem origem nos projetos coloniais dos impérios. No século XIX, a Inglaterra era a grande potência imperial, que dominava parte do mundo e após o final da I Guerra, com os Tratados de Versailles, ela fica com parte de todo o Oriente Médio, assim como a França outro pedaço dessa região. Paralelo a isso, também desde o final do século XIX, com o início do projeto do sionismo político, formulado inicialmente por Theodor Herzl desde o congresso na Basiléia, Suíça, em 1897, aonde vai se criando no mundo, entre a comunidade judaica, com forte apoio do crescente imperialismo americano, um movimento de migração de judeus para a Palestina, no sentido de "colonizá-la", com um discurso falso, mas amplamente difundido, até mesmo por alguns intelectuais, de que "era preciso dar uma terra sem povo a um povo sem terra". Nada mais falso. Por fim, o cenário no primeiro quarto do século XX, vai se agravar pelas descobertas de grandes lençóis petrolíferos na região, especialmente na Arábia Saudita, no que hoje se chama Kuwait e no Iraque. As potências imperialistas vão querer controlar esse petróleo e vão conseguir fazê-lo, de certa forma, até os dias atuais. No entanto, os conflitos se agravam de forma exponencial a partir de 29 de novembro de 1947, quando a ONU criou de forma artificial o Estado de Israel. Desde essa época, contabiliza-se pelo menos cinco guerras dos israelenses contra os seus vizinhos árabes e agressões violentas contra o sofrido povo palestino.
Sinpro - ABC - O nacionalismo e o antiimperialismo dos povos do Oriente Médio sempre foi uma barreira ao avanço do imperialismo na região. Apesar disto, a maior dificuldade dessas lutas é construir uma unidade entre os países e os povos para enfrentar a ofensiva da França, da Inglaterra, dos EUA, potências que sempre tiveram interesse em ter controle desse território estratégico. Por quê os povos árabes não conseguem se unir para defender a soberania e o direito à autodeterminação dos povos?
Prof. Lejeune - O nacionalismo, de fato, foi um fator muito forte para impedir a completa dominação dos povos árabes, mas, infelizmente, não foi suficiente. Ele foi forte nas décadas de 1940 até meados de 1970. Ele surge na Síria com as idéias de Michel Aflack, um dos fundadores do Partido Socialista Árabe Sírio Baath. Expande-se para o Egito, onde esse partido governa o país até os dias atuais. Cresce no Egito também, especialmente depois da revolução patriótica e nacionalista de 1954, dos coronéis, com Gamal Abdel Nasser à frente. Com a sua morte em 1970 e com uma certa virada política e ideológica do mundo a partir do período 1973 a 1979, quando boa parte do planeta vai passar a ser neoliberal, os estados nacionais vão se enfraquecer profundamente, as coisas vão mudando de rumo também no Oriente Médio. E não só lá, mas lá aquele sentimento nacional, pan-arabista, vai se enfraquecendo e ganham mais forças as correntes entreguistas, das forças aliadas ao imperialismo, como as monarquias sauditas e dos emirados e pequenos reinos, cujos monarcas vivem como nababos e gastam seus petrodólares na Europa e nos EUA, onde mantém casas de veraneio e estudam seus filhos. A unidade dos povos depende de certas situações políticas existentes em termos mundiais. Os povos árabes não são diferentes de outros povos do mundo, cujas mentes são influenciadas pela forte propaganda ideológica de um modelo de economia, de país e de democracia, que atende única e exclusivamente ao capital internacional, que atua sem qualquer barreira. As organizações financeiras mundiais e multilaterais, são fortes, poderosíssimas e moldam e controlam outras instituições no planeta, especialmente a mídia. A correlação de forças hoje é extremamente desigual para nós que lutamos por um mundo justo e igualitário, socialista. Vivemos um ciclo conservador de longa duração. E com os povos árabes isso não se dá de forma diferente. Seus governos, em sua imensa maioria, prestam serviços de vassalagem ao imperialismo americano e inglês. Registre-se pouquíssimas exceções e entre essas esta a Síria, que vive sob a ameaça o império americano, o Irã e os combativos palestinos e suas lideranças (há dúvidas quanto aos rumos que tomarão a Líbia e a Argélia nesse contexto). Os Partidos que defendem a soberania nacional e o direito à autodeterminação dos povos são hoje muito fracos no Oriente Médio.
Sinpro - ABC - Qual sua avaliação sobre a origem e o desenvolvimento dos conflitos relacionados à Questão Palestina? É possível afirmar que a Guerra da Palestina começa, de fato, pela criação do Estado de Israel, em 1948?
Prof. Lejeune - A origem do conflito na Palestina vem, como já disse, do início do século XX. Havia um projeto colonial em curso, com a aplicação do sionismo político. Ocorre a migração judaica para a região, onde, milenarmente, moravam os palestinos e árabes em geral. Sabe-se, por fontes históricas - e também o diz a Bíblia -, que os judeus nunca ocuparam, no passado, todo o território palestino, eram divididos em 12 tribos e lá ficaram por um período de menos de sete séculos. No entanto, mesmo com a diáspora judaica, sempre houve presença de judeus na região, que sempre conviveram em harmonia com os árabes. Mesmo depois do início do império árabe e muçulmano em 632 de nossa era atual, a convivência sempre foi pacífica. Até porque é dever de todo o muçulmano, proteger as pessoas que acreditam no livro sagrado, que é a Bíblia. Poderíamos dar vários exemplos dessa tolerância, mas não vem ao caso agora. O projeto sionista é polêmico e nunca unificou a própria comunidade judaica. Tanto que em Israel vivem 5 milhões de judeus (além de um milhão e meio de árabes) e fora de lá vivem outros 20 milhões. Isso sem falar nos que discordam radicalmente da pregação político-religiosa feita pelo sionismo político de que a terra prometida por Jeová ao povo judeu, que seria Israel, não deveria ser vista como um Israel terreno, mas sim espiritual. No entanto, como você mesmo menciona na sua pergunta, o conflito vai se agravar a partir de 14 de maio de 1948, quando Ben Gurion proclamou o Estado de Israel. A partir desse momento, os grupos terroristas do Irgun, do Haganah e do Stern, chefiados pelo ex-primeiro ministro israelense Menachem Béguin e pelo mesmo e atual Ariel Sharon, partem para o ataque e a agressão a comunidades palestinas para expulsá-las de suas terras, aldeias e cidades para ficar com elas e colonizá-las. Isso pode ser lido e esta bem documentado no excelente livro de Norman Filkenstein, intitulado Imagens do conflito Israel-Palestina (editora Record). a violência dessa época aos dias atuais não parou de crescer.
Sinpro - ABC - Qual o papel da guerra Irã-Iraque nos conflitos do Oriente Médio? Qual o papel dos EUA nesta guerra? E a situação desse país hoje?
Prof. Lejeune - Essa guerra durou oito anos, entre 1980 e 1988. Mais de dois milhões de soldados de ambos os países morreram sem que houvesse necessidade disso. A verdade por detrás desse conflito é que os americanos usaram, por certo tempo, o grupo político de Saddam Hussein, para agredir a jovem revolução islâmica do Irã. Não nos esqueçamos que um ano antes, em 1979, o aiatolá Ruroláh Khomeini, havia liderado uma revolução que derrubou o Xá do Irã, antiga Pérsia, Reza Pahlevi, fiel aliado dos EUA e seu testa de ferro na região. Depois disso, houve o conflito dos reféns da embaixada americana. Assim, mesmo não gostando de Saddam, os americanos lhe financiaram com bilhões de dólares, armaram o Iraque, para que este agredisse o Irã. Depois disso, estabelecido o armistício entre os dois países, Saddam volta a ser o inimigo principal dos americanos, que passaram a fazer de tudo para derrubar o seu governo. Coisa semelhante ocorreu com Osama Bin Laden, no Afeganistão. Quando esse combatia, com a ajuda americana, a ocupação soviética desde 1979 em seu pais, era financiado pelos EUA, a imprensa americana o chamava de "guerreiro da liberdade". Depois da saída dos soviéticos, ele passou a ser o inimigo público número 1 dos Estados Unidos e passou a ser "terrorista". Assim, os EUA apóiam esta ou aquela guerra e mesmo as promovem, de acordo única e exclusivamente com seus interesses políticos, econômicos e estratégicos. Atualmente, o Irã segue sendo uma República Islâmica, esta no chamado "eixo do mal". Não concordo com o fato que essa nação mantenha restrições à organização e à participação popular. No entanto, segue também oferecendo forte combate ao imperialismo norte-americano e defendendo com firmeza a desocupação do Iraque e defende a causa palestina, estas que são talvez as duas maiores causas dos povos que lutam pela emancipação no mundo hoje. A recente vitória do que a imprensa chama de "fundamentalista" Ahmadinejad, novo presidente do Irã, se insere nesse contexto. Não há a menor possibilidade desse país estabelecer qualquer acordo de submissão aos EUA. Ao contrário, segue dando-lhe combate. Veja o caso recente do programa para fins pacífico de enriquecimento de urânio. O Irã não vem se submetendo aos ditames imperialistas e segue seu programa, aceitando inspeções da Agência Internacional, mas sem modificar ou interromper o mesmo. Nunca nos esqueçamos que o único país na região que tem bomba atômica - fala-se em mais de 50 ogivas - é Israel e os EUA faz vistas grossas a esse assunto, pois protege Israel em todos os fóruns internacionais.
Sinpro - ABC - Quais as causas e conseqüências das duas Guerras Imperialistas contra o Iraque, de 1991 e de 2003?
Prof. Lejeune - Ambas as guerras, agressões americanas contra uma nação árabe, têm o mesmo objetivo: enfraquecer e desmontar um dos estados mais consolidados e bem estruturados no Oriente Médio. Exatamente o que mais fazia oposição aos interesses imperialistas na região, que era o Iraque. Mas não só por isso. Existe a questão do petróleo. Os Estados Unidos produzem diariamente apenas 8 dos 20 milhões de barris de petróleo que consomem para movimentar a sua economia. Do que importa, mais da metade vem da Venezuela e dos países árabes, particularmente do Iraque. Assim, eles não poderiam se dar ao luxo de ficar à mercê dos governos desses países. Assim, apoiaram o golpe fracassado contra Chávez em abril de 2002 e invadiram o Iraque em 2003, submetendo esse país aos seus ditames e lá instalando um governo e um parlamento títere, serviçal e lacaio do império americano. Não podemos prever quando e como os EUA sairão do Iraque. Hoje isso não se cogita, pois o país ficaria um caos e a insurgência tomaria o poder. No entanto, o desgaste interno e externo dos EUA, em plano mundial, é cada vez maior. Em algum momento, eles vão ter que se retirar, não só pelos mais de dois mil mortos americanos, nem pelos mais de 200 bilhões de dólares gastos, mas pela acentuada queda de popularidade de Bush, a menor desde a sua posse no segundo mandato e o crescimento da opinião pública, que vê mentiras deslavadas nos argumentos que levaram à invasão do Iraque. É forte a mobilização pela saída americana do Iraque, dentro dos Estados Unidos. Não podemos fazer previsões nem em política nacional e nem internacional, mas acho que eles não resistem até o final do ano que vem em solo iraquiano.
Sinpro ABC - Ouve-se muito falar de "terrorismo". Existem motivos que, em várias partes do mundo, qualificam Bush e sua política como os principais representantes do "terrorismo internacional". O próprio SINPRO ABC participa de uma campanha junto com o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta Pela Paz (CEBRAPAZ) e dezenas de outras entidades, que visa julgar George W. Bush por crimes de Guerra contra a humanidade. Qual a diferença entre "terrorismo" e direito à resistência dos povos diante de uma invasão estrangeira ou diante de um governo antidemocrático e antipopular?
Prof. Lejeune - Venho tratando desse assunto em minha coluna semanal às quintas-feiras no portal Vermelho (www.vermelho.org.br). A grande imprensa e a mídia em geral chama de "terrorista" todos os que lutam de armas nas mãos e que resistem à ocupação de seus países pelas potências imperiais. A própria Folha de São Paulo foi criticada pelo seu ombudsman internamente, pelo uso indiscriminado do termo para designar lutadores e combatentes palestinos, mas o mesmo termo - "terrorista" - nunca é utilizado contra soldados israelenses que cometem barbaridades contra mulheres e crianças palestinas. Já citei Osama Bin Laden. Ele era "libertador" quando amigo dos EUA e agora é o "terrorista" nº 1, o mais procurado. Saddam era "presidente Saddam" durante a guerra Irã-Iraque, depois virou "ditador" Saddam. Terrorismo é uma forma de ação violenta, que vem sendo adotada há milhares de anos por pessoas e povos em suas histórias para tentar atingir seus objetivos políticos. O primeiro terrorista da história foi Sansão, aquele herói lendário bíblico judeu, que lutava contra os filisteus, povo ancestral dos palestinos. Quem não conhece a passagem bíblica onde ele, preso e cego, preferiu derrubar o templo matando mais de 3 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças que assistiam a um espetáculo de arena? Isso por acaso não é terrorismo? O pior nisso tudo é misturar essas ações, de jovens, homens e mulheres, que muitas vezes usam os seus corpos como as únicas armas que têm disponível para a sua luta e imolam-se na ação, noticiando isso como se fosse uma ação religiosa. Claro, muitos desses jovens fazem isso pensando na questão do Islã, da religião. Mas, o Islã não aprova tais atitudes. E a mídia aproveita isso para manchar o nome tanto da religião como dos seus seguidores, para indispor o mundo contra os muçulmanos e particularmente contra árabes. Mas porque fazem isso apenas contra o Islã? Ao acaso, aquele terrorista que explodiu o prédio do FBI em Oklahoma, Timothy MacVeigh, não era um terrorista e um fundamentalista cristão? Porque não o chamam dessa forma? Hitler nunca é citado como o "ditador cristão Hitler". O próprio Bush, não é ele mesmo um fundamentalista cristão e um dos maiores terroristas que a humanidade conheceu? A grande discussão intelectual que se faz hoje é qual a causa do terrorismo e como fazer para combater esses atos. Alguns dizem - como Blair na Inglaterra - que a origem do terrorismo é a fome que assola o mundo, a miséria e que combatendo isso, acaba o terrorismo. Eu acho que a origem do terrorismo é o imperialismo político e cultural que os EUA exercem no mundo, quando dominam e oprimem os povos de todos os países, com sua máquina de guerra, a sua ideologia e seus valores ocidentais, que eles tentam impor a todos. Não vejo solução em curto prazo para esse tipo de ação, que se chama de "terrorismo". O objetivo é chamar a atenção e causar dor nos inimigos de quem se combate, mesmo que para isso vidas inocentes sejam sacrificadas. Veja o caso dos quase 3 mil mortos em 11 de setembro de 2001 nas torres gêmeas em NY. Nesse mesmo dia e todos os dias em todo o mundo em todos os anos, mais de 30 mil (dez vezes mais dos que morreram nas torres), crianças, velhos, jovens, mulheres, morrem de fome, subnutrição e doenças curáveis. Quem é o assassino dessas 30 mil pessoas? Quem é o responsável por essas mortes, quem é esse "poderoso terrorista"? Não tenho dúvida alguma: é esse sistema capitalista neoliberal que provoca todas essas mortes. Mas para essas mortes, ninguém chora e a mídia não dá cobertura. Não apoio à ação de um(a) jovem, que envolve seu pequenino corpo com bananas de dinamite e se explode em algum local público, matando-se e com ele(a) outras dezenas de pessoas. Acho que devemos buscar outras formas de combater os inimigos. No entanto, consigo compreender porque esse(a) jovem tomou essa atitude. Muitas vezes seu pai perdeu a sua casa, foi preso e morto, sua mãe esta desempregada e ele(a) não vê nenhuma perspectiva de melhorias em sua sofrida vida, que não tem mais sentido algum e então toma essa atitude. Um dia, o mundo em que viveremos não terá mais a necessidade de jovens morrerem assim dessa forma. Espero. Por fim, quanto ao julgamento de Bush. É certo que vamos fazê-lo e tudo indica que deverá ocorrer no dia 21 de abril de 2006, durante a realização do Fórum Social Brasileiro que deverá ocorrer em uma capital nordestina, provavelmente Salvador. Mais de 20 entidades nacionais de grande expressão estão apoiando esse evento, entre elas a CUT, a UNE, UBES, o MST, a OAB, a CONAM, a Contee, a UBM, UJS, CGT, UBE, Fenam, Unegro, Conen, diversas Igrejas e tantas outras entidades e segmentos da sociedade civil. Pretendemos instalar um tribunal moral, de consciência para julgar Bush, nos moldes do que foi o Tribunal Bertrand Russel em 1967 que condenou moralmente os EUA por crimes de guerra contra o Vietnã.