Quem entrou em greve em Campinas?
Como disse em outro artigo, o Brasil em cem anos, viveu poucas greves gerais, nacionais, que paralisaram todo o país. A maioria delas ocorreu inclusive pós-golpe militar de 1964. Foram elas as greves de 1983, 1986, 1987, 1989 e 1996. Todas de caráter econômicas em função de crises circunstanciais que o Brasil viveu. Nenhuma delas paralisou o país integralmente. Eu vivi todas elas, dei minha contribuição como sindicalista.
A característica geral desta greve de 2017 é que ela foi a maior e mais ampla, ainda que não tenhamos conseguido parar o país totalmente. A segunda característica é ela ter envolvido todas as centrais sindicais, de todas as colorações políticas e ideológicas e ter sido apoiada por um espectro amplo de entidade representativas de todos os setores da sociedade brasileira, a saber: jovens, estudantes, mulheres, negros, LGBT, bairros, direitos humanos e igrejas.
Aqui em Campinas não foi diferente. Listo a seguir, com base nas duas reuniões preparatórias ocorridas na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e região (dias 18 e 25 de abril). Registro que estas entidades foram as que estiveram presentes nessas mencionadas reuniões. É muito provável que muitas outras entidades sindicais organizaram a greve geral de suas categorias, mas que não tenham estado conosco em ambas as reuniões.
1. Centrais Sindicais Presentes: CUT, CTB, Força Sindical, CSP – Conlutas, Intersindical (as duas existentes na cidade), CSB, CGTB, UGT e CSB – total: 10 centrais; 2. Frentes Políticas: Frente Brasil Popular – FBP, Frente Povo sem Medo – FPSM – 2 Frentes; 3. Entidades e Organizações populares: FACESP, UMEC, CMP, FMDH, CMDH, LGBT, Pastoral Operária, UJS, JPT, Levante Popular da Juventude, Unegro, Marcha Mundial de Mulheres, UBM, Associação de Mulheres de Campinas, MTD, MRT, UNE, UBES, UEE/SP, UPES, DCE Unicamp, Brigadas Populares, MAIS, MOPS – Total 24 entidades/organizações/movimentos; 4. Partidos Políticos: PCdoB, PT, PSTU, PSOL, PCO, PPL, PCB, PDT – total: 8 partidos; 5. Sindicatos Participantes: Adunicamp; Aeroviários; Apeoesp (professores da rede pública); Apropucc; Arquitetos; Bancários; Comerciários; Condutores; Construção Civil; Correios; Eletricitários; Frentistas; Jornalistas; Metalúrgicos; Petroleiros; Previdenciários; Químicos; Refeições Coletivas; SEEAC (agente autônomos); Servidores Municipais; Sinconed (Condomínios); Sindae; Sindi15; SindPD; Sinpro (professores do setor privado); SintPq; Sintrajude; Sociólogos; STU (Unicamp); Vigilantes – Total: 30 sindicatos e associações.
Isso significou um total de 74 instituições (entre partidos, centrais, movimentos, organizações populares, entidades representativas). Jamais na história de Campinas, até onde meu conhecimento alcança, atingiu essa marca. Uma marca da diversidade. Uma marca do pluralismo político e ideológico. Uma marca da unidade inquebrantável em torno de uma plataforma comum.
E vimos o resultado dessa unidade. Jamais tivemos na cidade uma greve como a do dia 28 de abril. Nenhum ônibus saiu das garages para circular. Muitas das grandes vias de acesso ao centro foram interrompidas com protestos populares. Rodovias do entorno de Campinas também tiveram seu tráfego interrompidos, ainda que por um tempo menor. Protestos foram registrados em diversos pontos, nas portas das grandes empresas paralisadas. Vimos protestos significativos na Replan, na Rhodia, na CPFL, na Unicamp, na PUCC e em tantos outros.
Dois atos públicos foram realizados. Um pela manhã, entre 11h e 14h e outro pela tarde, a partir das 16h que perdurou até por volta das 20h. O da manhã envolveu cinco mil pessoas, que cantaram, dançaram, ouviram discursos de dezenas de entidades. E também falaram. O povo falou, através das mais diversas entidades de representação. Pela manhã deveríamos fazer mais uma concentração do que ato político. Mas, cumpriu o seu papel. O caminhão de som havia sido cedido pelo próprio Sindicato dos Condutores.
O ato político da tarde foi mais consistente. Calculamos entre 15 e 20 mil pessoas. Todas as centrais sindicais envolvidas na greve fizeram uso da palavra. A coordenação do ato revezava-se entre a CUT, CTB, PT, PCdoB, as duas frentes, a Brasil Popular e a Povo sem Medo. Uma demonstração de unidade. As ruas centrais da cidade foram ocupadas com a nossa caminhada. Com música. Do caminhão de som emanaram palavras de ordem que empolgavam a nossa juventude presente. Poesias foram declamadas. Duas cantoras se revezaram em entoar cantos que não ouvimos nas rádios comerciais.
Eu estive em todas as principais manifestações pela democracia dos últimos 40 anos na cidade. Desde que para cá mudei-me em 1977. Jamais presenciei algo parecido com o que vimos no entardecer do dia 28 de abril. Uma garra, um ânimo interminável. Queríamos, como foram outros tantos atos que fizemos, terminar a nossa caminhada em frente à prefeitura. Que nada. A juventude queria mais. Seguimos em passeata, passando pela Júlio de Mesquita. Encerramos a manifestação, conforme combinado com o próprio público – que votou por levantamento de braços –, no City Bar. Depois dispersamos. De forma ordeira e pacífica, voltamos às nossas casas.
Quantos paralisaram suas atividades?
De meu ponto de vista, tivemos um grande erro na condução da greve geral em nossa cidade. Deveríamos ter formado um Comando de Greve. Um conjunto de pessoas que tivessem autoridade política sobre a condução do movimento. Não necessariamente dirigentes de algum sindicato ou mesmo entidade. Eu tenho visto isso, por experiência em mais de 60 reuniões da Frente Brasil Popular. Ainda que lá estejam dirigentes de centrais, partidos, sindicatos e entidades da segmentação social, temos vários ativistas, militantes, combatentes antifascistas que não integram essas entidades. Mas têm autoridade.
De qualquer foram, seja lá qual tivesse sido a composição desse Comando de Greve, deveríamos ter marcado um determinado horário, por volta das 12h, onde pudéssemos fazer um balanço detalhado, mas rápido, uma primeira avaliação, de quantos trabalhadores/as cruzaram seus braços nesse histórico dia. Mas, mais do que isso. Por volta das 16h, antes do início do ato da tarde, deveríamos ter concedido uma entrevista coletiva para a imprensa avaliando, ainda que preliminarmente, o que foi aquele dia. Divulgarmos a extensão do nosso movimento, da sua abrangência.
Fui procurado por vários jornalistas nesse horário. Não sabia o que dizer em termos de dados oficiais. Trabalhava apenas com alguns dados estimativos da cidade. Do total de 418.960 trabalhadores ocupados em 2015 em nossa cidade (dados oficiais do SEADE, obtidas em http://www.imp.seade.gov.br/frontend/#/tabelas) eu aplicava um percentual estimativo em cima disso. Apresentei na reunião da FBP de Campinas os dados que entre 250 e 280 mil trabalhadores/as cruzaram os braços nas 24 horas da nossa greve geral. Foi um número não contestado.
Quero aqui apresentar de outra forma. Sobre percentuais de paralisações de acordo com as informações que procurei obter junto às entidades representativas das categorias.
Paralisações entre 80% e 100% - este percentual foi atingido pelos condutores (os grandes artífices da greve), professores da rede pública e do setor privado de ensino; trabalhadores da Unicamp e da PUCC; Correios (que já havia declarado greve a partir do dia 27); petroleiros da Replan; vigilantes; bancários; trabalhadores da justiça do trabalho;
Paralisações entre 50% e 80% - aqui estão as seguintes categorias: comerciários; construção civil; judiciário estadual; previdenciários;
Algum grau de paralisação e até 50% - aqui temos as seguintes categorias: servidores municipais e estaduais em geral; eletricitários; químicos; metalúrgicos; aeroviários; frentistas de postos de gasolina; processamento de dados; pesquisadores.
Muitas dessas paralisações podem ser decorrentes da impossibilidade do deslocamento ao trabalho por falta de transporte público. Isso somente uma pesquisa com grevistas que ficaram em casa podería descobrir. Aqui fico com a hipótese de elevada adesão à greve pelo absoluto descontentamento com os rumos que o país está adotando depois do golpe contra a presidente Dilma, ao mesmo tempo de total repúdio às duas propostas de reformas que o governo golpista enviou a toque de caixa para ser votado no Congresso Nacional. A trabalhista, inclusive, foi aprovada na forma de rolo compressor na véspera da greve geral do dia 28.
Perspectivas e desdobramento da greve geral
Temos hoje em funcionamento no país duas grandes frentes populares, que englobam entidades nacionais, que têm atuações nas principais cidades e capitais do país. São elas a Frente Brasil Popular (FBP) e a Frente Povo sem Medo (FPSM). Ambas se unificaram no apoio convocado pelas centrais sindicais que, por sua vez, agrupam-se no chamado Fórum das Centrais, que toma sempre decisões por consenso de todas entidades.
Como pode ser visto na lista que publiquei logo no início do artigo, Campinas teve o apoio de dez centrais que por aqui atuam de um total de 13 existentes no país. Todos os oito partidos progressistas e de esquerda que atuam aqui também deram seu apoio à greve. Registro que sentimos falta da presença da REDE. Partidos que ainda ostentam o “socialista” em seus nomes, como o PSB e o PPS, bem como o PV, que sempre se apresentaram como de centro-esquerda, bandearam-se para o apoio ao golpe (registro, a bem da verdade, que dos 30 deputados do PSB que votaram na reforma trabalhista, 16 votaram contra, mas expressivos 14 votaram pela retirada de direitos dos/as trabalhadores/as.
As centrais reuniram-se esta semana em SP e mais uma vez decidiram seguir adiante na luta nacional unificada. A reivindicação é a retirada imediata dos dois projetos de reformas em andamento (trabalhista e previdenciária). Não há o que ser negociado com esse governo de traição nacional e contra os trabalhadores. Nesse sentido, todas as centrais decidiram pela Ocupação de Brasília no dia 24 de maio quando espera-se reunir pelo menos cem mil pessoas na capital federal.
Discutiu-se a oportunidade de uma nova greve geral, que paralisará ainda mais trabalhadores/as no país. Não se firmou ainda uma data indicativa. Praticamente descartado a ideia de uma greve de dois dias. Seria preferível duas greves nacionais de 24 horas. Nas próximas semanas essa data será divulgada.
A Frente Brasil Popular de Campinas, que atua na cidade desde agosto de 2015 – vamos completar dois anos de existência no dia 20 de agosto próximo – e que reúne pelo menos 15 entidades gerais, e que realizou mais de 60 reuniões nesse período, adquiriu uma expertise em paralisar a cidade. Fizemos doze grandes atos de massa e passeatas pelas ruas centrais da cidade e três paralisações gerais.
Sabemos exatamente quais são as rodovias que cortam nossa cidade, quais são as principais vias de acesso para o centro, os grandes terminais, as seis garagens onde dormem mais de três mil ônibus do transporte urbano. Nossa estimativa é que na greve de 28 de abril, entre sindicalistas, ativistas, dirigentes de entidades, nós envolvemos entre mil e 1,5 mil pessoas. Para uma próxima vamos envolver o dobro disso. Campinas irá paralisar cem por cento suas atividades. Nada funcionará na cidade. Os/as trabalhadores/as darão sua demonstração de força e de repúdio a esse governo golpista.
* Sociólogo, professor universitário (aposentado), escritor e analista internacional.