Karl Marx e o Pensamento Revolucionário do seu Tempo

Prof.Lejeune Mirhan - 13-01-2021 6259 Visualizações

Este texto é parte integrante do curso básico sobre a vida e a obra de Karl Marx, que venho ministrando e desenvolvendo desde 1985, quando lecionei Sociologia Marxista por muitos anos em uma universidade no interior de São Paulo. Leio e estudo o pensamento de Karl Marx, de forma sistemática e disciplinada desde 1975 – dez anos antes de tornar-me professor universitário –, quando li um primeiro livro sobre seu pensamento. Este texto é apenas um resumo de seu pensamento e de suas obras. Não substitui, jamais, a necessidade da leitura de suas obras integrais.

 

A estrutura deste trabalho seguirá uma ordem de desenvolvimento intelectual, sendo que na primeira parte falarei de forma resumida sobra a trajetória de vida desse que foi o maior intelectual do século em que viveu, o XIX, e seguramente está entre os maiores pensadores que a humanidade conheceu em toda a sua história. Adotarei como roteiro geral de apoio à produção deste trabalho a excelente obra biográfica de Karl Marx, escrita pelo autor inglês Francis Wheen, lançado no Brasil em 2001 pela editora Record.

O plano e a estrutura geral deste trabalho seguirão os seguintes blocos/capítulos:

  1. A vida de Karl Marx;
  2. Principais obras de Karl Marx;
  3. Aspectos da sua filosofia;
  4. Aspectos de seu pensamento sociológico;
  5. Aspectos do seu pensamento econômico;
  6. Citações e excertos do pensamento marxista (Marx, Engels e Lênin) e
  7. Bibliografia geral, de apoio e recomendada.

É preciso destacar que meu trabalho se apoia em uma pequena brochura escrita por Lênin e intitulada As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. Como é obra de domínio público, várias editoras no Brasil publicam este pequeno trabalho que tem em torno de cem páginas (incluindo outros artigos de Lênin sobre Marx e Engels)[1]. Recomendo a leitura às pessoas que queiram conhecer o marxismo, sem necessariamente se aprofundar e ter que ler a maior parte dos livros que Marx escreveu.

Será nesse trabalho que Lênin resumirá que o pensamento de Marx sofreu influência direta da filosofia clássica alemã, através dos seus dois grandes filósofos, que foram Friedrich Hegel e Ludwig Fuerbach. Sofrerá influência do chamado socialismo utópico dos franceses, ou sociologia, em especial Charles Fourier e Saint-Simon. Por fim, Marx recepcionará o pensamento econômico – em sua grande parte, inclusive – dos economistas da escola fisiocrata inglesa, como Adam Smith e Davi Ricardo.

Todos esses capítulos deste pequeno trabalho – que em breve será transformado em livro intitulado Marx para principiantes – tem muitas notas de referência, apoiadas em muitos outros autores marxistas. Como parte destes escritos foram produzidos em outros momentos de minha trajetória intelectual, quando achar que seja necessário comentários atualizados, estes virão entre colchetes. Isso para não poluirmos as notas de rodapé, deixadas mais para citações bibliográficas mesmo.

Quero ainda recomendar a todos/as que queiram se aprofundar nos estudos do pensamento marxista, a leitura de um livro, que é um manual, chamado Princípios fundamentais de filosofia, cujo nome de George Politzer aparece na capa do mesmo, mas este foi escrito por dois de seus discípulos, que fizeram com ele o curso de filosofia marxista durante o período da II Guerra Mundial, mas na clandestinidade, nos locais onde a Resistência dava seu combate ao nazismo e ao fascismo. Politzer fora um filósofo marxista de origem húngara, nascido em 1903 e assassinado por Hitler em 1942, pela sua polícia política chamada Gestapo. Os escritores do livro, que é estruturado mesmo como um manual, foi escrito por Guy Besse e Maurice Caveing, que, a partir de suas anotações nas aulas do curso clandestino, puderam trazer à luz essa obra monumental. Prestaram uma homenagem ao seu mestre colocando seu nome na capa do livro. É preciso dizer, claro, que o livro não passou por atualizações desde a sua primeira publicação em 1946, posterior à morte do mestre. O prefácio da última edição, que é a tradução brasileira direta do francês, foi de 1954. Recomendo fortemente a leitura integral dessa obra monumental. Por suposto, alguns dos exemplos que os autores mencionam estão tão distantes de nossas realidades e do mundo que vivemos atualmente, que algumas poderão parecer estranhas aos e às leitoras, mas nada disso tira o grande mérito da obra.

Boa leitura a todos/as.

Prof. Lejeune Mirhan

(inverno de 2020).

[1] A minha edição é da Editora Expressão Popular, tem apenas 94 páginas e a edição é de 2001. O artigo mesmo que recomendo, As três fontes, tem apenas sete páginas, indo da pág. 63 até a 70. Além disso tem mais os seguintes capítulos muito bons, resumidos e curtos, intitulados: “Marx”; “Engels” e “Carta a um camarada”, todos muito bons, didáticos e bem fundamentados.

 

  1. A vida de Karl Marx

Karl Marx nasceu na cidade de Trier (ou Tréveris, região da Renânia) em 5 de maio de 1818, na antiga Prússia, hoje Alemanha e veio a falecer na cidade de Londres em 14 de março de 1883, antes de completar 65 anos. Como a Prússia deixaria de existir, ele morreu como apátrida. Viveu a maior parte de sua vida em Londres. Em 2018 completou 200 anos de seu nascimento, que foi comemorado em todos os países do mundo. Sua formação acadêmica principal ocorreu em direito, mas estudou a fundo também economia e filosofia. Fez seu doutorado em 1841 com a tese sobre a filosofia em Epicuro. Exerceu a função de redator em diversos jornais revolucionários da sua época. Jamais advogou, como seu pai queria.

Marx era filho de Henriette Pressburg (1788-1863) e do advogado proeminente Dr. Henrich Marx, ambos de origem judaica. Seu pai era descendente de rabinos famosos na região. Em certo momento de sua vida, o pai de Marx acabou tendo que renunciar ao judaísmo, em função do antissemitismo forte na Europa e se converteu ao protestantismo luterano. Desde seu ingresso na Universidade de Bonn (no segundo ano transferiu-se para a Universidade de Berlim), o jovem Marx se aproximou dos círculos de jovens hegelianos. O filósofo mais importante da época que lecionou toda a sua vida na Universidade de Berlim, Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), por quem foi influenciado, ainda que eles não tenham se encontrado (Hegel morre quando Marx tinha apenas 15 anos).

Marx exerceu uma parte de sua vida a função de jornalista. Escrevia regularmente para o jornal Kheinische Zeitung (que significa Gazeta Renana), um jornal radical (mas não revolucionário de esquerda) da cidade de Colônia. Esse jornal acabou sendo fechado pelos sensores prussianos. Marx chega a ser convidado para ser o redator do Diário Oficial do reino da Prússia, convite esse que ele recusa, claro.

Em 1841, com apenas 23 anos, Marx conclui seu doutorado (uma espécie de trabalho apresentado ao final dos cursos de graduação para exercer a função de advogado). Sua tese foi Sobre as diferenças da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro (filósofos chamados pré-socráticos e dialéticos). Na Universidade de Berlim, ele ingressa no Clube dos Doutores e, apesar de ser o mais jovem, era o mais respeitado por todos os mais antigos membros. O líder era Bruno Bauer, também ele jovem hegeliano. Bauer acaba sendo demitido da Universidade, onde lecionava teologia e fora acusado de praticar o ateísmo. Nesse momento, Marx desiste de uma possível carreira acadêmica em função de suas ideias e concepções de mundo. Lênin, em seu artigo intitulado Karl Marx[1] menciona que Marx, em sua juventude acadêmica e logo após a sua formatura em Berlim, como um “jovem hegeliano de esquerda”. De fato, isso é verdade, mas posteriormente irá romper com o pensamento de Hegel, considerando-o idealista. Ficaria mais próximo de Fuerbach, que se encontrava mais à esquerda. No entanto, também romperia com esse mais tarde.

Na interpretação de Marx sobre o pensamento de Hegel, ainda que esse tenha sido até a sua época o maior filósofo alemão, o pensamento hegeliano entendia que as ideias criavam a realidade. Em oposição a isso, Marx já tinha claro que as ideias decorrem do movimento real, que é transposto para nosso cérebro. Há uma diferença entre pensamento/ideias/mente e matéria/cérebro. Isso os chamados materialistas dialéticos da época não conseguiam compreender. Assim, pensamento e consciência são decorrentes do cérebro humano. Como viria a dizer Engels posteriormente nesse debate, a questão primordial passaría a ser, para os marxistas, responder o que era primordial, se o espírito ou a natureza. Daí o termo “materialista dialético”.

Marx sofre grande influência da filosofia hegeliana, como a maioria da época, principalmente no aspecto da chamada dialética idealista. Também teve forte influência do conceituado filósofo alemão Ludwig Fuerbach (1804-1872). Tenta combinar o pensamento de ambos na estruturação de um pensamento comum. Posteriormente, rompe com ambos os filósofos, sem rejeitar, no entanto, boa parte de seus pensamentos, tal qual viria a fazer também com os aspectos de seu pensamento econômico, como veremos mais à frente.

Na redação do jornal Gazeta Renana, em 1842, ele conhecerá Friedrich Engels, filho de um grande industrial de Manchester, na Inglaterra. Engels será seu fiel amigo e apoiador (inclusive financeiramente) até sua morte em 1883, por longos 41 anos.

Marx, desde a faculdade, já chamava a atenção das pessoas, dos seus colegas, de professores e intelectuais. Engels registra que, quando o conheceu, ele já era famoso em vários países da Europa. Nessa época, Marx tinha apenas 24 anos. Engels, depois disso, até fez uma poesia dedicada ao seu novo amigo de tão emocionado que ele ficou[2].

Em 1843 Marx casa-se em Kreuznach, com Johanna Bertha Julie von Westphalen, nascida em 1814 (ela era quatro anos mais velha que Marx) e falecida em Londres em 1881, dois anos antes de Marx. Ela era sua amiga de infância, mas pertencia a uma família reacionária, tendo seu irmão sido ministro do Interior da Prússia por oito anos no governo reacionário e de monarquia absoluta prussiano. O casal teve sete filhos, sendo que um deles nasceu morto. Dos seis restantes, Marx viu morrer quatro dos seus filhos, a saber (além de sua própria esposa): Henry (1850), Jenny Eveline (1852), Edgar (1855) e Jenny Caroline (1883, pouco antes de sua morte). Uma tragédia ainda maior ocorreria após a sua morte.

As duas outras filhas, também Jenny, seguiram como ativistas políticas, sendo que Jenny Eleanor suicidou-se em 1898, e última a morrer, Jenny Laura, casada com o médico francês e ativista político, Paul Lafarge, suicidam-se juntos em 1911. Eles estão enterrados no famoso cemitério Père-Lachaise, o mais famoso em Paris (eu o visitei como aos principais túmulos de personalidades que lá estão enterrados). Ninguém menos que o jovem comunista russo, Vladimir Ilyich Oulianov, conhecido como Lênin, então já famoso mundialmente e com 41 anos, fez o discurso no enterro de Laura e Paul, ambos grandes ativistas do socialismo. Não deve ter sido nada fácil para as duas filhas que sobreviveram à morte do pai, sustentar o peso de serem filhas de Karl Marx, maior filósofo da época.

Devido à sua militância ativa, Marx sempre foi perseguido. Teve que deixar a Alemanha, mudando-se para a França. Em 1845 foi expulso desse país, tendo que ir morar em Bruxelas, na Bélgica. Nesse país, inicia-se não só uma longa parcería com seu amigo Friedrich Engels, como passam a escrever alguns dos seus principais livros.

Nesse mesmo período Marx debruça-se sobre o conjunto da obra de Adam Smith. E muitos outros autores. Ele irá ler dezenas de livros e faria anotações em folhas à parte, às quais jamais foram publicadas em vida. Tal qual com o livro A ideologia alemã, esses manuscritos (fala-se em mais de três mil folhas) só foram compilados e publicados em 1932, pela antiga União Soviética. Ele leva o nome de Manuscritos econômicos e filosóficos. Ainda que seja um Marx jovem a caminho de sua maturidade intelectual, posteriormente se verificou – quando da publicação – que Marx já se aprofundava tanto na filosofia materialista e dialética (que levaría o nome de marxista) quanto no aspecto de seu pensamento econômico.

Será nesse trabalho que ele teorizará sobre um dos seus temas mais importantes e centrais que é o conceito de alienação. Aqui ele não discute apenas a “alienação” como venda do trabalho para os patrões como veremos mais adiante. Ele menciona outras dimensões da alienação, como com relação ao que o trabalhador produz, com relação à natureza e ao seu “eu” individual e com relação aos outros seres humanos. Esse é o momento que o trabalho se torna impessoal. São discussões de caráter mais filosóficas do que econômicas. Marx relaciona diretamente a alienação por causa da tirania do dinheiro.

No ano de 1947, Marx se aproxima da Liga dos Justos, que posteriormente, no Congresso de dezembro desse ano, viraría Liga dos Comunistas e ele e seu amigo Engels ficaram incumbidos de redigir o famoso Manifesto (mais informações mais adiante). Há uma passagem folclórica nessa redação. Até início fevereiro do ano seguinte, Marx não tinha esboçado o texto ainda. Como muitos escritores, ele fica “travado” (eu às vezes me sinto assim). Pois o presidente da Liga lhe envia uma carta como que lhe dando uma “advertência” para que produza logo o texto solicitado, que acabará por sair em seguida.

Em 1949, na absoluta impossibilidade de Marx e sua pequena família seguirem morando no continente europeu (França e Bélgica, além da sua Alemanha e Prússia, ele acaba mudando-se para Londres, que era uma cidade cosmopolita, liberal com imigrantes. Morará nessa cidade até sua morte em 1883 (vive por lá por 34 longos anos. Foi nesse ano que ele escreve Trabalho assalariado e capital. Esta obra será a primeira que nosso jovem filósofo tratará do tema que marcará a sua obra, que é o trabalho na forma assalariada dentro da sociedade capitalista. Aqui nesta obra também ele anunciará seu conceito sobre o significado de mais-valia (que alguns autores preferem chamar de mais-valor) e também de propriedade privada dos meios de produção (que são os instrumentos, ferramentas e tudo o mais necessário para que as coisas e serviços possam ser produzidas, cuja propriedade é privada no capitalista e pertencente aos patrões, empregadores, burguesia).

Em 1852 Marx, que tinha apenas 34 anos, reúne seus escritos realizados entra 1848 e 1851 relacionados ao governo de Luíz Bonaparte III. Como sabemos, esse Luíz Bonaparte, tal qual seu tio havia feito em 1800, proclama-se imperador da França, através de um golpe de estado. Nesta obra Marx vai esboçar em um primeiro momento, outros conceitos fundamentais de seu pensamento, em especial o da luta de classes no decorrer da história, ditadura do proletariado e revolução proletária. Ele diz que não se trata de aperfeiçoamento do estado burguês, mas sim da sua substituição. Aqui Marx dá uma lição de política, quando menciona que um governante monarquista pode muito bem manter o status quo de um estado burguês, desde que seus interesses sejam os mesmos.

Interrompidos por problemas de saúde por dois anos, Marx retoma seus estudos no Museu Britânico em 1957, em especial sobre economia. Os registros do museu atestam que ele chegava normalmente às 9h e jamais saia antes das 19h, quando ao voltar para a sua casa, adentrava madrugada adentro na continuidade das suas leituras e anotações. Ele tinha uma espécie de lugar cativo a ele reservado para as suas pesquisas.

A Associação Internacional dos Trabalhadores

 

Na trajetória da vida de Marx, convém ressaltar e enaltecer as suas relações com a organização que foi a primeira entidade em plano internacional que aglutinava trabalhadores, sindicalistas e partidos políticos de esquerda que já existira na história. Exatamente no dia 28 de setembro de 1864, quando Marx tinha 46 anos, ocorre o 1º Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores – AIT, uma espécie de partido comunista internacional, que tería a função de dirigir as lutas dos trabalhadores em todo o mundo, ou pelo menos apoiá-la.

Nesse Congresso, estiveram presentes em torno de dois mil delegados vindos de vários países europeus. Marx, por certo, era a figura central e de maior destaque nesse evento, ainda que ele não tenha discursado. Ele fora incumbido de redigir o manifesto da entidade e seus estatutos. Além de muito respeitado por todos, já mundialmente conhecido, Marx era fluente, entre outras línguas, em alemão (seu idioma nativo) e mais francês e inglês.

Havia uma profunda luta interna entre os delegados presentes, que perduraria até a entidade vir a ser dissolvida em 1872 e que se manifestou de forma aguda em todos os seus cinco congressos realizados. De um lado, os comunistas (marxistas), nem sempre maioria no início, que defendiam a luta política dos trabalhadores organizados e a tomada do poder político pelo proletariado, bem como a destruição do sistema capitalista. De outro lado, liderado por Pierre-Joseph Proudhon, de origem francesa e adepto do anarquismo, a quem Marx já havia combatido em diversos artigos e debates. Eles não pregavam o fim do capitalismo e viam até como limitado a ação sindical por reivindicações econômicas (os comunistas também viam limites na ação sindical que era meramente economicista, mas incentivavam a participação nessas entidades como forma inicial de organização do proletariado).

A Internacional, como era conhecida (havería depois dessa primeira, mais duas Internacionais), elegeu desde o primeiro Congresso em Londres, um conselho geral provisório (mantido no segundo Congresso) realizado entre os dias 3 e 8 de setembro de 1866 na cidade de Genebra, na Suíça. Desde o primeiro Marx fora eleito para o Conselho geral, órgão dirigente (no segundo Congresso Marx não esteve presente). Marx até relutou em entrar no CG, pois dizia que ele tinha que ser composto por operários e proletários em geral e reconhecida sua origem de classe pequeno burguesa.

Desde o Congresso de sua fundação, a AIT prestou solidariedade aos diversos movimentos dos trabalhadores que ocorriam em várias partes do mundo. Destaca-se aqui o seu apoio à guerra civil nos Estados Unidos, que os livros de história chamam de Guerra da Secessão. A AIT declarou seu apoio incondicional à União, que lutava contra os estados escravistas do Sul dos Estados Unidos. Aqui é importante fazer um registro. Abraham Lincoln, que foi o 16º presidente dos EUA, assassinado em 15 de abril de 1865 e que foi o melhor presidente entre os seus 45 que houve naquele país (em 56 eleições até novembro de 2016), filho de operários e que chegou a ser lenhador antes de formar-se em direito, lera a obra de Karl Marx[3]. Isso redundou no envio de uma carta da AIT à Lincoln, redigida e assinada por Marx, datada de 22 de novembro de 1864, saudando a reeleição de Lincoln[4].

A Comuna de Paris

O ano de 1871 foi particularmente importante pela eclosão do que viria a ser conhecida na história como a Comuna de Paris. Marx e Engels consideraram essa experiência como a primeira ditadura do proletariado na história. Isso ocorre pela capitulação da burguesia francesa e sua rendição à Prússia, que o proletariado de Paris não aceitou, junto com a guarda nacional. Há controvérsias entre historiadores sobre o tempo que ela durou. Nós trabalhamos com a data de 18 de março de 1871 como o dia da sua eclosão que perdura até 28 de maio do mesmo ano, ou seja, exatos 71 dias. Também há divergência entre o número de mortos, apontados como oficialmente de apenas 6.667, mas que fora muito além disso. A maioria dos historiadores menciona entre 10 mil e 20 mil comunardos assassinados pela burguesia francesa, cujos corpos estão enterrados em valas comuns jamais identificadas[5].

A experiência da Comuna de Paris em 2021, comemorará 150 anos, que foi destituído todo o poder burguês local e instaurando um poder operário e proletário. Conforme diz Marx posteriormente, essa situação em Paris era como se os operários "tivessem tomado o céu de assalto". Publico a seguir, a título ilustrativo, as medidas revolucionárias e muito avançadas (até os dias atuais) que foram adotados pelos revolucionários parisienses.

Conjunto de medidas adotadas pelos comunardos ao tomarem o poder na Cidade de Paris em março de 1871: 1. O trabalho noturno foi abolido; 2. Oficinas que estavam fechadas foram reabertas para que cooperativas fossem instaladas; 3. Residências vazias foram desapropriadas e ocupadas; 4. Em cada residência oficial foi instalado um comitê para organizar a ocupação de moradias; 5. Todas os descontos em salário foram abolidos; 6. A jornada de trabalho foi reduzida, e chegou-se a propor a jornada de oito horas; 7. Os sindicatos foram legalizados; 8. Instituiu-se a igualdade entre os sexos; 9. Projetou-se a autogestão das fábricas (mas não foi possível implantá-la); 10. O monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários foram abolidos; 11. Testamentos, adoções e a contratação de advogados se tornaram gratuitos; 12. O casamento se tornou gratuito e simplificado; 13. A pena de morte foi abolida; 14. O cargo de juiz se tornou eletivo; 15. O calendário revolucionário foi novamente adotado; 16. O Estado e a Igreja foram separados; a Igreja deixou de ser subvencionada pelo Estado e os espólios sem herdeiros passaram a ser confiscados pelo Estado; 17. A educação se tornou gratuita, laica e compulsória. Escolas noturnas foram criadas e todas as escolas passaram a ser de frequência mista; 18. Imagens santas foram derretidas e sociedades de discussão foram adotadas nas Igrejas; 19. A Igreja de Brea, erguida em memória de um dos homens envolvidos na repressão da Revolução de 1848, foi demolida. O confessionário de Luís XVI e a coluna Vendôme também; 20. A Bandeira Vermelha foi adotada como símbolo da Unidade Federal da Humanidade; 21. O internacionalismo foi posto em prática: o fato de ser estrangeiro se tornou irrelevante. Os integrantes da Comuna incluíam belgas, italianos, poloneses, húngaros; 22. Instituiu-se um escritório central de imprensa; 23. Emitiu-se um apelo à Associação Internacional dos Trabalhadores; 24. O serviço militar obrigatório e o exército regular foram abolidos; 25. Todas as finanças foram reorganizadas, incluindo os correios, a assistência pública e os telégrafos; 26. Havia um plano para a rotação de trabalhadores; 27. Considerou-se instituir uma Escola Nacional de Serviço Público, da qual a atual ENA francesa é uma cópia; 28. Os artistas passaram a autogestionar os teatros e editoras; 29. O salário dos professores foi duplicado[6].

A partir da observação e análise desse movimento revolucionário, Marx escreve nesse mesmo ano o seu livro Guerra civil na França. Essa obra, foi publicada posteriormente por Engels em 1891, quando a Comuna completou 20 anos. Ela é na verdade o discurso de Marx proferido no 5º Congresso da Internacional de 1872 realizado em Haia, Holanda, entre 2 e 7 de setembro desse ano. O exemplo da Comuna de Paris foi, para Marx, a prova concreta de que sua teoria era viável: de que o proletariado poderia e deveria na verdade, tomar o poder.

O aspecto mais marcante do ano de 1873, foi a publicação da segunda edição de O capital, com o prefácio do próprio Marx, mencionando pequenos ajustes que ele havia feito. Marx, já com 55 anos e mundialmente famoso, envia em outubro, um exemplar dessa edição com dedicatória a ninguém menos que Charles Darwin. Engels, posteriormente faria uma ligação entre os dois homens quando disse “assim como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza humana, Marx descobriu a lei da evolução da história humana”[7]. Marx, desde a publicação de Origem das espécies, de Charles Darwin em 1859, era um entusiasta dessa obra, tendo dito à Engels em 1860 que “apesar de ser redigido no tosco estilo inglês, este é o livro que contém a base de nossa visão na história natural”. Para seu outro amigo, Ferdinand Lassalle (1825-1864), teórico socialista alemão, Marx disse: “o livro de Darwin é muito importante e me serve de base, na ciência natural, para a luta de classes na história”[8].

Como disse Lênin, o que se passou a chamar de “marxismo” nada mais é do que um conjunto e sistemas de ideias e concepções de Karl Marx. E, como dissemos, ele vai beber da sabedoria da filosofia clássica alemão, do socialismo francês e da economia política inglesa.

Últimos anos de vida de Marx

Nos seus últimos anos de vida, Marx é acometido de várias enfermidades e diminui a sua participação em eventos fora de Londres, ficando em casa a maior parte do tempo. Escrevia muitas cartas (manuscritas) por dia para muitas pessoas com as quais se correspondia. Estas cartas, muitas vezes com dezenas de páginas, ele expunha pontos de vista que interpretavam aspectos do seu pensamento, que acabaram virando textos explicativos de algumas das suas importantes obras. Ao mesmo tempo, Marx aproveitava as cartas para contestar também aspectos de pensamento dos seus adversários políticos, desconstruindo ideologicamente essas posições que ele considerava equivocadas.

Aqui uma observação geral. Sempre disse que não é possível que uma pessoa possa ser “apenas” marxista e não se apresente também como “leninista” (seguidora do pensamento de Vladimir Lênin, líder bolchevique da Revolução Russa de 25 de outubro de 1917, ou 7 de novembro pelo novo calendário). Até porque Marx fala do Partido, lança até o “seu” Manifesto, mas jamais fundou o partido. Marx critica em várias passagens de sua obra o estado burguês, mas jamais teorizou em profundidade sobre esse tema. Por fim, o capitalismo na época de Marx era chamado de concorrencial e hoje é monopolista e financeiro. Só Lênin teorizaria sobre Partido, Estado e financeirização do capital (neste último aspecto na sua magistral obra Imperialismo etapa superior do capitalismo), publicado em abril de 1917, antes da eclosão da revolução de outubro desse ano.

Desde o ano de 1873 a saúde de Marx vinha se deteriorando, tendo ele recebido orientação dos seus médicos de diminuir drasticamente sua atividade de trabalho intelectual (leituras e escritas), orientação essa que ele jamais acataria. Passou os seus últimos anos em Londres preparando e organizando os originais dos volumes subsequentes de O capital, que não conseguiria publicar em vida. Intensificou estudos sobre a situação política e econômica da Rússia, sem jamais imaginar que a revolução socialista que ele idealizara em seus escritos ocorreria nesse país atrasado, semi feudal (ele imaginava a revolução na Alemanha ou Inglaterra). Como um gênio, diversificou seus conhecimentos e estudos, tendo nesses seus 10 anos de vida que lhes restariam, estudado geologia, física e matemática (tenho um livro dele em francês intitulado Écrits mathématiques du Karl Marx).

Em 1881 Marx perde sua amada esposa Jenny e no ano seguinte, falece a sua filha mais velha, nascida em 1844. Seus últimos dias de março de 1883 foram atormentados por laringite, bronquite (Marx fumava charutos), insônia, suores noturnos. No dia 14 de março de 1883, uma quarta-feira, quando Engels foi visitá-lo às 14h30 como fazia habitualmente, Lenchen, como era conhecida a governanta de sua casa Helena Demuth, diz a Engels que Marx estava “semiadormecido” em sua poltrona favorita de leitura, próximo da lareira. Quando os dois entraram no quarto, uns minutos depois, Marx estava morto. Engels diria depois ‘a humanidade tem uma cabeça a menos... e era a cabeça mais notável de nossa época”.

Marx sería sepultado no dia 17, no famoso cemitério de Hightgate, no local onde sua esposa havia sido sepultada 11 meses antes (e no mesmo local onde sua governanta também sería enterrada em 1890). Engels, em um discurso emocionado para um pequeno público de 11 pessoas apenas – a imprensa londrina praticamente ignorou o episódio – descreveu seu amigo de mais de 40 anos como o maior gênio revolucionário da história, tendo dito “seu nome e sua obra perdurarão através dos séculos”[9].

 

[1] Que pode ser lido no livro da editora Expressão Popular, mencionado na bibliografia intitulado As três fontes escrito por Lênin, em 2001.

[2] Só conheço um filme feito sobre a vida de Marx, que é O jovem Marx, lançado no Brasil em 2017, do diretor Raoul Peck e que tem 1h58 de duração. O YouTube disponibiliza para assistir grátis no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=2M5vo2n6G7Y. Muito bem feito o filme, que retrata Marx até a idade mais ou menos de 44 anos. Recomendo fortemente.

[3] Isso é mencionado pelo historiador Léo Hubermann em seu livro História da riqueza do homem, editado no Brasil pela LTC, publicado em 1986 com 286 páginas.

[4] Que pode ser lida neste endereço: https://bit.ly/30FqOwG. Atentem ao termo que Marx usa para se referir ao slogan do primeiro mandato, que foi “Resistência ao poder escravista”, no segundo mandato o slogan já sería: “Morte à escravatura”. Apenas por isso já se vê a importância, o papel e a comprovação que Lincoln fora mesmo o melhor presidente da história dos EUA.

[5] Quando estive em Paris em 2003 para um Congresso sindical de profissionais liberais em 2003, visitei o cemitério mais famoso da capital francesa, que é o Père-Lachaise. Ali existe apenas uma placa que homenageia os comunardos.

[6] Estes itens foram obtidos na Wikipédia e podem ser lidos com mais informações no link https://pt.wikipedia.org/wiki/Comuna_de_Paris.

[7] Essa declaração foi extraída da página 336 do livro Karl Marx, a melhor biografia do filósofo revolucionário alemão, escrita pelo autor inglês Francis Wheen, editado no Brasil em 2001 pela Record, com 404 páginas.

[8] Essas citações estão no mesmo livro sobre Marx, de Francis Wheen, na página 337.

[9] Estas descrições que fiz aqui dos últimos momentos da vida de Marx eu me baseei na sua biografia, já aqui citada, nas páginas 352-354.

 

  1. As principais obras de Karl Marx

As obras completas de Marx e Engels, juntas – incluindo correspondência, pequenos artigos, palestras e todos os seus livros –, publicadas na ex-URSS e em alguns países europeus, reúnem cerca de 40 volumes. No Brasil nunca tivemos essa publicação integral, mas apenas livros isolados ou as chamadas obras escolhidas. Algumas das principais obras de Marx, em ordem cronológica de publicação são as seguintes: Sobre a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – 1844; Teses Sobre Fuerbach – 1845; A Sagrada Família – 1845 (com Engels); A Ideologia Alemã – 1845 (com Engels); A Miséria da Filosofia – 1847; O Manifesto do Partido Comunista – 1848 (com Engels); O 18 Brumário de Luiz Bonaparte – 1852; Sobre a Crítica da Economia Política – 1859 e O Capital – 1867.

Sobre essas obras cabe destacar dois comentários. Um sobre a publicação do Manifesto, ocorrida em fevereiro de 1848. Em dezembro de 1847, ocorreu o Congresso da Liga dos Justos que nesse mesmo congresso sería transformada em Liga dos Comunistas e os delegados delegaram a Marx e a Engels a tarefa de redigir um manifesto em nome da entidade, que viesse à público para que o mundo conhecesse as ideias dos que seriam posteriormente conhecidos como comunistas. O final de dezembro e todo o mês de janeiro de 1848 foram dedicados à redação dessa obra, cuja primeira edição ocorreu em alemão. É obra de certa forma datada, de análise de conjuntura da época de sua publicação, mas guarda dentro de si importantes ensinamentos que ajudam os proletários a se armarem para as suas lutas. É uma época em que ainda não está definitivamente consolidado o pensamento econômico de Marx, que viria a ocorrer quando ele publica a Crítica à economia política, conhecido mais como os Grundisses, publicado em 1859, oito anos antes de vir ao mundo a sua obra magistral, que foi O capital.

 

Ainda sobre essa obra, O Manifesto, foi nela que, entre outras coisas e frases de efeito, Marx e Engels cunharam a famosa frase Proletários de todos os países, uni-vos! Nada tendes a perder senão os grilhões que vos aprisionam. Até meados da década de 1970, O Manifesto era considerada a obra mais traduzida e com maior tiragem de publicações em todo o mundo, superando até mesmo a Bíblia.

Marx e Engels escrevem os livros A ideologia alemã (que acabou não sendo publicada e só veio à luz em 1932), onde também criticam os três principais filósofos do movimento jovens hegelianos como Bruno Bauer (o que fora expulso da Universidade de Berlim acusado de ateísmo), Max Stirner e o próprio Ludwig Fuerbach. Sobre este último, Marx escreveria um livro especialmente para ele, Teses sobre Fuerbach, onde ele, de forma simples e direta, contesta uma a uma as 11 teses desse filósofo hegeliano, desmontando uma a uma. Por fim, ainda com Engels, eles escrevem A sagrada família, onde seguem as críticas pesadas aos jovens hegelianos com quem Marx já havia rompido. Ele mostra a limitação do pensamento desse pessoal, em especial Bruno Bauer. Posteriormente Lênin se apoiará nessa obra para desenvolver o que os marxistas passaram a chamar de “socialismo científico” em oposição ao socialismo utópico (como veremos adiante). Engels, posteriormente, escreveria um livro com esse mesmo título (um dos mais básicos e fáceis de serem lidos, que recomendo aos que começam a estudar o pensamento e a teoria marxista).

No ano de 1847, ainda no jovem Marx, ele publica o livro Miséria da filosofia, onde ele trava um combate no plano ideológico com o anarquista mais famoso da sua época que foi Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). De um modo geral podemos dizer que Marx venceu a batalha contra as concepções anarquistas no século XIX, assim como podemos dizer que Lênin vencerá a batalha ideológica contra os seguidores de Leon Trotsky (1879-1940), que criaram uma corrente chamada de “trotskismo”. Não se conhece no século XX nenhuma revolução que os seguidores desse líder dos menchevique russo teve sucesso. O livro Miséria da filosofia é uma resposta a um livro que Proudhon publicou em 1846, um ano antes, onde ele analisa de forma crítica o sistema econômico da época, em especial as concepções sobre o trabalho. Esta obra de Marx marca o seu rompimento com essa corrente política que ficou conhecida como anarquista”.

Nesse período e até 1859, ele reúne material para a publicação do que ficou conhecido como os Grundisses (der Kritik der politischen Ökonomie) ou Esboços de uma crítica da economia política. Esse livro será a base posteriormente para a sua magistral obra que viria a ser publicada apenas em 1867, que foi O capital. Sempre que Marx lia ele fazia anotações manuscritas em folhas separadas. Esta obra só veio à público em 1941, pulicada pelo Instituto Marx-Engels de Moscou na antiga União Soviética[1].

Também nessa época Marx publica outra obra considerada precursora não só de sua maturidade intelectual no campo da economia, como precursora mesmo de O capital, que só viria ao mundo em 1867. Trata-se do livro Contribuição para a crítica da economia política. Neste livro Marx apresenta basicamente dois capítulos apenas. Um em que trata do “mercado’ e outros onde trata da “moeda” ou dinheiro. Diz-se que ele tería dito à época “Seguramente é a primeira vez que alguém escreve sobre o dinheiro com tanta falta dele”[2].

Em 1867 é publicado na cidade de Hamburgo na Alemanha, finalmente, o primeiro volume de O capital, que terá o prefácio escrito pelo próprio Marx e ele ainda faria um segundo prefácio à segunda edição alemã. Todos os outros prefácios serão escritos por Engels, bem como as edições dos volumes dois e três que vêm ao mundo até 1895, quando Engels vem a falecer com 75 anos. A estruturação geral da obra, o ordenamento de seus capítulos foram modificados pelo próprio autor por diversas vezes. Marx era extremamente rigoroso intelectualmente consigo próprio, de quem muito exigia. O estudo dessa estrutura, de suas modificações em seus projetos originais Rosdolsky explica em detalhes na obra aqui referenciada e recomendada.

Outro comentário importante é sobre O Capital. O volume I, prefaciado pelo próprio Marx, veio a público em 1867. Os dois volumes subsequentes, as anotações e os manuscritos (mais de três mil folhas) não puderam ser publicados em vida, pois Marx veio a falecer em 1883. Somente Engels, também teórico do socialismo, com diversos livros publicados, poderia ter a incumbência de organizar, compilar e publicar, com notas explicativas detalhadas, os Volumes II e II d’O Capital.

Isso pôde ser feito até 1895, data em que também Engels veio a falecer. No começo do século XX, em 1905, outro teórico do socialismo, chamado Karl Kautsky, do Partido Comunista da Alemanha, organizou as últimas anotações de Marx, em especial os trabalhos sobre a mais-valia, de forma que o Volume IV dessa obra pôde vir ao mundo (o título desse volume chama-se Teorias da Mais Valia – História do Pensamento Econômico). No Brasil esses quatro livros foram publicados pela Editora Civilização Brasileira/Bertrand, totalizando nove volumes, com a tradução direto do alemão por Reginaldo Sant’Anna, cuja 13ª edição (que é a que eu tenho) saiu em 1989. Todas as obras acima mencionadas como principais de Marx e Engels, têm traduções portuguesas e brasileiras.

Por fim, é preciso registrar que existem mais duas traduções de O capital direto do alemão. Uma delas foi coordenado pelo Prof. Dr. Paul Singer, da USP e quem fez as traduções diretamente foram Regis Barbosa e Flávio R. Kohthe. Essa edição foi publicada pela Abril Cultural, da Editora Abril, no ano de 1983. A tradução mais recente, é da Editora Boitempo, do tradutor Rubens Ederle, de 2013, a melhor de todas.

No ano de 1875, ele publicou talvez a sua principal obra de destaque, que foi Crítica ao programa de Gotha (Kritik des Gothaer Programms, em alemão). Esse foi um livro que só foi publicado oito anos após sua morte, no ano de 1891, por iniciativa de um grupo de sociais democratas da cidade alemã de Gota. Esse grupo, se transformaria posteriormente no Partido Social Democrata da Alemanha da qual Max Weber participou e que existe até os dias atuais, tendo governado a Alemanha em diversos períodos históricos, em especial o que ficou conhecido como a República de Weimar (1920-1933).

Os estudiosos do marxismo consideram esse livro um dos mais importantes porque ele é um dos poucos escritos de Marx onde ele entra em maiores detalhes sobre como seria a sociedade socialista e a comunista. Vem daí a famosa definição usadas pelos comunistas no mundo inteiro para explicarem a diferença central entre o socialismo e o comunismo: a cada um segundo sua necessidade; de cada um segundo sua capacidade, ou seja, no socialismo as pessoas receberão o que é justo, mas ainda será variável em função da capacidade individual. No comunismo, a sociedade satisfaria todas as necessidades das pessoas, independentemente de sua capacidade. Outros temas como revolução socialista, ditadura do proletariado, transição do capitalismo para o comunismo, internacionalismo e partido da classe operária são também abordados. Daí a sua importância, ainda que seja uma obra mais compacta.

Aqui merece registro e destaque a existência de um projeto chamado Mega (Marx-Engels Gesamtausgabe). Seu grande objetivo seria a compilação de todos os escritos de Marx e Engels. Seu coordenador, Rolf Hecker, da Alemanha, é o presidente da Associação de apoio à edição Mega. Esteve no Brasil em 2011 proferindo diversas palestras na USP e na Unicamp, angariando apoios para a edição pública, que já conta com mais de 600 volumes. Aos que quiserem estudar e se aprofundar nas obras completas de Marx e nos pensadores que o sucederam, chamados de marxistas, podem ter acesso a todas elas -e centenas de livros em PDF – no seguinte endereço: (https://bit.ly/30APiqv).

 

[1] Pessoalmente, não recomendo a leitura integral de O capital de Marx, cuja edição em três volumes pela Boitempo tem em torno de três mil páginas. A melhor obra interpretativa do pensamento de Marx em economia e sobre essa obra é um livro de Roman Rosdolsky (1898-1967), um intelectual marxista, soviético que escreveu Gênese e estrutura do Capital, editada no Brasil pela editora Contraponto/Edurj em 2001 com 623 páginas.

[2] Esta citação pode ser localizada no livro A ideologia alemã, da editora  Boitempo, no capítulo “Cronologia resumida de Karl Marx e Friedrich Engels” publicada em 2007.

 

  1. Aspectos do pensamento filosófico de Marx

Marx vai inaugurar uma nova fase na filosofia moderna. Ele cria e desenvolve o chamado materialismo dialético, que é a parte mais importante do seu pensamento. Aqui é preciso registrar que existe uma vulgarização do termo “materialista”. Muitos detratores desse pensamento dizem que que defende esse conceito e concepção é “apegado às coisas materiais”, como se fossem até “consumistas”. Nada a ver. A concepção materialista de mundo diz que todas as ideias e pensamentos decorrem do mundo material, ou seja, o que é primordial é a matéria e a natureza.

Engels argumentaria em determinado momento de sua produção intelectual, qual sería a questão central da filosofia? Como responder à questão de que o que sería primordial ou o que viria primeiro: a matéria ou o espírito. Dizia Engels que, se respondermos a essa questão que o espírito/ideias são primordiais, vieram primeiro, isso faz com que tenhamos escolhido a linha filosófica que foi chamada de “idealista” ou ainda “metafísica”.

Se respondemos a essa pergunta com a afirmação que a matéria é primordial e anterior ao espírito e às ideias, significa que ela cria a ideia, ou seja, as ideias decorrem do mundo material. Por isso o termo “materialismo”. Mas, aqui há outra vulgaridade a ser combatida. Não só a que ser materialista significa “apegado às coisas materiais”. Ser idealista não significa ter um ideal. Significa acreditar que as ideias são primordiais e que elas criam todas as coisas. Daí as concepções religiosas de um ser criador de todas as coisas. E também não significa “ter um ideal”. Ao contrário. Os materialista têm muitas ideias e a mais importante delas é defender uma sociedade justa e igualitária, em substituição ao capitalismo, que seria o socialismo.

Para os materialistas dialéticos, o mundo não pode ser considerado como algo acabado, pronto que teve um momento criador. Na verdade ele é um conjunto de processos em desenvolvimento, onde tudo que está aparentemente estável está na verdade se transformando o tempo todo. A transformação e o movimento são conceitos centrais para o materialismo dialético. Ou seja, tudo muda e tudo se transforma.

Para os defensores do idealismo (metafísica), as coisas estão paradas. Inertes. Sem mudanças e sem movimento. Não se modificam e não se transformam. Os idealistas não admitem o movimento interno, que é o que transforma as coisas, a partir de suas contradições internas. O máximo que eles admitem no movimento é o mais simples de todos, que é o deslocamento de lugar. Na verdade, um movimento apenas aparente. Não ligam a aparência com a essência, como fazem os materialistas dialéticos. Para Marx, a dialética é a “ciência das leis gerais do movimento, tanto do mundo exterior, quanto do pensamento humano” (Lênin, 2001, pág. 18).

Lênin, no seu artigo intitulado Karl Marx, resume dessa forma as características mais gerais da dialética marxista: 1. As coisas evoluem na forma espiral e não em linha reta (por saltos, revoluções); 2. Transformação de qualidade em quantidade; 3. Embate de forças e tendências diversas, agindo sobre um corpo, no quadro de um dado fenômeno, no seio de uma sociedade (Lênin, pág 19).

A dialética não é uma concepção nova. Ao contrário. A grande maioria dos filósofos gregos antes de Sócrates (chamados de pré-socráticos) eram dialéticos. Marx mesmo, em sua tese de doutorado, estudou dois deles, Demócrito e Epicuro. Mas, talvez o mais famoso deles tenha sido Heráclito, autor de uma frase bastante popular entre nós, que é “jamais será possível a um homem, banhar-se duas vezes no mesmo rio. Porque não será o mesmo homem e nem o rio será o mesmo rio”. Que ele quer dizer com isso? Que tanto as pessoas quanto as coisas se transformam e se modificam. Bertold Brecht, grande poeta e dramaturgo alemão, perseguido por Hitler e membro do PC da Alemanha, disse sobre a violência das águas de um rio, mas e a violência das margens que os oprimem?

As passagens que mencionarei a seguir, da forma mais didática possível são do livro Princípios fundamentais de filosofia, a quem já mencionei em uma nota explicativa. Ele é o manual de um curso de marxismo dado na Universidade Operária da França na época da ocupação nazista, pelo filósofo e professor George Politzer, de origem húngara e naturalizado francês. Foi assassinado pelos nazistas em 1942 quando a França estava ocupada. Adotei essa obra como base de apoio aos meus cursos na Universidade quando lecionei Metodologia do Trabalho Científico, onde uma das partes do programa era o método e víamos a lógica formal e a lógica materialista e, em especial, estudávamos o método dialético e o materialismo.

Se entendermos método como uma espécie de caminho que pode nos levar a um determinado fim a que nos impusemos, veremos que grandes filósofos se preocuparam em estudá-lo, como Descartes, Hegel, Spinoza e o próprio Marx e Engels. Método em sentido filosófico do termo, pode também ser definido com um meio de conhecer a realidade. Para Lênin, “é a maneira de reproduzir, no pensamento, o objeto que se estuda. Essa reprodução é sempre relativa porque depende do conhecimento historicamente acumulado e de outras inúmeras condições históricas”. Dito de outra forma, o conhecimento é o produto do entendimento concreto dos fenômenos e processos sociais.

Se para os metafísicos as coisas não estão relacionadas e nem vivem contradições internas e luta entre contrários, para os materialistas, a dialético entende “as coisas e os conceitos no seu encadeamento, nas suas relações mútua, sua ação recíproca e das decorrentes modificações mútuas, seu nascimento, seu desenvolvimento e sua decadência” (Engels, Politzer, pág. 28).

Para Marx e Engels, o desenvolvimento do método dialético e do seu materialismo só foi possível a partir de algumas descobertas científicas muito importantes. Eles mencionam as leis da transformação da energia, a descoberta da célula viva (todos os organismos são compostos por pequenas células que se interligam umas às outras) e a teoria da evolução de Darwin, publicada em 1859.

O método dialético se contrapõe ao método metafísico que, basicamente, rejeita toda e qualquer transformação, separa o que é inseparável e exclui sistematicamente os contrários. Os metafísicos dizem sempre coisas do tipo: “ou você está vivo ou está morto”; “uma coisa ou é mineral ou é animal”. Esses são raciocínios típicos de uma lógica formal. Nós fomos formados e educados na maior parte do tempo nessa lógica. Quando vemos um ser “vivo”, podemos dizer que ele está ao mesmo tempo vivo e morto, ou seja, a todo instantes centenas de células de seu corpo estão nascendo e outras perecendo. E o resultado final desse ser, de estar “vivo’ é na verdade o resultante entre dois contrários, as forças da vida e as forças da morte. No momento que as forças da morte vencerem – no caso mais morrerem células do que nascerem – o resultado final será o falecimento do indivíduos. Ainda assim, isso não será a morte absoluta, pois será a transformação daquele ser em outros seres vivos (micróbios, bactérias). Os astrofísicos poderão nos dizer que a morte nada mais é do que a transformação dos corpos em poeira estelar, uma volta ao cosmos de onde viemos.

Os manuais marxistas, até para facilitação da compreensão de tema filosófico tão complexo, acabaram por racionalizar e resumir as leis gerais da dialética de Marx e Engels. Eles apontam a existência de quatro leis gerais e vamos procurar aqui resumí-las da melhor forma para que possamos compreender a dimensão e o significado do pensamento da filosofia dialética de Marx.

A primeira Lei da Dialética – Tudo se relaciona

 

Também conhecida como Lei da Ação Recíproca e da Conexão universal. Há uma passagem de um texto de Stálin que resume essa lei: “a dialética olha a natureza, não como um amontoado acidental de objetos, de fenômenos destacados uns dos ouros e independentes, mas como um todo unido, coerente, em que os objetivos e os fenômenos são organicamente ligados entre si, dependente uns dos outros e se condicionando reciprocamente... nenhum fenômeno da natureza pode ser compreendido, quando encarado isoladamente, fora dos fenômenos circundantes (Politzer, pág. 37).

Em nossa formação sempre nos ensinaram a separar as coisas que eram inseparáveis. Na época da ditadura militar, os generais diziam “sindicato é para cuidar das questões econômicas; política se faz nos partidos” (sic). Como separar a atividade sindical econômica, das questões políticas? Impossível. E quando os operários fazem uma greve logo vem a acusação de que “é uma greve política”. Mas qual greve não é política?

Mesmo quando analisamos a conjuntura política nacional. Como é possível entendermos o que acontece no Brasil na atualidade e em qualquer tempo da nossa história, sem entendermos o que ocorre no plano da política e da geopolítica mundial? Nada está separado. Tudo está relacionado.

A segunda Lei da Dialética – Tudo se transforma

 

Também chamada de Lei da Transformação Universal e do desenvolvimento Incessante. Aqui talvez a questão mais central do método e do pensamento dialético. Nada está isolado, desvinculado de questões mais gerais, seja nas sociedades, seja na natureza. Tudo está relacionado e tudo está em constante transformação. E muitas vezes são movimentos e transformações que não podemos vislumbrarmos instantaneamente. Veja o caso de nosso envelhecimento. A mudança de nossas faces quando olhamos nos espelhos todos os dias ao fazermos nossa higiene matinal. Vista de um dia para outro, nada terá modificado. As mudanças visíveis só aparecem depois de muitos anos. Até mesmo a configuração dos corpos humanos na atualidade. Se observamos os exemplares fósseis que temos disponíveis, veremos o quão diferente eram os hominídeos mais primitivos, os australopitecos de milhões de anos. Como chegamos ao que somos hoje? Por um processo de modificações e de seleção natural, como disse Darwin, de adaptação ao meio ambiente, de forma que o mais apto e melhor adaptado, tem condições de deixar seus genes para a posteridade (cuidado com a vulgarização e deturpação desse pensamento, ao você falar coisas que Darwin jamais disse, que quem sobrevive é o mais forte; ele jamais disse isso, como querem os eugenistas da sociedade).

A metafísica vê as coisas como imutáveis. Não por acaso eles creem com muita convicção que um ser incriável, surgido ninguém sabe de onde, tenha criado todas as coisas ao mesmo tempo. Os “criacionistas” como são chamados no mundo todo, têm um museu da “Criação” nos EUA, onde mostram imagens e estruturas esqueléticas de dinossauros ao lado de seres humanos, quando sabemos que entre eles existe uma diferença de “só” 65 milhões de anos.

Para a dialética, tudo na natureza e na sociedade (instituições, modelo econômico) tem um momento de seu aparecimento (ou nascimento, como queiram). Depois disso, vem o seu desenvolvimento, atinge-se o apogeu, começa a decadência (ou declínio) até o perecimento (desaparecimento). Qual ser, na natureza, ou qual instituição na sociedade, não vive essa lei? Por isso, quando Marx menciona os vários modelos socioeconômicos que a humanidade conheceu, desde o escravismo, eles tiveram o seu tempo histórico e desapareceram. Assim, perguntamos sempre: por que sería diferente com o sistema capitalista? Por que ele sería eterna e não acabaria ou se transformaria em outro? Não só vai acabar, como está se transformando de forma acelerada. O capitalismo atual, em nada tem a ver com o capitalismo do século XIX quando Marx e Engels viveram.

Nunca é demais lembrar que as religiões em geral, que adota, por suposto, o método metafísico de compreensão da realidade, que não aceitam as transformações, ao não aceitar a lei do nascimento e perecimento de todos os seres, apregoam a existência de uma outra vida que não a que vivemos na terra. Mencionam um céu, um paraíso em harmonia de forma a convencerem a maioria das pessoas que aquela vida é a que importa. Mas, mais do que isso. O acesso àquela vida estaría condicionado a um padrão determinado de comportamentos de como as pessoas agem e se comportam aqui nesta vida.

Terceira Lei da Dialética – A Mudança Qualitativa

Aqui entra em discussão uma novidade: não basta as coisas se modificarem. A dialética vê como modificação na sua qualidade. E isso só é possível a partir de mudanças quantitativas. Falando de outra forma. Para que algo se transforme, se modifique, é preciso que sofra mudanças quantitativas incessantes. Em determinado momento, ocorrerá um salto de qualidade, uma mudança qualitativa no ser, no fenômeno que se está analisando.

Podemos dar o exemplo no campo da ciência mais simples que conhecemos. A mudança de um estado de uma determinada matéria. Peguemos a água. Sabemos em seu estado líquido e em condições normais de temperatura e pressão, essa água ferve e se transforma em vapor quando for aquecida a 100º centígrados. Mas não é de repente que ela se transforma. Dependerá de aquecimento aos poucos, por um determinado tempo, tendo recebido uma quantidade determinada de energia na forma de calor. Somente quando ela atingir o centésimo grau é que dará um salto de qualidade, modificando a sua composição, transformando-se em um gás.

Vejamos como o camarada Stálin definiu essa terceira lei geral da dialética: “a dialética considera o processo de desenvolvimento não como um simples processo de crescimento, em que as mudanças quantitativas não chegam a se tornar mudanças qualitativas, mas como um desenvolvimento que passa das mudanças quantitativas insignificantes e latentes para as mudanças aparentes e radicais, que são as mudanças qualitativas (Politzer, pág. 58).

Alguns autores chamam também esta lei de “negação da negação”. Seria a passagem do simples para o complexo, do inferior pra o superior. Na natureza, um espermatozoide microscópio, ao fertilizar um óvulo, onde um simples gameta masculino, unindo-se a outro gameta feminino, vai gerar um ser complexo como são os humanos.

Podemos aplicar essas concepções na nossa vida e na militância política que desenvolvemos. Os pseudos esquerdistas que se dizem revolucionários de boca, como diz Politzer, ficam a esperar a “revolução” chegar, o momento do salto qualitativo. Desprezam no entanto, todas as mudanças parciais e as reformas. Já o reformista por si só aceita e se conforma com as reformas, sem jamais esperar ou trabalhar pela revolução. Já os marxistas, dialéticos, compreenderá que é preciso lutar por reformas sim, partir das questões mais imediatas e sensíveis aos trabalhadores. Ele sabe que, ao fazer isso, dará a sua contribuição para a mudança qualitativa. É como aqueles graus centígrados que a água mudar seu estado e dar um salto de qualidade com a sua passagem para o estado gasoso.

A quarta Lei da Dialética – A Luta dos Contrários

 

Esta talvez seja a mais importante. Marx e Engels, ao mencionarem no Manifesto do Partido Comunista que a história nada mais é do que a história das lutas de classes, levaram em conta exatamente isso. A luta entre dois contrários em todas as sociedades que a humanidade conheceu. Uma luta incessante entre aqueles que querem seguir explorando os oprimidos e auferirem cada vez mais lucros e riqueza a partis deles e de outros lado aquele que querem acabar com a exploração do seu trabalho, para que possam auferir a riqueza que eles mesmos produziram.

É como se nossos filósofos dialéticos nos dissessem que todas as coisas na natureza e nas sociedades, nas instituições, guardam sempre contradições dentro de si, como se houve uma luta incessante entre dois contrários. Tudo tem seu lado negativo e positivo, todos nós temos um passado e teremos um futuro; quando algum elemento desaparece, outros nascem. Uma luta entre o velho e o novo, entre o que morre e o que vai nascer. Podemos trabalhar com outras categorias, como casualidade e necessidade; necessidade e contingência; possibilidade e realidade; singular e geral; conteúdo e forma; essência e aparência. O método dialético é incompatível com o pensamento linear (dizemos também às vezes cartesiano), com o esquematismo, o dogmatismo, o subjetivismo entre outros.

“A causa fundamental do desenvolvimento das coisas não está fora delas, mas está dentro delas, na natureza contraditória, inerente a essas mesmas coisas. Toda coisa, todo fenômeno, tem contradições internas, que lhes são inerentes. São elas que geram o movimento e o desenvolvimento das coisas. As contradições inerentes às coisas e aos fenômenos são as causas fundamentais do seu desenvolvimento” (Mao Zedong, citado por Politzer, pág. 71). Podemos dizer de outra forma, é na criança e contra ela que cresce o adolescente; é no adolescente e contra ele que amadurece o adulto (pág. 74).

De uma forma mais geral e até conclusiva no que diz respeito ao materialismo dialético, a questão que está posta é a seguinte: é possível termos acesso ao conhecimento humano? O mundo é conhecível? Aqui o pano de fundo é a cognoscibilidade do mundo, das coisas e dos fenômenos. As religiões, na maior parte delas, limitam esse conhecimento. Muitas dizem que não é possível termos conhecimento de tudo. Há um limite para as coisas. Lembremo-nos sobre o mito do fruto proibido no paraíso que deus havia proibido Adão e Eva de comerem. Na verdade, o que fica claro é que aquela árvore era a árvore do conhecimento. E deus não queria que os humanos tivessem acesso a ele, pois poderiam querer ser deus também. Na verdade a punição que lhes caiu não foi por comerem a maçã, como nos ensinam todos os dias em muitos lugares. Mas, por eles quererem ser deus na verdade[1]. A frase textual do Gênesis é “vocês podem comer de qualquer árvore no jardim [do éden], mas não comam da árvore do conhecimento, do bem e do mal. Se vocês fizerem isso, morrerão”. O que não nos contam é que a serpente tería dito: “vocês não morrerão, pois deus sabe que quando comerem, seus olhos serão abertos e vocês serão como deus, conhecerão o bem e o mal” [grifos nossos].

O primeiro nível do conhecimento, chamado de sensível, dá-se pela contemplação direta da realidade e se obtêm pelas sensações e percepções, bem como as representações são produtos desse conhecimento inicial. O segundo nível de conhecimento é mais complexo, que é o pensamento abstrato. Com ele podemos descobrir leis mais gerais e complexas. Assim, parte-se do conhecimento sensível e superficial para se chegar ao conhecimento mais aprofundado, abstrato e complexo.

Na teoria do conhecimento do materialismo dialético, a prática é a base de tudo. E por prática entende-se por atividade social e não uma atividade individual. Muitos autores marxistas já disseram que “a prática é o critério da verdade” (Marx, Mao, Deng entre outros). Ela é fundamental para distinguirmos o conhecimento correto do incorreto. É onde o conhecimento transforma a realidade, quando ele se transforma em prática.

Podemos concluir de um modo geral que o materialismo marxista, que se opõe a todas as doutrinas materialistas anteriores, pois as aprimora e extrai delas o idealismo, fundamenta-se em três enunciados: 1. O mundo é, por natureza, material; 2. A matéria é o dado primário e a consciência um dado secundário, derivado do mesmo e 3. O mundo e suas leis são perfeitamente conhecíveis.

Não é a vontade dos seres humanos que determina arbitrariamente as relações sociais. Ao contrário, é a consciência dos seres humanos que é condicionada pela realidade material da sociedade da qual eles são membros (Politzer, pág. 177). Por isso no decorrer da evolução das sociedades que conhecemos, as pessoas pensaram e agiram de forma diferente. Eles lutavam contra a natureza para que esta lhes garantisse suas necessidades básicas. Nesse sentido, todas as suas relações econômicas eram diferentes. A consciência é, ao mesmo tempo, o produto do trabalho humano, o resultado de todo desenvolvimento social e da cultura, como elemento constitutivo do desenvolvimento social[2]

Não podemos cometer um erro, típico do que chamamos de materialismo vulgar. Que é negar a importância que as ideias têm na história. Isso é anticientífico e o materialismo marxista sempre combates esse ponto de vista. Fuerbach, aquele filósofo alemão famoso, que influenciou o pensamento de Marx em sua juventude e com quem ele rompeu antes de completar 30 anos, disse em um dos seus livros a seguinte frase: “pensa-se diferente em um casebre e em um palacete”! Absolutamente simplista e, mais que isso, errada. Não basta as condições de vida material para que as pessoas pensem de uma determinada forma. Não basta ser e viver na pobreza para ser automaticamente socialista. Se assim fosse, a Índia já sería o país mais socialista do mundo. Fuerbach não leva em conta – por isso seu materialismo se aproxima do idealismo – que entre o casebre e o palacete existe uma coisa chamada ideologia, que é o conjunto de ideias em vigor em determinada sociedade, relacionada diretamente com a classe que domina política e economicamente essa mesma sociedade. Assim, os hábitos e maneiras de pensar dos moradores de um casebre pode se aproximar dos que moram nos palácios.

Materialismo Histórico

 

O desenvolvimento desta concepção marxista situa-se a fronteira entre a filosofia e o pensamento econômico de Marx. Entender a materialidade do mundo diz respeito diretamente às questões da vida real, concreta, da economia, da nossa subsistência como seres humanos. “O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciências dos homens que determina o seu ser; inversamente, é o seu ser social que determina a sua consciência. Em um certo estágio de seu desenvolvimento as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, que mais não é do que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas tinham amadurecido até então” (Lênin, As três fontes, pág. 20).

 

  1. Aspectos do pensamento sociológico e político de Marx

Podemos dizer que Marx tem como objeto central de estudos, do ponto de vista sociológico, as classes sociais e a luta de classe bem como os modos de produção. Seu pensamento está fortemente influenciado pelas questões econômicas – o que ele mais estudou quando analisou a sociedade de seu tempo.

Foi também o primeiro filósofo a preconizar, claramente, a existência de classes e os conflitos antagônicos em todas as três sociedades que estudou. Dizia que a luta de classes é inerente a todas as sociedades – sendo esse o aspecto mais fundamental de sua obra. No seu famoso Manifesto do Partido Comunista, que escreveu com Friedrich Engels – seu amigo por 41 anos seguidos – e publicado em 1848, ele cita textualmente: “a história nada mais é do que a história da luta de classes”. Em 2018, esse livro completou 170 anos de sua publicação.

Essa luta seria o motor que movimenta a História, dizia ele. “As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Ao adquirir novas forças produtivas os homens alteram os modos de produção, a maneira de ganhar a vida e todas as relações sociais”. Essa é lógica das pessoas em todas as sociedades, pois ao melhorarmos as nossas condições de vida material, alteramos também nossos pontos de vista, nossas relações sociais, nossa visão de mundo e tantas outras coisas mais.

Marx foi o último dos pensadores completos de nossa época. Estudou a fundo todos os pensadores que o antecederam e que de alguma forma propunham teorias econômicas e sociais. E foi o que Marx fez a sua vida toda: estudou e formulou teorias que nos ajudam, até os dais atuais, a compreender mais e melhor o mundo em que vivemos. Estudou também os filósofos e pensadores que chamou de utópicos, pois almejavam uma nova vida e uma organização social mais justa, mas não sabiam como chegar a isso. São exemplos de utópicos: Saint-Simon, Robert Owen, Charles Fourier, Tomazzo Campanella, Thomas Morus entre outros.

Marx é considerado o criador do Socialismo Científico que, na verdade, é um sistema e um conjunto de teorias que explicam a cientificidade da substituição de um sistema econômico por outro, a partir do desenvolvimento das forças produtivas, das novas descobertas técnico-científicas e das contradições inerentes a cada sistema.

As classes sociais do ponto de vista do marxismo

 

Durante alguns milhares de anos os seres humanos viveram em comunidades primitivas, num período histórico anterior ao aparecimento das classes sociais tal qual nós conhecemos hoje. Alguns autores chamam essas comunidades ou comunas de clãs, tribos ou gens. Pode-se dizer que, ao contrário do que aprendemos desde a nossa infância, que sempre houve pobres e ricos, explorados e exploradores, isso não corresponde a uma verdade histórica. Pelo contrário, a humanidade passou milhares de anos sem conhecer o significado do papel de dominação, de exploração do trabalho, de opressão. Todos viviam em uma relativa harmonia, ainda que de forma primitiva, mas em harmonia suficiente para que cada um produzisse uma parte para si, satisfazendo o consumo de sua família e outra parte para a sua comunidade.

 

A característica principal da comuna e de seu modo de produção era de que não havia a propriedade privada dos meios de produção. A propriedade era coletiva, ou seja, de todos, como o nome já diz, o modo de produção comunal era bastante primitivo, rudimentar. Todos trabalhavam, produziam e o produto do esforço coletivo era repartido entre todos. Não havia classes sociais.

As funções sociais na comuna

A ausência de classes sociais, tal qual nós hoje a conhecemos, não significava a absoluta igualdade entre as pessoas. No entanto, as diferenças entre essas pessoas davam-se muito mais em relação às funções sociais. Isso significava que cada integrante de uma comuna tinha uma atividade definida, um ofício, que era adquirido na infância e repassado aos seus descendentes.

As principais funções sociais que se conhecem na comuna eram: Agricultor, Artesão, Guerreiro, Sacerdote, Caçador, Pescador e Pastor. Com o passar dos anos, muitas técnicas produtivas foram sendo desenvolvidas e, também novos instrumentos de trabalho foram surgindo.

As descobertas, as invenções mais importantes e as mudanças técnicas ocorridas na comuna foram: 1. Invenção do arado; 2. Invenção do machado, do arco e da flecha; 3. Novas técnicas agrícolas de plantio e irrigação; 4. Invenção do vasilhame de barro; e 5. Domesticação dos animais.

Essas mudanças propiciaram a separação de ofícios na comuna, em especial dos Agricultores e dos Pastores, que se destacaram dos outros membros do clã. Isso tem a sua lógica própria, na medida que os ofícios de pastores e de agricultores, eram, por assim dizer, mais “científicos” que o dos caçadores e pescadores, pois estes nem sempre conseguiam sucesso nas suas empreitadas.

O surgimento das classes

Também outro fato importante a mencionar com relação às classes sociais foi a existência de guerras entre tribos vizinhas. Como consequência disso, passaram a existir prisioneiros de guerra. Estes, por sua vez, ou eram mortos ou deveriam ser soltos, pois era custoso para a tribo vencedora alimentá-los. Até que um dia, um “sábio de espírito” disse: “Por que eles não trabalham para nós?”.

           

Assim, com o avanço das técnicas produtivas, surge pela primeira vez na história da Humanidade o que os economistas chamam de excedente de produção. Esse é um dos conceitos econômicos mais importantes para entendermos esse processo de aparecimento das classes sociais. Isso significou que a produção dos pastores e dos agricultores não dependia mais do acaso, como era o caso ou da sorte como dizíamos popularmente, que as funções de caçadores e pescadores dependia (havia dia que não voltavam para sua tribo com algo para se alimentarem). O trabalho sistemático de plantio e de criação de animais domesticados, propiciou a esse conjunto de pessoas moradoras da comuna um poderio econômico na base da troca ao qual as outras não tiveram acesso.

Com tudo isso, a nossa conclusão sobre o aparecimento das classes sociais é que elas surgem relacionadas diretamente com a modificação do modo de produção comunal. Surge, assim, um novo modo de produção, mais avançado inclusive, que era o Escravista.

Dessa forma, sucessivamente, para que um novo modo de produção surja é preciso que se desenvolvam as técnicas e as forças produtivas. Com o fim da comuna primitiva surge a primeira sociedade dividida em classes que a humanidade conheceu: a Sociedade Escravista. A nova classe social que dominará essa nova sociedade (classe dominante) será a dos senhores proprietários de escravos. A classe explorada (dominada) será a dos escravos. Eles eram os próprios instrumentos de trabalho de seus proprietários. Isso teria ocorrido entre sete e dez mil anos anteriores à era atual (ou da Era Comum como preferem alguns historiadores). As primeiras sociedades que baseiam a sua organização nesse modo escravista foram as do Egito, da Grécia e posteriormente de Roma.

As outras sociedades divididas em classes sociais antagônicas, na História Humana foram: 1. Feudal – onde a classe hegemônica era a dos senhores feudais e a classe explorada e dominada a dos servos e 2. Capitalista – a classe dominante é a dos burgueses, detentores do capital e dos meios de produção, e a classe dos explorados, dominados, a do proletariado, ou operários industriais e a maioria dos trabalhadores.

Nos dias atuais, nosso campo ideológico de esquerda não tem usado mais esses termos, nem usa burguesia, nem usa proletariado. Preferem usar os termos “elites dominantes” ou simplesmente só “elites” e do outro lado, usam no plural “classes trabalhadoras”, como se todas as pessoas que trabalham pertencessem a uma classe social. Marx, em várias passagens, como veremos mais a frente, relaciona a classe social do proletariado (por vezes ele usa o termo “classe operária”) com os trabalhadores produtivos, no sentido de produtores de mais-valia ou mais-valor, ou seja, o seu trabalho enriquecesse outros, no caso, os patrões detentores e proprietários dos meios de produção (esses conceitos veremos também mais adiante na parte do pensamento econômico de Marx).

Em todas essas sociedades, divididas em classes sociais, teremos sempre uma que terá hegemonia – a dominante – e, outra, explorada – a dominada. Nesse sentido, Marx fala que haverá sempre uma luta incessante entre essas duas classes sociais, de forma que uma vai querer sempre continuar a sua dominação e exploração da maioria e, a outra, a dominada, objetivará sempre a sua liberdade.

Aqui faz-se necessária uma observação relacionada como as pessoas, nos dias atuais, referem-se às classes sociais. Fala-se muito em uma “classe média”. Que sería isso? Absolutamente nada, do ponto de vista de entendermos o significado sociológico de classe social para o pensamento marxista. Já em décadas passadas, os institutos e empresas que se relacionam com consumo e com vendas, especialmente com a propaganda, desenvolvem estudos sobre como as pessoas se relacionam com o consumo de produtos. Criaram assim “faixas de consumidores” e os classificam de acordo com os critérios que eles próprios estabeleceram. Daí surge os conceitos de classe separadas por letras “A”, “B”, “C”, “D” e “E”. Ou “classe média alta”, “classe média média” e “classe média baixa”, como se isso tivesse algum significado. Não nos serve absolutamente para nada para entendermos o real funcionamento das sociedades de classe.

Por fim, quero deixar registrado que uma conceituada socióloga marxista de origem chilena, mas que nos últimos anos de sua vida alternava-se na moradia entre Havana, Cuba e Caracas, Venezuela, que foi Martha Harnecker (1937-2019)[3], que trabalha com um conceito de “classes em transição”, ou seja, classes intermediárias que navegam entre as classes dominantes e as dominadas. Essas tais “classes médias” (ou pequena burguesia) encaixam-se perfeitamente nesse conceito, de tal forma que uma pessoa integrante desse estrato social almeja, por certo, ascender socialmente e vir a ser “classe dominante”. Mas, é quase certo que ela viverá um processo de proletarização, tendendo a cair na escala social. Ou ainda o trabalhador rural que aparentemente luta pela terra como um proletário, mas, na verdade, a sua visão é de proprietário e um dia poderá ser mesmo um grande latifundiário, integrando as classes dominantes, ou se proletarizar de vez, transformando-se em assalariado de outras pessoas.

Quando Marx nos fala do surgimento da sociedade escravista afirma que esta era muito mais avançada do que a comuna primitiva. Quando ele faz essa afirmação ele não está fazendo um julgamento de um ponto de vista moral, mas refere-se ao avanço técnico-científico ocorrido nesse momento histórico, deixando para trás uma sociedade atrasada, tecnicamente falando.

Finalmente, podemos concluir que, mesmo ocorrendo sucessivos avanços nos diversos modos de produção que a humanidade conheceu, todas elas continuam a manter em seu interior duas classes sociais antagônicas e básicas: a dos explorados e a dos exploradores.

Aqui vale a pena tratarmos de um tema, bastante atual nos debates na sociologia marxista, que é o conceito de proletário. Marx se refere, em sua obra, em várias passagens às classes sociais, mas, como dissemos, ele morreu sem nos ter deixado uma definição clara e didática sobre o significado disso. Parece que ele se comunicava com seus leitores de forma a que estes soubessem exatamente o que significaria esse conceito. De fato, temos uma compreensão mais intuitiva de classes sociais, mas devemos aprofundar o debate sobre isso.

Quando Marx falava em “operário”, ele se referia mais ao operariado industrial, pois em sua época o setor de serviços era bem pequeno. Hoje, porém, o proletariado dos serviços cresceu e muito nas sociedades, ainda que o operariado fabril e industrial possa ter diminuído numericamente (ainda que não estrategicamente). Assim, um professor de uma escola privada, é um proletário, ainda que possa ser bem remunerado. Eu mesmo sempre digo que minhas mãos como professor não estão sujas de graxa, mas estão sempre estão sujas de giz (hoje, com o avanço das tecnologias digitais nem giz se usa mais). O trabalho que produzimos como professores do setor privado de ensino, tem mais-valia embutida e nunca recebemos tudo o que produzimos, os serviços que prestamos aos estudantes, que pagam suas mensalidades aos nossos empregadores, em valores por sala de aula são muito maiores do que recebemos.

 

Categoriais proletárias no Brasil

 

Desenvolvo estudos e pesquisas, teóricas e práticas, sobre o significado marxista do termo proletário, bem como entrevisto trabalhadores desses setores em nossa sociedade há muitos anos. Pelo menos desde 2007. Meu objetivo é publicar em breve um livro, cujo título será Concepção marxista de proletariado, já em estado bem avançado.

Para efeitos de entendimento, para visualizarmos como o proletariado do setor de serviços urbanos expandiu-se, publico abaixo todas as categoriais de trabalhadores que classifiquei como sendo proletárias e suas subdivisões. Tais categorias, em meu futuro livro, serão estudadas e detalhadas em cada capítulo, onde procurarei informar, inclusive, quantidade de trabalhadores empregados em cada uma delas.

I – Proletariado Industrial – 1. MetalúrgicoSão trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Metalúrgicos; Ópticos; Relojoeiros; Siderurgia (fundição); Máquinas e equipamentos pesados (bens de capital); Montadoras de veículos (de todos os tipos); Joalheiros; Indústria eletroeletrônica; Indústria aeroespacial; Indústria Naval e Reparadores de veículos em geral; 2. Químico, Farmaquímico e Farmacêutico – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Trabalhadores em Plásticos; Petroleiros; Borracheiros; Vidreiros; Papeleiros (papelão, cartolina, cortiça e embalagens); Petroquímicos; Derivados de petróleo e biocombustíveis; Químicos (orgânicos e inorgânicos); Indústria farmacêutica e de cosméticos; Produtos de Limpeza e abrasivos; Cimento (gesso, materiais concretos); Ceramistas; Fósforo; Álcool e Biodiesel e Louça; 3. Indústria Extrativa – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Carvão mineral; Minerais metálicos (ferro, chumbo, alumínio, estanho, manganês, metais preciosos, radiativos); Minerais não metálicos (pedra, areia, argila, sal marinho, sal gema, calcário); Extração de pedras preciosas; Sal; Extração da madeira; Descaroçamento de algodão e fibras vegetais; Extração e transformação da lenha em carvão; Extração de óleos vegetais e resinas de madeiras e Trabalhadores em garimpo em geral; 4. Alimentação – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Trabalhadores em Bebidas; Cervejeiros; Panificação; Fabricação de cigarros; Trabalhadores nas Indústrias da Carne e Frigoríficos; Laticínios; Moagem em geral; Açúcar e café; Trabalhadores na indústria da alimentação em geral; 5. Construção Civil – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Marceneiros; Trabalhadores Moveleiros; Ceramistas; Extração de Mármore e Cimento; 6. Têxtil – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Fiação, tecidos e tecelagem; Trabalhadores no Vestuário e acessórios; Sapateiros; Calçadistas e Coureiros; 7. Indústrias Urbanas – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Eletricitários; Gasistas; Trabalhadores em Saneamento; Água e Esgoto; Meio Ambiente; Florestal e Coleta de Lixo urbano.

 

II – Proletariado do Setor Rural e Agropecuário – 8. Rural – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Assalariados agrícolas.

 

III – Proletariado do Setor Financeiro – 9. Financeiro – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Bancários; Financiários; Economiários; Securitários e Previdência privada.

 

IV – Proletariado do Setor de Serviços – 10. Transportes – Dividem-se em três tipos, a saber: A) Terrestres – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Condutores Rodoviários (urbanos, cargas, fretamento, passageiros); Ferroviários (carga, passageiros e trens metropolitanos); Metroviários; Taxistas; Motoboys (ou entregadores de aplicativos); Sistema Viário e Fiscais do transporte. B) Marítimos – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Aquaviários; Trabalhadores na Pesca; Operários Portuários e Marítimos. C) Aéreos – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Aeronautas e Aeroviários; 11. Comunicação – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Gráficos; Trabalhadores em Publicidade; Propaganda; Rádio; TV; Correios; Editoras (jornais, livros e revistas em geral); Cinema e Vídeo e Indústria da música; 12. Saúde Privada – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Hospitais; Clínicas de saúde e Clínicas de estética e embelezamento; 13. Hospitalidade e Asseio – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Bares; Restaurantes; Hotéis e pousadas; Asseio e Conservação; Limpeza e Empresas de turismo; 14. Telecomunicação e Informática – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Trabalhadores em Telefonia (fixa e móvel); Telemarketing e Trabalhadores em informática e processamento de dados; 15. Educação Privada – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Professores e Auxiliares em administração escolar; 16. Cultura, Esportes e Lazer – São trabalhadores dos seguintes setores: Cultura; Esportes; Recreação e Lazer e Trabalhadores em clubes em geral.

 

V – Proletariado do Setor do Comércio – 17. Comerciários – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Vigilantes, Segurança e Investigação; Movimentadores de Mercadorias; Armazenagem de carga em geral; Movimentadores de carga em geral e Trabalhadores em Supermercados; VI – Setor Público – Temos que ter claro que os servidores públicos não integram a classe social do proletariado, mas os apresentamos aqui para completar todos os ramos de atividades econômicas e de trabalho existente no país; 18. Educação Pública – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Professores e Auxiliares em administração escolar; 19. Servidores Públicos – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Municipais; Estaduais e Federais (separados pelos poderes, como executivo, judiciário e legislativo); 20. Saúde e Seguridade Social – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Trabalhadores em Saúde pública e Trabalhadores em Seguridade Social pública.

 

VII – Setor Profissional, Técnico e Científico – Da mesma forma que os servidores, não é automático que todos os profissionais liberais são proletários. Vai depender da análise de cada caso, da sua situação funcional e empregatícia. Mas, para efeitos de entendimento de ramos e setores do trabalho, eles aparecem neste estudo. 21. Profissões Liberais – São trabalhadores compostos pelas seguintes categorias profissionais: Técnicos (industriais, agrícolas, segurança do trabalho e demais) e Tecnólogos; Todas as profissões regulamentadas, reconhecidas, com estatuto legal e/ou conselhos profissionais fiscalizadores do exercício da profissão (em torno de 40 no país hoje)[4] e Pesquisadores em geral.

Quero registrar aqui, em especial, uma categoria de trabalhador que terá um capítulo especial em nosso futuro livro, que é a categoria médica. Vejamos o caso de um médico que tem um emprego de manhã em um hospital privado, onde é plantonista por exemplo. Atende por empreitada, pacientes de vários convênios que o hospital tem. Esse médico, em sua jornada de quatro horas diárias de trabalho recebe um valor “x” por mês, mas produz uma renda para os proprietários desse hospital no valor de “y” (que é “x” mais um plus, ao qual chamamos de mais-valia). Assim, ele paga a sua jornada de trabalho com apenas uma ou duas horas e as restantes trabalhadas são apropriadas na forma de riqueza pelo seu patrão. É um proletário do setor de serviços. Pode acontecer que esse mesmo médico, saia desse plantão pela manhã e na parte da tarde, exerça alguma função em hospital público. Esse médico, nesse momento, deixa de ser proletário. E para complicar ainda mais, ele pode ter um consultório onde atenda pacientes particulares após o final da tarde, não sendo aqui nem proletário, nem burguês, mas apenas um trabalhador de si próprio, como diz Marx.

A seguir, vamos apresentar uma série de definições de classes sociais de vários autores. Na sua maioria, não são marxistas. Eles podem ser divididos em dois tipos: os funcionalistas e os marxistas, sendo que os primeiros são os autores que definem classes levando em consideração aspectos tais como renda, status, educação etc. Para os marxistas, o mais importante é a fonte das rendas que as pessoas possuem, ou seja, de onde vem a sua riqueza.

O sociólogo Max Weber (1864-1920), que era um profundo conhecedor a obra de Marx, mas nunca foi marxista ou mesmo socialista, refere-se às classes sociais como à probabilidade de indivíduos ou grupos de pessoas na obtenção de oportunidades de vida, cujas condições são determinadas pelo mercado. Cada grupo social possui seus interesses de classes e exibe o mesmo padrão de vida. “A propriedade e a ausência de propriedade são as categorias básicas de todas as situações de classe. O fator que dá origem às classes é inquestionavelmente o interesse econômico”. Weber reconhece que a classe dos proprietários goza de vantagens particulares no acesso aos bens. Observemos que ele não relaciona classe social com propriedade dos meios de produção.

 

Para o sociólogo Émile Durkheim (1858-1917), a sua definição de classe social é a seguinte: “classes são um arranjo de coisas que se percebem como relacionadas e semelhantes entre si, formando grupos separados por linhas demarcatórias nítidas. Esses grupos acham-se coordenados ou subordinados uns aos outros, formando hierarquias ou oposições. As relações que mantêm entre si permitem considerar alguns como dominantes e outros como dominados e, ainda, outros como independentes”. Da mesma forma, não há nenhuma relação com propriedade dos meios de produção e com renda com que uma pessoa possa sobreviver (Marx mencionará salário, lucro empresarial e dinheiro advindo da especulação financeira ou locatária).

Há uma série de sociólogos não marxistas, de correntes que chamamos de funcionalistas, que definem classes sociais relacionadas com ocupação, desigualdades de renda e nível educacional. Outros falam em grupos de pessoas cujas posses em comum as levam a compartilhar as mesmas ocupações, sendo que a interação que daí resulta conduz à criação de valores comuns e à consciência de classe. Exemplos desses funcionalistas são Thomas Humphrey Marshall (1893-1981) e Joseph Alan Kahl (1923-2010).

O mais funcionalista de todos, que passa ao longe do marxismo é o sociólogo Bruce J. Cohen que define classe social como “segmento da população que se diferencia dos outros segmentos da mesma população em termos de valores comuns, prestígio, atividades de associação, riquezas e outras posses acumuladas e etiqueta social. Na sociedade americana os três indicadores de classe social são: Renda, Ocupação e Educação. Existem outros ainda, como: raça, religião, nacionalidade, sexo, lugar de residência e origem familiar”. Sob meu ponto de vista, todas as características listadas por esse sociólogo não nos permite, de forma lógica, enquadrar pessoas em uma das duas classes sociais antagônicas em que são divididas as sociedades modernas, que são a burguesia e o proletariado.

Um dos autores também bastante funcionalista é o sociólogo escocês Robert Morrison MacIver (1882-1970), que definiu classe como “qualquer porção de uma comunidade separada do resto não por limitações de correntes de idioma, localidade, função ou especialização, mas primordialmente por um sentido de distância social. Embora fatores como nível de renda e distinção ocupacional estejam usualmente implicados, é o reconhecimento geral de superioridade e inferioridade de status que separa uma classe de outra e dá, a cada uma, coesão”.

Vejamos agora o maior economista inglês do século XVIII, um fisiocrata, que foi Adam Smith, na qual bebeu muito de seus estudos e conhecimentos, aproveitando boa parte deles e desprezando os equivocados. Prestem atenção a esta sua definição de classe social e vejam como é semelhante a que Marx apresenta, como veremos a seguir: “todo o produto anual da terra e do trabalho de cada país divide-se em três partes: a renda da terra, os salários dos trabalhadores e os lucros do dinheiro; e constituem uma renda para três ordens diferentes de pessoas; para aqueles que vivem de rendas, para aqueles que vivem de salários e para aqueles que vivem do lucro. Estas são as três grandes ordens originais e componentes de toda a sociedade civilizada”. Vejam que ele usa o termo “ordens diferentes de pessoas” e não classe social. Mas o essencial é como esses três tipos de pessoas vivem na sociedade e como elas fazem e com que renda elas se mantém.

           

Por fim veremos como Marx define classe social. E como dissemos anteriormente, ele acabou morrendo sem nos dar uma definição mais aprofundada sobre o significado de classe social. No entanto, foi o suficiente para que estudiosos e autores que se apresentam como marxistas, desenvolvessem seu pensamento para compreender o significado de classe social. Marx também, como Smith, relaciona classe com renda e fontes de renda.

Vejamos a seguir como ele nos apresenta a sua curta definição de classe social: “Os proprietários da simples força de trabalho, os proprietários do capital e os proprietários de terras, cujas respectivas fontes de renda são os salários, o lucro e a renda imobiliária, em outras palavras, os trabalhadores assalariados, os capitalistas e os donos de terras formam as três grandes classes da sociedade moderna, baseada no sistema capitalista de produção. O todo da história anterior é uma história de luta de classes, que em todas as lutas políticas simples e complicadas a questão única em pauta foi o domínio social e político das classes sociais. O que é uma classe? A resposta a essa pergunta decorre da que dermos a esta outra: O que é que transforma os operários, os capitalistas e os proprietários de terras em fatores das três grandes classes sociais? É a primeira vista, a identidade de suas rendas e fontes de rendas. São três grandes grupos sociais cujos componentes, os indivíduos que os constituem, vivem respectivamente de salário, do lucro e da renda fundiária, isto é, da exploração da sua força de trabalho, de seu capital ou de sua propriedade fundiária (O Capital, vol. III).

Prestemos atenção que o próprio Marx menciona a existência de três e não apenas duas classes sociais como nós sempre dissemos (nós e todos os marxistas). A minha explicação para esse fato – e Marx também enfatiza isso – é que as duas principais são mesmo a burguesia e o proletariado. No entanto, uma categoria nova na jovem sociedade capitalista emergente, era a de um grupo de pessoas que vivia exclusivamente de renda fundiária (da terra), no caso arrendamento de extensas terras para cultivo ou criação de gado, bem como a locação de dezenas de imóveis nas cidades. Marx os chama assim de rentistas. Mas, também podem viver da renda do capital, ou seja, da especulação financeira. Marx não vai conhecer isso em profundidade pelo fato que no final do século XIX isso não era tão acentuado como vemos nos dias atuais. No entanto, temos que prestar muita atenção a este setor da sociedade, pois no sistema de capitalismo financeiro, essa classe social é a mais poderosa, já que o modelo neoliberal privilegia a especulação e não o chamado capitalismo produtivo, gerador de empregos.

Por fim, concluo este capítulo de classes sociais com a melhor e mais cientifica definição de classe que eu já estudei. Muito precisa e científica. Ela foi formulada por Wladimir Ilyich Oulianov Lênin, líder da Revolução Socialista de Outubro na Rússia em 1917 e líder do Partido Comunista da Rússia. “As classes são grandes grupos de pessoas que diferem uma das outras pelo lugar ocupado por elas num sistema historicamente determinado de produção social, por sua relação com os meios de produção, por seu papel na organização social do trabalho, e pelas dimensões e método de adquirir a parcela da riqueza social de que disponham. As classes são grupos de pessoas onde uma se pode apropriar do trabalho de outra, devido aos lugares diferentes que ocupam num sistema definido de economia social”[5].

A origem e a evolução do Estado[6]

Estudar o conceito de estado e sua evolução na história é parte integrante da Sociologia marxista, mas, como dissemos, só foi desenvolvida por Lênin, em sua grande obra intitulada O estado e a revolução (publicado em agosto de 1917 na Rússia, há dois meses da eclosão da Revolução de Outubro).

Igualmente como as classes sociais, que não existiram sempre, também o Estado é uma criação recente das sociedades humanas. Nos primórdios da humanidade, talvez há sete ou até dez mil anos atrás (por ironia, como dizia a música de Raul Seixas), provavelmente na África, ou mais especificamente no Norte do continente, talvez no antigo Egito, e também na região do Mediterrâneo e no Mar Egeu da Grécia, foram registradas certas transformações que acabaram dando origem às classes sociais e posteriormente ao Estado, cujas formações acarretaram nos primeiros estados escravistas que a humanidade conheceu.

A característica central da comuna primitiva era a inexistência de classes sociais e da propriedade privada dos meios de produção. A produção tribal, gentílica, como dizia Karl Marx, de todo o clã, era utilizada em benefício da comunidade. Todos os instrumentos de trabalho, por sinal bastante primitivos e rudimentares, eram propriedade de todos, coletiva.

Mas, mesmo com essa coletivização não significava que não havia funções sociais, desempenhadas por todos os membros da tribo. Existiam várias. As mais destacadas são a dos agricultores, dos caçadores, dos artesãos, dos guerreiros (na verdade, na hora da guerra contra tribos rivais, todos se transformavam em guerreiros e iam à luta), alguns eram sacerdotes (curandeiros, pajés e outros nomes afins).

Um, entre todos esses, desempenhava o papel de chefe. Geralmente o mais bravo guerreiro, o mais sábio e quase sempre o mais velho entre os membros da tribo. Não havia eleições, é verdade, mas a escolha era quase que natural, consensual. Assim, não havia a necessidade de um aparelho estatal, um conjunto de pessoas imbuídas da tarefa exclusiva de governar, e muito menos havia o monopólio das armas e da violência em poder do estado. Todos os membros da tribo tinham alguma arma consigo em suas casas.

A organização social da comuna primitiva, embora não muito desenvolvida, pautava-se pelas seguintes características: a) autoridade do chefe; b) respeito mútuo; c) respeito às mulheres; d) respeito aos costumes e às tradições. Essas condições mantinham a coesão no grupo tribal, mesmo não havendo um conjunto de pessoas especialmente dedicadas à tarefa de governar a vida dos outros, muito menos a necessidade de se manter o monopólio das armas. E não havia a indisciplina entre os membros do clã. Por que isso ocorria?

A força do hábito, as tradições, a autoridade dos mais velhos, o respeito às mulheres e o respeito natural eram suficientes para que fosse mantida a ordem na tribo. As armas existentes nunca eram usadas contra os próprios membros da tribo. Serviam apenas para a defesa da comunidade contra o meio ambiente e tribos guerreiras vizinhas.

           

Com o desenvolvimento histórico, constatou-se, porém, que em um determinado momento na comuna primitiva, foi necessário implantar um sistema onde houvesse um poder nas mãos de poucos, com o monopólio das armas em suas mãos.

O que estava em curso era a modificação do modo de produção comunal, impactado que estava sendo pelas novas técnicas produtivas, pelas novas descobertas e invenções. As relações de produção baseadas na propriedade coletiva dos meios de produção estavam dando lugar às relações de produção baseadas agora na propriedade privada. A velha autoridade havia se tornado ineficaz, pois se baseava apenas no respeito e nas tradições. Era preciso estabelecer uma nova ordem, desta vez baseada no medo.

           

Mas, mais do que isso, a nova classe dominante, poderosa economicamente, que estava surgindo, que viria a ser os senhores proprietários de escravos, para manter a ordem, tinha que defender ideias para demonstrar que o sistema social vigente era justo. Assim, surge também a ideologia, que podemos resumidamente definir como um conjunto de ideias de uma determinada classe social em determinada época histórica.

Difundiu-se a noção metafísica do direito absoluto dos senhores sobre os escravos. Um direito dos vencedores sobre os vencidos. Dessa forma surgem, então, as leis e a moral. Segundo Politzer, podemos dizer que o direito completa e consagra a força e a religião completa e santifica o direito.

Essa harmonia primitiva só iria ser quebrada quando ocorrerem modificações na forma como as pessoas produziam as coisas para a sua sobrevivência. O modo primitivo de produção – que se caracterizava pela propriedade coletiva dos meios de produção –, havia cedido lugar para um outro modo de produção, mais avançado – ainda que moralmente condenável – que viria a ser o escravista.

Com o desenvolvimento das técnicas produtivas, em especial na agricultura; com as descobertas de algumas ferramentas especiais, como o arado, o machado e até o simples vaso de barro que permitiria armazenar o excedente de produção; com a diferenciação das funções; com o sucesso obtido pelos agricultores, que passaram a usufruir o excedente da produção; com a existência de prisioneiros capturados das batalhas com vizinhos, todos esses fatores reunidos, levaram ao surgimento das classes sociais, em especial daquelas pessoas transformadas em escravos e as que passaram a ser seus proprietários.

Pelas definições que vimos sobre classes sociais, é possível vislumbrar que, com o aparecimento das classes sociais, seria inevitável o surgimento de um aparato repressivo policial-militar, com suas estruturas jurídico-político-legais que precisavam ser preservadas. Havia interesses imensos em jogo, privilégios que precisavam ser protegidos. Daí a necessidade de se criar o aparato do Estado, tal qual conhecemos na atualidade.

 

Histórico, conceituação e caracterização do Estado

Da mesma forma que as classes sociais, o estado também não existiu sempre. Passaram-se milhares de anos de desenvolvimento das comunas primitivas, nos primórdios da humanidade, sem que conhecêssemos ou necessitássemos de uma forma estatal de poder, como a que vemos na atualidade.

Nos primórdios do desenvolvimento social, havia fortes misticismos, crendices e uma religiosidade acentuada na maioria das pessoas de todas as tribos e clãs existentes. Os sacerdotes, conselheiros dos chefes tribais, exerciam grande influência e tinham muito poder interno nas comunidades. Isso é fato, à medida que muitos fenômenos da natureza não conseguiam ser explicados, sendo imediatamente creditados a forças superiores, com as quais não se mantinham contatos diretos, privilégio esse exclusivo dos sacerdotes, curandeiros, oráculos etc.

Aqui também surgem as primeiras ideias que correspondem às novas classes sociais que vinham aparecendo na nova sociedade escravista que surgiria. Assim, criavam-se novas ideias que justificassem as novas necessidades para a sociedade, ideias essas que propagavam as divisões de classes como sendo boas, nobres, justas etc. Assim, no regime escravista, ser escravo era "bom" e estes ganhariam o reino dos céus, mesmo sendo pobres, despossuídos, escravos ou servos.

Nesse sentido, também se encontra na literatura em geral uma farta documentação com muitas definições sobre o Estado. Do ponto de vista de classe, a burguesia apresenta a formação estatal como sendo neutra, destituída de poder repressivo, existindo apenas para desenvolver o bem-estar comum de todos na sociedade, para evitar conflitos e resolver problemas. Uma concepção idealista de fato.

Ainda Engels, em sua obra magistral, intitulada A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado[7] aprofunda essa questão. Descrevendo o momento exato do surgimento do Estado, quando aparece o excedente de produção no final das comunidades primitivas e gentílicas, afirma que o “Estado deveria ser uma instituição que não só assegurasse as novas riquezas dos indivíduos contra as tradições comunistas da comunidade gentílica, que não só consagrasse a propriedade privada antes tão pouco estimada e fizesse desta santificação mais elevada da comunidade humana, sem o que, ademais, imprimiu o selo do reconhecimento geral da sociedade a novas formas de adquirir a propriedade, que se desenvolviam umas depois das outras e, portanto, a acumulação cada vez mais acelerada das riquezas; em uma palavra, faltava uma instituição que não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, como também o direito da classe possuidora de explorar a não possuidora e do domínio da primeira sobre a segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado”. Aqui também uma das melhores definições sobre o surgimento e o conceito marxista de Estado.

Definições de estado no decorrer dos séculos da história humana

 

Em uma rápida pincelada histórica, podemos notar que a discussão sobre o Estado é muito antiga. O filósofo grego Protágoras (486-404 a.C.) defendia que todos os cidadãos devem ter participação na vida política da sociedade e ter direitos de decidir sobre os assuntos do Estado. Já seu contemporâneo Platão (427-347 a.C.), dizia o contrário. Seu modelo ideal de Estado era o aristocrático, ou seja, governado pelos sábios, pelas elites, pelos melhores, pelos filósofos. Isso foi tratado em detalhes em sua obra A República. Foi Tomás de Aquino (1226-1274), filósofo e teólogo medieval, que afirmava ser dever de todos obedecer ao Estado, pela sua origem "divina".

O filósofo árabe, medievalista e magrebino, quase ignorado no ocidente, Ibn Khaldun Abd Al-Raman (1332-1406), em sua obra monumental intitulada Os prolegômenos (em árabe El Mukhadima) aborda a questão do Estado com maestria, estabelecendo inclusive algumas leis gerais da ciência política sobre a organização dos impérios islâmicos, sua ascensão, apogeu e queda[8].

Nicolau Maquiavel (1469-1527), quase 130 anos depois de Khaldun, também irá tratar desse assunto, em O Príncipe, quando lança os fundamentos da política, como arte de governar os Estados, ou mais exatamente, como arte de atingir, exercer e conservar o poder. Foi durante o seu desterro político, quando refletia sobre questões políticas em geral e sobre a Itália, que Maquiavel escreve suas principais obras: O Príncipe e Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, em que aparecem as suas posições bastante claras sobre o Estado[9]. Para Maquiavel, o Príncipe deve se preocupar em conservar o poder e preservar o Estado. Para ele, deve-se levar em conta na política apenas o seu resultado, sendo todo o resto secundário[10].

No final do feudalismo, um dos principais teóricos do Estado nacional absolutista foi o cardeal francês Richelieu (1582-1642), primeiro-ministro de Luís XIII. Este se opõe à alta nobreza e procurará garantir os privilégios dos huguenotes (designação pejorativa dos protestantes franceses) e criará um exército permanente que submete duramente as administrações provinciais à Coroa[11].

Será com o inglês Thomas Hobbes (1588-1679) que aparecerão as primeiras ideias e concepções modernas sobre a questão da soberania do Estado moderno. Para Hobbes, o homem em seu estado natural, isolado, em estado puro, desfruta em todas as coisas um direito geral e absoluto. No entanto, o homem não está sozinho. Cada homem, igual ao outro, encontra como limite e obstáculo ao seu direito absoluto o direito absoluto e o poder de cada um. Cada homem é o inimigo do outro, está em guerra pelo menos virtual com o próximo[12].

Hobbes, como grande teórico do absolutismo, conclui que a autoridade do Estado deve ser absoluta, a fim de proteger os cidadãos contra a violência e o caos da sociedade primitiva, motivo pela qual os homens se unem politicamente, organizando-se num Estado absoluto e vivendo felizes tanto quanto permite a condição humana. Ele ressaltava a necessidade de outros integrantes de uma sociedade política concederem poderes absolutos ao governante ou à classe dirigente. Hobbes trata ainda da questão do monopólio da coerção física, da violência institucionalizada. Sobre isso, afirma o professor Nicola Matteucci: seus sucessores confundiram este monopólio legal da sanção com a mera capacidade de se fazer obedecer, reduzindo, dessa forma, a soberania à mera efetividade, isto é, à força.

Aqui se iniciam as teorias contratualistas de formação de sociedade e consequentemente de estados, que vão alimentar teóricos burgueses que o sucederam, em especial Jean Jacques Rousseau, que acabou morrendo em 1778 sem ter visto as suas ideias burguesas postas em prática com a revolução francesa de 1789.

Charles Louis de Secondat, mais conhecido historicamente como Barão de Montesquieu, também contemporâneo de Rousseau, teórico burguês, defende a tese da "separação dos poderes", para que seja evitada a centralização dos poderes nas mãos de uma só pessoa. É o início da luta teórico-prática contra o absolutismo monárquico. Para ele, em cada Estado há três espécies de poder: o legislativo, o executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o executivo das que dependem do direito civil.

Finalmente, há que se comentar sobre a questão do conteúdo e do caráter do Estado nacional moderno. Toda e qualquer organização de Estado, representa necessariamente, uma classe social. Se a forma de pensar dominante de uma sociedade é exatamente como a classe dominante dessa sociedade pensa, também é certo que o caráter de um Estado é dado pela classe social que ocupa o seu aparelho político.

Basicamente, com a evolução da humanidade, desde o aparecimento das classes sociais, presenciou-se a existência de três tipos de Estados, que se relacionavam com as classes sociais de suas respectivas épocas. São eles: o escravista, o feudal e o burguês capitalista, da atualidade. Nessas organizações estatais, quem dava o caráter de classe desses Estados, foram, respectivamente, os senhores proprietários de escravos, os senhores feudais e finalmente, os burgueses e capitalistas.

O historiador e professor da USP, Carlos Guilherme Motta, em um dos seus livros afirma que o Estado moderno surge com a crise do sistema feudal. Na Idade Média não havia Estados nacionais. Mas, a partir do século XVI, pode-se notar que a unificação territorial passa a se contrapor à imensa quantidade de feudos submissos ao Imperador do Sacro Império e do Papa.

Os burgueses europeus, ainda sem o poder político, mas já com o poder do capital, passam a financiar os reis e monarcas, de forma que estes também dependem dos burgueses, em uma relação intrínseca que não seria desfeita até a tomada do poder político pela própria burguesia, através de suas monumentais revoluções francesas (1789) e americana (1776). Na revolução inglesa, ocorrida bem antes (1630-1648), os nobres ficam de forma decorativa no poder do Estado, mas quem detém o poder político real através do parlamento é a burguesia, que se transformaria em classe dominante[13].

O importante teórico alemão e sociólogo Max Weber relaciona o Estado com o monopólio da violência. Assim ele define o Estado: por Estado há de se entender uma empresa institucional de caráter político onde o aparelho administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão do monopólio da legitima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis.

Ainda utilizando Norberto Bobbio, quando este cita Jean Bodin, ele define Estado como um governo justo de muitas famílias e daquilo que lhes é comum, com poder soberano; e poder soberano é o poder absoluto e perpétuo. O Estado tem, portanto, um papel, desde o seu surgimento: o de ser, segundo Marx, um organismo de dominação e de opressão de classes.

Assim, de acordo com Engels, o Estado é o Estado da classe mais poderosa, daquela que domina economicamente e também politicamente. Os filósofos, políticos e sociólogos apresentam o Estado de diversas formas. Falou-se em Estado democrático, aristocrático, monárquico, teocrático, republicano etc. Pouco se fala sobre o caráter e o conteúdo de classe do Estado. Falaram muito também os teóricos sobre o Estado que teria a tarefa de assegurar o “bem comum”, que agiria no “interesse de todos”.

A questão central que se coloca e que devemos responder é: No interesse de quem e contra quem o poder do Estado é exercido? A resposta a essa questão dará o conteúdo e o caráter de classe de um determinado Estado. Aqui está a chave de um mistério de séculos que ou não foi respondido pelos pensadores ou – pior que isso – foi ocultado das pessoas, que procuraram sempre apresentar a máquina estatal como sendo “neutra”.

O Estado moderno, burguês, tal qual nós o conhecemos, se caracteriza basicamente: 1. Pela existência da burocracia e do funcionalismo e 2. Pela existência do sistema republicano, seja parlamentarista ou presidencialista. Portanto, todo Estado, qualquer que seja a sua forma e conteúdo, exerce uma ditadura de classe sobre o conjunto das pessoas de uma sociedade.

Algumas definições e conceituações de estado

Weber – O Estado é uma forma de associação que se distingue de todas as outras associações humanas, à medida que reclama para si o monopólio da coerção. Isto é, a possibilidade exclusiva do emprego legítimo dos meios da violência física.

Maquiavel – Referia-se a uma nova condição ou situação de uma sociedade humana, aquela em que ela se acha dotada de uma organização política centralizada e uniforme. Referia-se a um objetivo: que os súditos estivessem em relação direta com uma e somente uma autoridade válida para todo o território.

Rousseau – Se todas as associações têm em mira algum bem, o Estado ou associação política, que é a mais elevada e que envolve todas as demais, pretende, em grau mais elevado, do que todas as outras, ao mais alto bem.

 

Tomás de Aquino – Filósofo e teólogo medieval, afirmava ser dever de todos obedecer ao Estado, pela sua origem (Divina). Viveu entre 1226-1274.

Thomas Hobbes – Para Hobbes, o homem em seu estado natural, isolado, em estado puro desfruta em todas as coisas um direito geral e absoluto. No entanto, o homem não está sozinho. Cada homem igual ao outro, encontra como limite e obstáculo. Ao seu direito absoluto o poder de cada um. Cada homem é o inimigo do outro, está em guerra, pelo menos virtual, com o próximo. A autoridade do Estado deve ser absoluta a fim de proteger os cidadãos contra a violência e o caos da sociedade primitiva, motivo pelo qual os homens se unem politicamente, organizando-se num estado absoluto e vivendo felizes tanto quanto permite a condição humana.

Vladimir Lênin – O Estado é uma organização para governar os explorados que se destacou da sociedade humana e, aos poucos, diferenciou-se dela. Supõe a existência de um grupo especial de homens, os políticos, que utilizam, para isso, um organismo concebido para a subordinação da vontade de outros pela violência.

Friedrich Engels – O Estado é um produto da sociedade em determinado estágio de seu desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enleia numa contradição insolúvel consigo própria, estando cindida em oposições inconciliáveis, que ela é impotente para conjurar. Mas, para que os antagonistas, as classes com interesses econômicos opostos, não se destruam, a elas e a toda a sociedade, numa luta estéril, impõem-se a necessidade de um poder que, colocado aparentemente acima da sociedade, deva limitar o conflito, mantê-lo dentro dos limites da ordem; esse poder, nascido da sociedade, mas que se coloca acima dela e se torna cada vez mais estranho a ela, é o Estado... Faltava uma instituição que não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, como também o direito da classe possuidora de explorar a não possuidora e do domínio da primeira sobre a segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado.

Por suposto, como sociólogo marxista, entendo que as duas últimas definições sobre o aparelho estatal e a sua origem e desenvolvimento, são estas duas últimas, de Lênin e de Engels.

 

[1] Um dos melhores livros de teologia que li é do iraniano Reza Aslan. Ele tem dois livros publicados no Brasil e eu recomendo ambos aos que gostam de estudos religiosos. O primeiro é Zelota, a vida e a época de Jesus de Nazaré, editado pela Zahar, 2013, com 304 páginas. O segundo, ainda melhor, chama-se Deus, uma história humana, da mesma editora, publicado em 2018 com 284 páginas. Esta passagem aqui mencionada é do segundo livro, pág. 153).

[2] Boa parte deste capítulo foi escrita tomando-se por base um curso que realizei na Escola Nacional de Formação de Quadros do PCdoB, em especial na aula intitulada “Concepção do mundo de materialismo dialético-histórico”, de janeiro de 2013.

[3] Sua obra principal e mais popular foi Conceitos elementares de materialismo histórico, editado no Brasil pela Cortez desde 1971 com 317 páginas (várias outras editores também publicam essa mesma obra”.

[4] São as seguintes: Auditor, Administrador, Advogado, Agrimensor, Agrônomo, Arquiteto, Assistente Social, Atuário, Bibliotecário, Biólogo, Biomédico, Contador, Dentista, Economista, Economista, Economista Doméstico, Educador Físico, Enfermeiro, Engenheiro, Engenheiro de Operações, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Estatístico, Farmacêutico, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Geógrafo, Geólogo, Jornalista, Médico, Médico Veterinário, Museólogo, Nutricionista, Psicólogo, Publicitário, Químico, Relações Públicas, Secretário Executivo, Sociólogo e Zootecnista.

[5] Uma Grande Iniciativa, Obras Escolhidas, Volume III, Editora Alfa Ômega, São Paulo, 1980.

[6] Tanto este capítulo sobre classes sociais como estado, baseei-me no livro citado da Martha Harnecker, mas em especial no livro que tem o nome de George Politzer na capa, mas não é de sua autoria. Ele foi escrito por dois de seus discípulos, Guy Besse e Maurice Caveing, intitulado Princípios Fundamentais de Filosofia, editado pela Hemus Editora. Essa obra influenciou, desde a década de 1950 uma legião de marxistas em todo o mundo.

[7] Editora Civilização Brasileira, 1980, 6ª edição, Rio de Janeiro, 216 páginas.

[8] "Os Prolegômenos", Tradução de José e Angelina Khoury, São Paulo, Comercial Safady, 3 Volumes, 1958-1960.

[9] NADAI, Elza & NEVES, Joana, História Geral – Moderna e Contemporânea, Saraiva, 4ª ed., SP, 1987, pág 42.

[10] FAORO, Raymundo, no verbete "Política" da Enciclopédia Mirador Internacional, São Paulo, Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1977, pág. 9/051-2.

[11] NADAI, Elza, op. cit., pág 47.

[12] Sua monumental obra foi Leviatã, ou Matéria, Palavra e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil. esse é um livro de domínio público com várias editoras publicando no Brasil.

[13] Para maiores exemplos e ilustrações sobre esse tema, ver os capítulos VII "Aí vem o Rei" e VIII "Homem Rico...", do livro História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman, Zahar, 15ª edição, RJ, pág 78-106, em especial a pág 102, no exemplo que ele dá sobre o banqueiro Jacob Fugger que acabou por decidir quem ficaria com a coroa do Sagrado Império Romano, quando emprestou 543 mil florins para Carlos V da Espanha arrebatar a coroa.

 

  1. Aspectos do pensamento econômico de Marx

Foi Marx quem estudou a fundo a gênese do sistema capitalista. Ele descreveu suas características fundamentais, apontando as relações de trabalho, ao qual chamou de alienado no duplo sentido da palavra. Isso quer dizer alienado no sentido de que o trabalhador se aliena – vende o seu trabalho, para o empregador e alienado nos sentido filosófico, pois os trabalhadores produzem para outros e não vêem sentido no que fazem ou, como o próprio Marx utilizava, estranhavam o que faziam. “Assim o trabalhador se aliena ao capitalista como um fiel se aliena aos seus deuses e ídolos”, dizia Marx em O Capital.

Apontou pela primeira vez o trabalho humano como uma mercadoria; sendo, então, o capitalista que o compra desprovido de ética. Marx fala em um sentido especial da força de trabalho, vendida como mercadoria, pois ela sempre encerra um valor muito maior do que vale (ou pelo menos o que os trabalhadores recebem pelo seu trabalho durante determinado número de horas diárias de trabalho). Se pudéssemos explicar esse conceito melhor, sería lembrando a lenda de um rei chamado Midas, onde tudo que ele tocava virava ouro. Também é assim com o proletariado moderno. Todo o trabalho dos proletários produzem mercadorias (bens materiais e imateriais) que, vendidas, reproduzem uma riqueza muito além do que os capitalistas investiram na sua produção.

Pela primeira vez na história, e diferentemente de outros economistas que o antecederam, como os fisiocratas[1] ingleses mais famosos como Davi Ricardo e Adam Smith, precursores do liberalismo moderno, foi Marx quem conseguiu ver a força de trabalho como uma mercadoria peculiar, pois produz um valor muito maior do que se encerra. Isso significa que o patrão paga um determinado valor para um operário trabalhar por hora e essa força de trabalho, em cima de alguma matéria-prima, agregará valor ao produto que, posteriormente, será comercializado.

Aqui quero registrar uma questão fundamental. É comum darmos exemplos, quando ensinamos este conceito de mais-valia (ou mais-valor como sugere o tradutor de O capital, Rubens Ederle, da Editora Boitempo) sobre produção de peças e mencionarmos que são os operários que as produzem. No entanto, na atualidade, surge um setor muito forte em nossa sociedade, de trabalhadores que não são operários stricto senso, que produzem serviços e nas mais distintas áreas que podemos imaginar. Na época de Marx, esse setor era muito pequeno.

Assim, quando falamos de “produção de peças” em nossos exemplos, estamos nos referindo à produção de bens materiais. No entanto, e os bens imateriais? Ou bens espirituais? Quando vamos assistir a uma peça de teatro, não “pegamos” no serviço que nos prestam os atores no palco. Eles produzem o que chamamos de “bens imateriais”, ou seja, produtos na forma de serviços que não são palpáveis e são relacionados com nosso espírito, nossas mentes, nosso conhecimento[2].

A questão do valor na obra de Marx tem um papel fundamental. Ele dizia que “o valor de todas as coisas corresponde à quantidade de trabalho médio socialmente necessário incorporada nelas e necessário à sua fabricação”. Não foi o primeiro a tratar do valor. Aristóteles, na antiguidade clássica, em especial em seu livro Ética a Nicômano, capítulo V, trata da questão do valor e influencia outros filósofos no decorrer da história sobre esse tema (isso ocorre em uma situação que ele divaga sobre como seria possível a um sapateiro pagar os serviços de um arquiteto para ele construir a sua casa, ou quantos pares de sapato ou sandálias esses sapateiro/artesão teria que dar em troca). Outros filósofos, como Tomas de Aquino também trataram desse assunto.

Mas, somente com Marx é que se chega a uma relação de valor como sendo algo relacionado com a quantidade de horas necessárias para a produção de bens, peças e serviços. Parece simples estudando hoje essa questão, mas para a sua época foi um grande avanço essa teorização. Ou seja, apenas Marx conseguiu desvendar o segredo, o grande mistério do valor das coisas.

Há um ponto em comum entre Marx e os fisiocratas ingleses, em especial Adam Smith. Eles concluem a mesma coisa: somente o trabalho é capaz de produzir riqueza. Assim, quando alguém fica rico, nunca será a partir de seu exclusivo trabalho, mas do conjunto da força de trabalho dos funcionários que vai contratando conforme sua empresa vai crescendo. No entanto, até pelo fato de sempre dizermos que o pensamento marxista recepcionou as ideias de Smith e Ricardo, ele na verdade rejeitou parte desse pensamento, aperfeiçoando-o ainda mais. Marx vai dizer que não é “todo trabalho que produz riqueza”. Apenas o que ele chamou de trabalho “produtivo”, ou seja, produtor de mais-valia[3].

Não há como não concluir que a questão do trabalho é central na obra e na teoria marxista. Seja trabalho como medida de valor, seja trabalho como forma de produção de tudo que seja necessário para a existência das pessoas. Marx buscava descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna.

Aliás, uma das grandes contradições apontadas por Marx em sua obra é quando diz que o capitalismo, igualmente como os sistemas econômicos que o antecederam, é um sistema que nasceu fadado a morrer. Isso porque o capitalista não pode parar nunca de investir mais e mais em sua empresa, que deve crescer sempre, que deve se atualizar em termos de tecnologia e isso vai ficando cada vez mais caro; mesmo que isso signifique reduzir o número de empregados e, invariavelmente, a margem de lucro ao invés de crescer, acabará por diminuir. Diferente dos preços que, pela concorrência e investimento tecnológico e aumento de produção, acabam caindo no mercado. Esse empresário sabe que se subir muito seus preços, perderá competitividade no mercado. Assim, a produção vai ficando cada vez mais sofisticadas e cara, mas os preços ficam estabilizados.

O centro da obra de Marx é o conceito de mais-valia. Ele acaba por fazer uma distinção entre trabalho-ação, que os operários vendem aos capitalistas, e trabalho-resultado, produto final do trabalho operário que é vendido pelos patrões no mercado. Para Marx, essas duas formas de trabalho não possuem valores iguais. A diferença entre esses valores – o pago aos operários e o adquirido com as vendas – é o que ele chama de mais-valia, que pode ser entendido em sentido amplo, mas não de todo corretamente, como lucro das empresas.

Na conceituação de mais-valia, Marx fala que os operários do sistema produtivo, que produzem peças e bens de consumo durante certa parte da sua jornada diária de trabalho, produzem valor suficiente para pagar a matéria-prima e seus próprios salários bem como demais custos para a sua produção. Assim, para Marx, os próprios operários pagam seus salários e não os patrões – o que era, na época, um fato novo.

No entanto, essa parcela de trabalho, essa jornada, é só uma parte do dia do operário. Ele continuará trabalhando mais algumas horas, produzindo mais peças, mais valores, mais trabalho-resultado ou mais serviços e não receberá nada mais por tudo isso.

A essa jornada de trabalho, efetivamente trabalhada, mas não remunerada, Marx chama de Mais-Valia (é importante que não se confunda essa jornada com horas-extras, pois ela é cumprida durante o horário normal de expediente do trabalhador). Assim, há uma relação direta entre mais-valia e valor agregado, riqueza produzida e apropriada pelos capitalistas, detentores dos meios de produção e se relaciona diretamente também com o que ele vai definir como acumulação primitiva de capital, ou seja, a forma como vai enriquecendo os patrões e a burguesia enquanto classe social, proprietária dos meus de produção.

Karl Marx também previu o fim do sistema capitalista e a sua substituição histórica por outro sistema econômico, baseado na propriedade coletiva dos meios de produção. Chamou essa sociedade futura de Socialismo. Segundo ele, o capitalismo, como todos os outros sistemas, traz dentro de si uma contradição insolúvel que o levará à destruição. Com as constantes contratações de pessoal (classe operária e proletariado) e com a parcelização do trabalho a produção torna-se cada vez mais socializada, mas a apropriação dos lucros é cada vez mais concentrada, privada, em mãos de poucos. Na verdade, em vida e na sua obra, Marx pouco falou dessa sociedade futura, mas falava da sociedade de seu tempo e do capitalismo daquele momento histórico, do século XIX. Marx estudou sim em profundidade também o feudalismo e em menor dimensão o escravismo.

A partir dessa conclusão, podemos formular uma espécie de lei geral das sociedades, que é uma dimensão ao mesmo tempo sociológica como econômica do pensamento marxista sobre as contradições internas. Foi assim com o escravismo, com o feudalismo e será assim com o atual capitalismo. Isso só se interromperia, segundo Marx, quando todas as classes sociais deixassem de existir e mesmo o estado desaparecesse. Isso, no entanto, nos parece ainda muito distante. Essa lei geral pode ser assim resumida: “todas as sociedades humanas trazem dentro de si uma contradição insolúvel que levará à sua extinção”.

Marx não foi um profeta. Não fez previsões, mas apenas análises, com base na realidade concreta de sua época histórica. Alguns de seus detratores, que não podem refutá-lo diretamente, acabam reconhecendo a sua grande importância, mas de maneira marota, quando dizem que ele foi de fato um grande filósofo e pensador, mas do “século XIX”, como quem quer dizer que as suas teorias são válidas, mas apenas para aquela época e hoje não serviriam mais. Outros intelectuais e professores, com medo de se referirem ao pensamento de Marx como “marxista”, usam o absurdo termo de “marxiana”, quase que vinda de outro planeta... Marte.

Marx, diferentemente de outros pensadores e filósofos de sua época e de épocas atuais e passadas, não foi apenas um pensador. Ele teve uma grande militância política e revolucionária, sempre atento aos acontecimentos em que se envolvia ou que analisava. Não foi um filósofo de “gabinete”. Foi um homem de seu tempo, mas muito avançado para a sua época, como vimos na sua trajetória de vida descrita anteriormente.

Os modos de produção

 

No conceito de materialismo histórico, que vimos acima no capítulo do pensamento filosófico de Marx, ele trabalha com a existência de relações sociais entre os seres humanos basicamente a partir de relações econômicas, ou seja, a questão da forma como garantimos a nossa sobrevivência se altera com o passar dos tempos, ou seja, os diversos modos de produção vão se modificando a partir de descobertas, de novas técnicas, inovações, invenções que vão surgindo de tempos em tempos. Vamos ver neste tópico os diversos modos de produção que a humanidade viveu, bem como abordaremos diversas definições importantes para compreendermos essa questão

 

Modo de produção escravista

O período neolítico é o que os historiadores afirmam ter começado há cerca de 10.000 anos antes da nossa era atual e compreende a passagem da selvajaria para a barbárie. Isso significou um grande avanço, que só foi possível graças ao desenvolvimento das forças produtivas na comuna primitiva (sociedades gentílicas).

A separação de ofícios entre agricultores e pastores que prosperaram e os outros ofícios permitiu que se produzissem novos produtos cujos excedentes seriam comercializados a partir da troca (escambo). Os produtos mais trocados eram a carne, o leite, a lã, as peles e produtos agrícolas em geral, cultivados a partir do domínio das técnicas de plantio e pela domesticação dos animais.

           

A idade antiga é considerada o período denominado pelos historiadores como o início da civilização ou Idade Antiga. Ele compreende o período que vai de 3000 aC até 476 d.C. Nessa época, aperfeiçoaram-se os instrumentos de trabalho (revolução dos metais), as armas e instrumentos de pedra lascada passaram à pedra polida, chegando à fundição de metais, que propiciou, então, o aparecimento do arado, faca, machado, foice, enxada.

Jangadas foram construídas e a roda foi inventada, melhorando o transporte terrestre. Inventou-se o tear, com o aparecimento do ofício de tecelão, bem como o do ceramista, com a invenção do jarro de barro, cuja função fundamental foi poder guardar o excedente da produção agrícola dos agricultores, ou seja, armazenar. Como cada um só produzia de acordo com o seu ofício seria preciso ocorrer trocas de produtos para que as famílias sobrevivessem.

Vai surgir, assim, um novo tipo de pessoa na sociedade antiga: o comerciante. Ele fará a articulação entre produtores e terá a partir desse momento um papel destacado em todas as sociedades que utilizam o comércio. Na verdade, como afirmava Marx, no setor de produção industrial é possível visualizar a exploração do trabalho e entender perfeitamente os conceitos de mais-valia, mas quem realiza na verdade a mais-valia é o comerciante, que vende no mercado o produto. De que adiantaria uma grande produção, sem vendas?

A família deixou de ser ao mesmo tempo uma unidade produtora e consumidora, surgindo a necessidade de mão-de-obra excedente. Foi quando se decidiu usar os prisioneiros como escravos, como vimos no tópico de classes sociais.

As características básicas deste novo modo de produção escravista eram: Escravo era meio de produção; Ele pertencia ao senhor; Todos os instrumentos e a terra pertenciam aos senhores e O senhor tinha direito sobre a vida e a morte do escravo. Esse processo ocorreu basicamente em Roma, na Grécia e em Cartago.

Modo de produção feudal

No processo de periodização da história o período que compreende a Idade Média vai do século V ao XV. Seu marco é a queda do Império Romano do Ocidente até a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453. Nessa época também na Europa vai haver a predominância do sistema feudal.

A característica básica do modo de produção feudal é a existência da servidão, que é diferente de escravidão. A propriedade da terra, os feudos, que se constituíam em imensos latifúndios, eram exclusivos dos Senhores Feudais. Eles detinham o poder econômico e político e dominavam a todos, sempre contando com a ajuda da Igreja Católica, que também detinha grandes lotes de terras em toda a Europa. Alguns historiadores a chamam de “a maior senhora feudal da Europa”. Na verdade, ela nem precisa ser detentora direta de títulos de terra, pois nenhum desses títulos que os senhores detinham valia algo sem que ela os “abençoasse”.

Outra característica importante do modo feudal de produção: os servos já possuíam para si os seus próprios instrumentos de trabalho, pelo menos alguns. Basicamente, não dependiam do Senhor para produzir, mas eram dominados politicamente e as terras não lhes pertenciam. Os servos produziam nas terras o suficiente para o seu consumo e também para o Senhor Feudal.

Apesar de o servo não pertencer ao Senhor Feudal, o que foi um avanço com relação ao regime anterior de escravidão, ele também não era uma pessoa livre, pois estava ligado às terras do senhor. Tinha obrigações para com os Senhores, entre elas, o de defender o feudo em caso de ataque de algum exército inimigo; e se o feudo fosse vendido, o servo iria junto para o novo proprietário e este deveria trabalhar em parte das terras do feudo que eram do Senhor Feudal em algumas horas do seu dia. Somente trabalha no pedaço de terra que ocupava, após trabalhar nas terras do Senhor. Toda a produção do trabalho do servo na terra do senhor, fica com este e mesmo parte da produção que os servos extraiam nas glebas que usavam também eram dadas aos senhores, que nada faziam e auferiam as riquezas das vendas e comercialização desses produtos.

A economia era autossuficiente porque os feudos produziam quase tudo de que necessitavam para o consumo. A produção era descentralizada, bem como o poder político feudal, ou seja, não havia um poder central que unificasse todos os feudos. O surgimento dos estados nacionais europeus tal qual nós conhecemos nos dias de hoje só vai se dar bem depois, no período que os historiadores chamam de Idade Moderna.

 

Para que as caravanas das grandes rotas comerciais atravessassem a Europa, tinham que pagar diversas taxas e tarifas entre os vários feudos, o que encarecia muito seus produtos. Dessa forma, com o desenvolvimento das forças produtivas internas e o comércio (fator externo) a existência dos feudos foi se tornando um entrave cada vez maior para o progresso econômico e social. Segundo a visão marxista desse fenômeno, o que mais pesa na desagregação de um dado sistema político-econômico são as contradições internas, ainda que as externas devam ser sempre levadas em conta[4].

 

 

Modo de produção capitalista

O sistema capitalista desenvolve-se a partir do fim do período mercantil, na alta Idade Média. Contribuiu para isso a acumulação capitalista primitiva das manufaturas dos burgos europeus, bem como as rendas acumuladas pelos grandes comerciantes com suas caravanas comerciais. Ele surge e se desenvolve na Inglaterra a partir do aprimoramento da máquina a vapor por James Watt em 1777[5].

Podemos dizer, em linhas gerais, que as características do capitalismo são pelo menos as seguintes: Exploração do homem pelo homem; Trabalho humano encarado como mercadoria (alienado); Propriedade privada dos meios de produção; Existência da mais-valia e Existência do capital (dinheiro + bens + propriedades).

Para compreendermos em maior profundidade a concepção marxista do modo de produção capitalista, temos que apresentar aos nossos leitores algumas definições importantes. São elas:

Operários – Trabalham certo número de horas em cima de certa matéria-prima. Esta, por sua vez, só se transforma em mercadoria quando é comercializada no mercado. Na verdade, o lucro do proprietário das empresas só é assegurado quando o comerciante compra o que aquele produziu e consegue vender no mercado esses produtos. Quando alguém produz algo somente para si, está produzindo de fato algum valor, mas chamamos a isso valor de uso, aqui uso também usado no sentido de ter utilidade para alguém. Se esse produto não for comercializado, nunca se tornará uma mercadoria. No entanto, se produziu com o intuito exclusivo de comercializá-lo, os valores que produziu são chamados valor de troca. Podemos dar o exemplo de uma costureira que produz uma saia apenas para seu uso pessoal. É claro, ela produziu um valor, um bem, mas só para si própria, para seu uso. Mas, se ela produz vários vestidos com a finalidade da venda, esta produzirá valores de troca

Volto a mencionar: por mera facilidade de entendimento dos conceitos, uso sempre produção de peças, que são bens materiais. Mas, quero lembrar que isso são bens materiais e mercadorias também estão relacionados com serviços. É como dizemos que no capitalismo, direitos são mercantilizados, como saúde e educação, que são vendidos como mercadoria. Estes são sempre bens imateriais, bens espirituais, culturais, de forma que não podemos “pegá-los”, não são bens materiais.

Meios de produção – Todos os instrumentos usados no processo produtivo de fabricação das coisas necessárias para a sobrevivência das pessoas. No caso dos professores, os meios de produção, que pertencem aos proprietários das escolas (os seus empregadores), são as salas de aula e laboratórios, lousa, giz, carteiras, aparelhos de som e vídeo etc.

Modo de produção – É a forma ou maneira como as coisas são produzidas num determinado momento histórico do desenvolvimento da humanidade; ele vai se modificando com o desenvolvimento das forças produtivas, com as novas descobertas tecnológicas.

Forças produtivas – Somatória de vários elementos, entre eles: força de trabalho; meios de produção e capital. Se alguém contrata trabalhadores, compra equipamentos e investe capital amplia suas forças produtivas (mas também altera as suas relações sociais e de classe).

Mais-Valia – Conceito central da obra de Marx, quando este analisa o sistema capitalista. Como já vimos, ele pode ser definido sempre como algo relacionado com “valor” agregado pelos trabalhadores aos produtos que fabricam ou aos serviços que prestam a terceiros, de forma que tal valor, tal riqueza, não fica com quem a produziu. Segundo Marx, um operário paga a si próprio e a matéria-prima que utilizou, a partir de certo número de horas trabalhadas. Ele trabalha para si. A riqueza produzida na jornada excedente, os valores agregados aos produtos, mas que não ficam com os trabalhadores, é o que ele chama de Mais-Valia[6]. Podemos relacionar também mais-valia com exploração do trabalho e taxa de mais-valia como uma espécie de indicador do grau de exploração de determinados trabalhos, de forma que quanto mais alto for a taxa da mais-valia, maior será o grau de exploração do trabalho.

 

Transição histórica do feudalismo ao capitalismo

O processo histórico de transição entre feudalismo e capitalismo não foi muito rápido; porém, muito mais rápido do que nos sistemas anteriores. Como dizia Marx, dois modos diferentes de produção acabam convivendo simultaneamente por um período de tempo, até que o mais avançado prevaleça e se torne dominante e o antigo desapareça. É o que ele chamava de período de transição, que, aliás, é uma categoria importante na sua filosofia dialética. Geralmente, esses são momentos em que ocorrem grandes e profundas transformações sociais, políticas, econômicas e culturais. Podem ser observados grandes revoluções populares, mudanças de costumes, valores e tradições.

No Feudalismo, com o desenvolvimento de novas técnicas produtivas e das próprias forças de produção, foi possível que, em um determinado momento, os servos conseguissem produzir mais do que o suficiente para o sustento de sua família, e também mais do que o suficiente para arcar com seus compromissos em espécie para com o senhor e ainda assim ele conseguia produzir o que chamamos de excedente de produção.

Esse excedente, cujo conceito econômico foi desenvolvido com maestria por Marx, está presente desde os primórdios dos tempos, em especial na comuna, e tem sido responsável por grandes transformações nas sociedades.

Com isso, alguns servos com suas famílias, os mais desenvolvidos e produtivos, usavam esse excedente (de produtos agrícolas) para ser comercializado nos burgos (cuja palavra, em alemão quer dizer cidade). Esses locais podiam ser pequenos mercados ou cidadelas onde havia o pequeno comércio, ou onde faziam paradas as grandes rotas comerciais, ou mesmo locais que floresciam próximos e ao redor de um castelo do senhor feudal.

Esses servos mais prósperos chegaram a um ponto em que começaram a acumular uma certa reserva em produtos ou mesmo em moedas – ouro-dinheiro. Com isso, duas possibilidades se abriram: uma parte (minoria) optou em comprar terras do senhor feudal e se transformar em um deles (tomaram a decisão histórica errada e acabaram dando-se mal, pois historicamente queriam se transformar justamente em uma classe que estava em franca desagregação e decadência).

A outra parte desses servos foi bem sucedida (uma boa parte deles) resolveu fugir para os burgos e abandonar totalmente as terras que ocupavam nos feudos. Muito provavelmente tais servos venderam seus instrumentos de trabalho para outros servos.

De posse de uma pequena reserva financeira, a que podíamos chamar de capital inicial, essas pessoas abriram nos burgos pequenos negócios, pequenos comércios e, em especial, pequenas oficinas de trabalho artesanal.

Com o desenvolvimento das técnicas produtivas, o artesanato familiar logo vira uma manufatura, cuja produção em escala já é bem maior. Aqui, o processo de acumulação de riquezas está em um crescente, bem como o acúmulo de reservas em dinheiro/capital, sendo necessária a contratação de pessoas não integrantes do núcleo familiar desse nosso fictício ex-servo, que nos serve aqui de forma generalizada como exemplo apenas (é claro que nem todos viveram processos semelhantes a este que aqui descrevo). É o início do processo de exploração entre os seres humanos, sob o sistema socioeconômico emergente, que estava já em franco desenvolvimento que era o capitalismo.

O salto das pequenas oficinas artesanais para a manufatura também não será igual para todos. Uma parte fechará suas atividades. Apenas uma minoria terá sucesso. Por fim, em 1777, como vimos, James Watt aprimora ainda mais a máquina movida à vapor. Ele não tinha ideia de que com esse aprimoramento estaría coroando e consolidando um processo de construção de um novo sistema, um novo modo de produção que emergiria, mais avançado que o anterior. Com isso, novas classes sociais surgiram e as antigas foram desaparecendo e se desagregando com o passar do tempo.

Os proprietários de manufaturas que foram melhor sucedidos conseguem comprar imediatamente as novas máquinas movidas à vapor e abrem as primeiras Indústrias movidas por essas novas máquinas, que, por suposto, produziam muito mais peças e produtos que as manufaturas anteriores, manuais, movidas a esforço humano. Os pequenos produtores artesãos acabam indo à falência, pois não tinham como competir em termos de preços de produtos finais, com essa nascente indústria movida à máquina à vapor. Nada lhes restaria a não ser vender sua força de trabalho a esses novos industriais, transformando-se em trabalhadores assalariados ou proletários – como dizia Marx –, alienando-se aos capitalistas industriais: os burgueses, nova classe em ascensão.

Nessa época (entre os séculos XVI e XIX), a burguesia enquanto classe social vai se consolidando e angariando grande poder econômico, embora não tivesse ainda o poder político. Esse poder político ficaria nas mãos da monarquia, dos reis e rainhas. Na verdade, muitas das investidas das monarquias europeias eram feitas com financiamento por parte de nova classe social emergente, que eram os burgueses. Foi assim nas cruzadas, nas grandes navegações, nas descobertas de novas terras e novas rotas comerciais etc.

Essa é uma época em que a monarquia e os nobres, os senhores feudais, reis e rainhas tinham o poder político em suas mãos. Eles eram, por assim dizer, a classe dominante. No entanto, não tinham o poder econômico, pois nada produziam, eram parasitas dos Estados, que se tornavam cada vez mais absolutistas, ou seja, o poder se concentrava nas mãos dos reis e dos nobres que tinham privilégios, ganhavam do tesouro público e oprimiam a maior parte dos povos das suas regiões. Isso haveria de gerar descontentamento não só entre os pobres e os miseráveis da população, a grande maioria, como também na classe dos burgueses. Esses reis e imperadores passaram a ficar cada vez mais dependentes do poder econômico da nova burguesia ascendente enquanto classe social.

A partir do século XVII começam as grandes revoluções que a burguesia lidera enquanto classe revolucionária, à medida que destruía o velho sistema feudal que agonizava e construía um novo, mais avançado, moderno. Desabavam no mundo, a partir daí, as monarquias absolutistas, surgindo repúblicas ou monarquias constitucionais parlamentaristas (os reis reinam, mas não governam).

Pode-se dar como exemplo dessas grandes revoluções: a Inglesa, em 1648; a Americana, em 1776 (que se consolida, como dizia Marx, com a chamada Guerra da Secessão ou ainda Guerra Civil, na década de 1860, sob o governo de Abraham Lincoln) e a Francesa, ocorrida em 1789. Todas elas lideradas por burgueses (caso dos EUA, na revolução de 1776 que expulsou os ingleses das 13 colônias, alguns dos seus líderes eram membros da nobreza) ou pessoas de origem nobres que discordavam dos rumos que a sociedade estava tomando.

Tais líderes tinham o apoio integral do povo e pregavam ideias e uma nova ideologia completamente diferente da monarquia, do feudalismo. Segundo comentários de Marx, tais revoluções foram as mais importantes de toda a história da humanidade, em especial a francesa, pelo papel que jogou, pelas ideias de igualdade, liberdade e fraternidade que espalhou pelo mundo.

Só para que se tenha uma ideia de como eram revolucionários para essa época os burgueses, foram eles que separaram totalmente o Estado da Igreja, foram eles que criaram o ensino público e laico (dado fora das Igrejas), gratuito, de forma que os filhos dos proletários passassem a frequentar as escolas custeadas pelo Estado. Muitos ou a grande maioria desses ideais do século XVIII estão hoje completamente abandonados, pois a burguesia atual nada mais tem de revolucionária, mas é sim uma classe social em decadência, é contrarrevolucionária, é reacionária.

Para Marx, nesse cenário histórico a única classe social, junto com seus aliados, que tem condições de desenvolver e liderar as grandes e necessárias transformações de que o sistema capitalista necessita é a classe operária ou os proletários como eram chamados (o termo vem de prole, muitos filhos).

 

  1. Citações mais importantes do pensamento de Marx e Engels[7]

Apresentamos a seguir, pequenos excertos do pensamento marxista, com citações de Engels e de Lênin e mesmo do próprio Marx, que nos ajudam a compreender melhor a teoria marxista. É importante salientar sobre a consolidação do pensamento e da teoria marxista. Muitos autores às vezes preferem o jovem Marx e outros o Marx mais maduro e idoso. De fato, há uma evolução do pensamento marxista, como seria natural que ocorresse, pois tudo muda e tudo evolui na vida e na natureza, mas jamais ocorreu uma ruptura entre essas épocas em seu pensamento.

Engels demonstra humildade sobre o pensamento marxista – Seja-me permitido aqui um pequeno comentário pessoal. Ultimamente, tem-se aludido, com frequência, à minha participação nessa teoria; não posso, pois, deixar de falar algumas palavras para esclarecer este assunto. Que tive certa participação independente na fundamentação e, sobretudo na elaboração da teoria, antes e durante os quarenta anos de minha colaboração com Marx, é coisa que eu mesmo não posso negar. A parte mais considerável das diretrizes principais, particularmente no terreno econômico e histórico, e especialmente sua formulação nítida e definitiva, cabem, porém, a Marx. A contribuição que eu trouxe – com exceção, quando muito, de alguns ramos especializados – Marx também teria podido trazê-la, mesmo sem mim. Em compensação, eu jamais teria feito o que Marx conseguiu fazer. Marx tinha mais envergadura e via mais longe, mais ampla e mais rapidamente que todos nós outros. Marx era um gênio: nós outros, no máximo, homens de talento. Sem ele, a teoria estaria hoje muito longe de ser o que é. Por isso, ela tem, legitimamente, seu nome[8].

O que veio primeiro, a matéria ou o espírito? – A grande questão fundamental de toda a filosofia é a da relação entre o pensamento e o ser, entre o espírito e a natureza. Que é primeiro: o espírito ou a natureza? Conforme respondiam de uma maneira ou de outra a esta questão, os filósofos dividiam-se em dois grandes campos. Aqueles que afirmavam que o espírito é primeiro em relação à natureza e que, por conseguinte, admitiam, em última instância, uma criação do mundo de qualquer espécie. Constituíam o campo do idealismo. Os outros, que consideravam a natureza como campo primordial, pertenciam às diversas escolas do materialismo[9].

A origem das ideias a partir da matéria – O ideal não é senão o material transposto e traduzido no cérebro humano[10].

Tudo muda, tudo se transforma – Essência do pensamento dialético – O mundo não deve ser considerado como um conjunto de coisas acabadas, mas como um conjunto de processos em que as coisas, aparentemente estáveis, bem como os seus reflexos mentais no nosso cérebro, os conceitos, passam por uma série ininterrupta de transformações, por um processo de gênese e de perecimento[11].

Mudanças incessantes e ininterruptas – Nada há de definitivo, de sagrado para a filosofia dialética. Ela mostra a caducidade de todas as coisas e para ela nada mais existe senão o processo ininterrupto do surgir e do perecer, da ascensão sem fim do inferior para o superior, de que ela própria não é senão o simples reflexo no cérebro pensante[12].

A ciência comprova a dialética todos os dias – A natureza é a comprovação da dialética. As ciências modernas da natureza nos forneceram materiais extremamente numerosos, cujo volume aumenta dia a dia, provando assim que, em última análise, na natureza as coisas se passam dialeticamente e não metafisicamente[13].

A Dialética marxista que supera a de Hegel – A idéia de desenvolvimento, tal como a formularam Marx e Engels, apoiando-se em Hegel, é muito mais vasta e rica de conteúdo do que a ideia corrente de evolução. É um desenvolvimento que parece repetir etapas já percorridas, mas sob outra forma, numa base mais elevada (‘negação da negação’); um desenvolvimento por assim dizer em espiral e não em linha reta; um desenvolvimento por saltos, por catástrofes, por revoluções; ‘soluções de continuidade’; transformações de quantidade em qualidade; impulsos internos do desenvolvimento, provocados pela contradição, pelo choque de forças e tendências distintas agindo sobre determinado corpo, no quadro de um determinado fenômeno ou no seio de uma determinada sociedade; interdependência e ligação estreita, indissolúvel, de todos os aspectos de cada fenômeno (com a particularidade de que a história faz constantemente aparecer novos aspectos), ligação que mostra um processo único universal do movimento, regido por leis[14].

É o nosso ser social que determina a nossa consciência – Na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentemente da sua vontade; relações de produção que correspondem a um dado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual, em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, pelo contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência. Num certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que não é senão a expressão jurídica disso, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que eram essas relações tornam-se seus entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social. A transformação na base econômica revoluciona, mais ou menos rapidamente, toda a enorme superestrutura. Quando se estudam tais revoluções é preciso distinguir sempre entre as transformações materiais ocorridas nas condições econômicas de produção – que podem ser verificadas com o rigor próprio das ciências naturais – e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas; em resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência desse conflito e lutam por resolvê-lo. Assim como não se pode julgar um indivíduo pela ideia que ele faz de si próprio, também não se pode julgar tal época de revoluções pela consciência que ela tem de si mesma. Pelo contrário, é preciso explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção[15].

Quando muda a base econômica da sociedade, tudo se altera – A essência do materialismo histórico – Quando nasce nos homens a consciência de que as instituições sociais vigentes são irracionais e injustas, de que a razão se converteu em insensatez e a bênção em praga, isso não é mais que um indício de que nos métodos de produção e nas formas de distribuição produziram-se silenciosamente transformações com as quais já não concorda a ordem social, talhada segundo o padrão de condições econômicas anteriores. E assim já está dito que nas novas relações de produção têm forçosamente que conter-se – mais ou menos desenvolvidos – os meios necessários para pôr termo aos males descobertos. E esses meios não devem ser tirados da cabeça de ninguém, mas a cabeça é que tem de descobri-los nos fatos materiais da produção, tal e qual a realidade os oferece[16].

A história de todas as sociedades é a história da luta entre as classes – A história de toda a sociedade até agora existente – [excetuando a história da comunidade primitiva, acrescentaria Engels mais tarde] – é a história de lutas de classes. O homem livre e o escravo, o patrício e o plebeu, o barão feudal e o servo, o mestre de uma corporação e o oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travaram uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, aberta outras, que acabou sempre com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com o declínio comum das classes em conflito. A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não acabou com os antagonismos de classe. Não fez mais do que colocar novas classes, novas condições de opressão, novos aspectos da luta no lugar dos anteriores. A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter simplificado os antagonismos de classe. Toda a sociedade está a cindir-se cada vez mais em dois grandes campos hostis, em duas classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado[17].

“... O ideal não é senão o material transposto e traduzido no cérebro humano.” (Marx)

... Se se pergunta ... o que são o pensamento e a consciência, e donde provêm, conclui-se que são produtos do cérebro humano e que o próprio homem é um produto da natureza, o qual se desenvolveu no seu ambiente e com ele; daí se compreende por si só que os produtos do cérebro humano, que, em última análise, são igualmente produtos da natureza, não estão em contradição, mas sim em correspondência com a restante conexão da natureza”. (Engels)

“... A dialética é ‘a ciência das leis gerais do movimento tanto do mundo exterior como do pensamento humano’.” (Marx).

... O mundo não deve ser considerado como um conjunto de coisas acabadas, mas como um conjunto de processos em que as coisas, aparentemente estáveis, bem como os seus reflexos mentais no nosso cérebro, os conceitos, passam por uma série ininterrupta de transformações, por um processo de gênese e de perecimento...” (Engels).

... Nada há de definitivo, de sagrado para a filosofia dialética. Ela mostra a caducidade de todas as coisas e para ela nada mais existe senão o processo ininterrupto do surgir e do perecer, da ascensão sem fim do inferior para o superior, de que ela própria não é senão o simples reflexo no cérebro pensante[18].

... A unidade real do mundo consiste na sua materialidade... O movimento é o modo de existência da matéria. Matéria sem movimento é impensável do mesmo modo que movimento sem matéria...” (Engels).

“... Matéria é uma categoria filosófica que serve para designar a realidade objetiva dada ao homem por meio de suas sensações que a copiam, a fotografam, a refletem e que existe independentemente das sensações”... “O movimento é o modo de existência da matéria. Nunca e em parte alguma existiu ou pode existir matéria sem movimento” (Lênin em Materialismo em empiriocriticismo)[19].

“... A dialética pode definir-se, mais brevemente, como a doutrina sobre a unidade dos lados contrapostos. Com isto, abarca-se o núcleo da dialética” (Lênin, Cadernos Filosóficos).

“... A natureza é a comprovação da dialética ... as ciências modernas da natureza nos forneceram materiais extremamente numerosos ... cujo volume aumenta dia a dia, provando assim que, em última análise, na natureza as coisas se passam dialeticamente e não metafisicamente[20].

“... A ideia ... de desenvolvimento, tal como a formularam Marx e Engels, apoiando-se em Hegel, é muito mais vasta e rica de conteúdo do que a ideia corrente de evolução. É um desenvolvimento que parece repetir etapas já percorridas, mas sob outra forma, numa base mais elevada (‘negação da negação’); um desenvolvimento por assim dizer em espiral e não em linha reta; um desenvolvimento por saltos, por catástrofes, por revoluções; ‘soluções de continuidade’; transformações de quantidade em qualidade; impulsos internos do desenvolvimento, provocados pela contradição, pelo choque de forças e tendências distintas agindo sobre determinado corpo, no quadro de um determinado fenômeno ou no seio de uma determinada sociedade; interdependência e ligação estreita, indissolúvel, de todos os aspectos de cada fenômeno (com a particularidade de que a história faz constantemente aparecer novos aspectos), ligação que mostra um processo único universal do movimento, regido por leis...[21].

... A concepção materialista da história parte da tese de que a produção, e com ela a troca dos produtos, é a base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela história, a distribuição dos produtos e, juntamente com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas, é determinada pelo que a sociedade produz e como produz e pelo modo de trocar os seus produtos ... Quando nasce nos homens a consciência de que as instituições sociais vigentes são irracionais e injustas, de que a razão se converteu em insensatez e a bênção em praga, isso não é mais que um indício de que nos métodos de produção e nas formas de distribuição produziram-se silenciosamente transformações com as quais já não concorda a ordem social, talhada segundo o padrão de condições econômicas anteriores. E assim já está dito que nas novas relações de produção têm forçosamente que conter-se – mais ou menos desenvolvidos – os meios necessários para pôr termo aos males descobertos. E esses meios não devem ser tirados da cabeça de ninguém, mas a cabeça é que tem de descobri-los nos fatos materiais da produção, tal e qual a realidade os oferece[22].

“... Para obter a mais-valia ‘seria preciso que o possuidor do dinheiro descobrisse no mercado uma mercadoria cujo valor de uso fosse dotado da propriedade singular de ser fonte de valor’, uma mercadoria cujo processo de consumo fosse, ao mesmo tempo, um processo de criação de valor. E esta mercadoria existe: é a força de trabalho humana, O seu uso é o trabalho, e o trabalho cria valor. O possuidor de dinheiro compra a força de trabalho pelo seu valor, que, como o de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção (isto é, pelo custo da manutenção do operário e da sua família). Tendo comprado a força de trabalho, o possuidor do dinheiro fica com o direito de a consumir, isto é, de a obrigar a trabalhar durante um dia inteiro, suponhamos, durante doze horas. Mas em seis horas (tempo de trabalho ‘necessário’), o operário cria um produto que cobre as despesas de sua manutenção, e durante as outras seis horas (tempo de trabalho ‘suplementar’) cria um ‘sobre-produto’ não retribuído pelo capitalista, que constitui a mais-valia ... A condição histórica para o aparecimento do capital reside, em primeiro lugar, na acumulação de uma certa soma de dinheiro nas mão de certas pessoas num estádio de desenvolvimento da produção de mercadorias em geral já relativamente elevado; em segundo lugar, na existência de operários ‘livres’ sob dois aspectos – livres de quaisquer entraves ou restrições para venderem a sua força de trabalho, e livres por não terem terras nem meios de produção em geral – de operários sem qualquer propriedade, de operários ‘proletários’ que não podem subsistir senão vendendo a sua força de trabalho[23].

[1] Fisiocratas queria dizer “poder da natureza”.

[2] Em toda a sua obra vasta, Marx trata apenas em um capítulo sobre esse tema e dá exemplos de trabalho produtivo, ou seja, produtor de mais-valia, mencionando um escritor, uma cantora de ópera, entre outros exemplos. Esse capítulo é a base de meu livro em produção, intitulado Concepção marxista de proletariado. Ele está contido no Livro IV de O capital, Teorias da Mais-Valia, Editora Bertrand, Volume I, páginas 382-406.

[3] Ou mais-valor como nos sugere Rubens Ederle, na sua tradução direto do alemão da editora Boitempo (O capital, Livro I, 2003, São Paulo, 894 páginas).

[4] Aqueles que se interessam por esse rico debate histórico podem ler Transição do Feudalismo para o Capitalismo, Paz e Terra, RJ, com vários autores, entre eles Maurice Dobb, Paul Sweezy e outros.

[5] Atribui-se muitas vezes e de forma errônea à James Watt a descoberta da máquina à vapor. Coube a ele apenas o seu aprimoramento. Ela foi mesmo descoberta muito tempo antes, em 1698 por Thomas Savery. Essa mesma máquina foi aperfeiçoada em 1712 por outro Thomas, o Newcomen. Watt só apresentaria ao mundo a sua máquina mais moderna 65 anos depois, em 1777.

[6] Ver o Capítulo Sobre Vida e Obra de Karl Marx, onde a definição da Mais-Valia também é discutida.

[7] As citações que publicamos a seguir foram obtidas a partir de contribuição e pesquisa da Profª Drª Nereide Saviani, aposentada da PUC de São Paulo.

[8] ENGELS, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. In: Obras Escolhidas de Marx & Engels, vol. 3, p. 193 – nota 1.

[9] Ver referência em http://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/marx/cap01.htm

[10] LENIN, Cf. Karl Marx. In: Obras Escolhidas, vol. 1, pp. 7-9.

[11] Engels, mesma página citada da Internet

[12] Engels, Citações feitas por LENIN, Cf. Karl Marx. In: Obras Escolhidas, vol. 1, pp. 9-10.

[13] Engels, Citações feitas por LENIN, Cf. Karl Marx. In: Obras Escolhidas, vol. 1, pp. 7-9

[14] LENIN, Karl Marx. In: Obras Escolhidas de Lênin, vol. 1, p. 10.

[15] Marx – Prefácio à Contribuição à Crítica da economia Política, Citado por LENIN, Karl Marx. In: Obras Escolhidas de Lênin, vol. 1, p. 11.

[16] Engels – Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico. In: Obras Escolhidas de Marx e Engels, p. 320.

[17] Marx & Engels – Manifesto do Partido Comunista Citado por Lênin no artigo intitulado Karl Marx. Ele pode ser lido em suas Obras Escolhidas de Lênin, vol. 1, pp. 12-13.

[18] Engels, citado por Lênin, Conforme Karl Marx. In: Obras Escolhidas, vol. 1, pp. 9-10.

[19] Matéria é tudo que existe objetivamente. É anti-idealista e anti-agnóstica, não criacionista. Não devemos confundir com certas propriedades do mundo material.

[20] Engels, citado por Lênin em seu texto intitulado Karl Marx. In: Obras Escolhidas, vol. 1, pp. 7-9.

[21] Lênin em seu texto intitulado Karl Marx. In: Obras Escolhidas de Lênin, vol. 1, p. 10.

[22] Engels – Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico. In: Obras Escolhidas de Marx e Engels, pág. 320.

[23] Lênin em seu texto intitulado Karl Marx. In: Obras Escolhidas de Lênin, vol. 1, pp. 15-16, Sintetizando trechos de O Capital, de Marx.

 

  1. Bibliografia de apoio

ANDERSON, Perry. Historiador faz balanço do Neoliberalismo. In: O Estado de São Paulo, Caderno de Cultura, pág. Q1, 20/05/95.

AZAMBUJA, Darcy, Teoria Geral do Estado, Saraiva, SP, 1979.

BELOV, G., O Que é o Estado? Coleção ABC dos Conhecimentos Sociais e Políticos, Progresso, Moscou, 1988.

BESSE, Guy & CAVEING, Maurice, Princípios Fundamentais de Filosofia – Hemus Editora, SP, s/d.

BOBBIO, Norberto, "Governo, Estado e Sociedade – Para uma Teoria Geral da Ciência Política", Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.

BOBBIO, Norberto, Dicionário de Ciência Política, Editora da Universidade de Brasília, 2ª edição, DF, 1986.

BOUDON, Raymond & BOURRICARD, François, Dicionário Crítico de Sociologia, São Paulo, Martins Fontes, 1993.

CHOMSKY, NOAM, Ano 501: A Conquista Continua". Scritta, SP, 1993.

CHOMSKY, Noam, Novas e Velhas Ordens Mundiais, Scritta, SP, 1996.

DEBRUN, Michel, O Fato Político, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1962.

DICIONÁRIO de Ciências Sociais, Fundação Getúlio Vargas FGV e MEC, 2ª edição, RJ, 1987.

DICIONÁRIO de Política Internacional, Edições Avante, Lisboa, Portugal, 1988.

DREIFUSS, Renée Armand, Política, Poder, Estado e Força, Petrópolis, Vozes, 1993;

ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional, São Paulo/Rio de Janeiro, Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1977.

GALLIANO, Guilherme, Introdução à Sociologia, Harbra, SP.

GAZENEUVE, Jean & VICTOROFF, David, Dicionário de Sociologia, Lisboa, Portugal, Verbo, 1982.

GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural, 30 Volumes, Círculo do Livro, SP, 1987.

GRAZIA, Sebastian de, Maquiavel no Inferno, São Paulo, Cia das Letras, 1993;

GURVITCH, GEORGES. As Classes Sociais. Global, São Paulo, 1982;

HARNECKER, Martha, Os Conceitos Elementares do Materialismo Histórico, Global, 2ª edição revista, SP, 1983;

HIRANO, Sedi. Castas, Estamentos e Classes Sociais, Editora Unicamp, Campinas, 2002;

HUBERMAN, Leo, História da Riqueza do Homem, Zahar, 15ª edição, RJ, 1979.

HUNTINGTTON, Samuel P. "The Clash of Civilization", Foreing Affairs, Volume 72, n. 3, Summer, EUA, 1993.

IANI, Octávio, “Globalização: Novo Paradigma das Ciências Sociais”. In: Revista do Instituto de Estudos Avançados, USP, Volume 8, n. 21, 1994.

LAKATOS, Eva Maria, Sociologia Geral, Atlas, SP.

LEBRUN, Gerard, O que é Poder, São Paulo, Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos;

LÊNIN, Vladimir Ilyich, Obras escogidas, Doce Volumes, Editorial Progresso, Moscou, 1976.

LÊNIN, Vladimir Ilyich, Obras Escolhidas. Três Volumes, Alfa-Ômega, SP, 1980.

MALUF, Sahid, Teoria Geral do Estado, 10ª edição, Saraiva, SP, 1979.

MAQUIAVEL, Nicolo, O Príncipe, 12ª edição; São Paulo, Editora Hemus, com comentários de Napoleão Bonaparte;

MARCELINO, Nélson de Carvalho, Introdução às Ciências Sociais, 5ª edição, Campinas, Papirus, 1994.

MARTIN, Hans-Peter & SCHUMANN, Harald, A Armadilha da Globalização – O Assalto à Democracia e ao Bem-estar Social, Globo, São Paulo, 1997;

Marx, Karl. O Capital, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, s/d;

MERLE, Marcel, Sociologia das Relações Internacionais, Editora da Universidade de Brasília, DF, 1981.

MOTTA, Carlos Guilherme, História Moderna e Contemporânea, Moderna, SP, 1992.

NADAI, Elza, História Geral - Moderna e Contemporânea, Saraiva, 4ª edição, SP, 1987.

PENSAMENTO Vivo de Maquiavel, São Paulo, Martin Claret Editora, 1986;

RENOUVIN, Pierre & DUROSELLE, Jean-Baptiste, Introdução à História das Relações Internacionais, Difusão Europeia do Livro, SP, 1967;

RIBEIRO, João Ubaldo, Política, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986, Edição revista;

SANTOS, Theotônio dos. Conceito de Classes Sociais, Editora Vozes, Petrópolis, 1983;

SAVATER, Fernando, Política para meu Filho, São Paulo, Martins Fontes, 1996;

STALIN, Joseph, Fundamentos do Leninismo, Global, Coleção Bases, V. 33, SP, s/d.

VICENTINO, Cláudio, História Geral, Scipione, 3ª edição, SP, 1993.

WEATE, Jeremy, Filosofia para Jovens, São Paulo, Callis Editora, 2000;

WEBER, Max, “Política como Vocação”, in Ciência e Política: Duas Vocações, São Paulo, Cultrix, s/d.

Filmes com links que recomendo para serem assistidos:

https://www.youtube.com/watch?v=0T0a_jXHiDo&feature=youtu.be Animação sobre a vida de Marx, feita pelo PC da China. Muito bem feito, legendado.

http://centrovictormeyer.org.br/marx-voltou/ Série com quatro episódios, com atores, feitas por uma TV da Argentina. Não tem legenda, narrado em espanhol. Mas, compreensível e muito bem feito. O ator que faz Marx tem certa semelhança com ele.

https://www.youtube.com/watch?v=2M5vo2n6G7Y&t=384s Este é o único filme, longa metragem, com atores, sobre Karl Marx. Muito bem feito, do diretor Raoul Peck e com 1h57 de duração e legendado em português.