A geografia do voto: estudo sobre as eleições de 2014

Prof.Lejeune Mirhan - 08-09-2021 633 Visualizações

Vivemos uma imensa tensão entre 17h e 20h30, domingo, dia 26 de outubro, dia do 2º turno das eleições presidenciais disputadas entre a presidente Dilma Rousseff (PT, coligado com o PCdoB e mais oito partidos) e Aécio Neves (PSDB coligado com outros sete partidos). Neste pequeno artigo, pretendo apresentar dados e fatos sobre os resultados tanto do 1º turno, quanto do 2º turno e procurar entender o que chamamos de “geografia do voto”, ou seja, mudanças de opções entre candidaturas entre os dois turnos, mobilidade do voto e mesmo o chamado “voto alienado”, sobre os que anulam ou votam em branco, bem como sequer comparecem para votar.

Ao final, farei uma análise política sobre o posicionamento de diversos agrupamentos políticos e partidários que não conseguiram levar seus candidatos ao 2º turno. Cada uma dessas organizações posicionou-se de forma distinta, basicamente em três orientações principais, como veremos.

Dados do primeiro turno

O Tribunal Superior Eleitoral anunciou, desde 5 de maio de 2014, um colégio eleitoral de 142.822.046 eleitores brasileiros aptos a comparecer e exercer seu direito cívico de voto. Esse colégio eleitoral só é menor que o da China, da Índia e dos Estados Unidos. Como se costuma dizer “somos uma das cinco maiores democracias do mundo” (seguida da Rússia). No entanto, por diversas vezes e em várias publicações, venho insistindo que esse cadastro do TSE seguramente está inchado. É fictício. Não há recadastramento dos eleitores desde a convocação da Constituinte de 1986, portanto há quase trinta anos. Um ou outro estado acabou fazendo o recadastramento. Mas nunca foi feito um de caráter nacional. Isso acarreta índices de abstenções elevadas, acima de 20%, ainda que o voto em nosso país seja obrigatório. Mas temos que trabalhar com os dados oficiais.

Os números que aqui apresento são exclusivamente para as eleições presidenciais (os votos nulos e brancos para outros cargos modificam-se; abstenções, claro, são as mesmas para todos os cargos).

Eleitores que compareceram para votar: 115.122.883

Eleitores que se abstiveram: 27.699.163 ou 19,39%

Eleitores que anularam seu voto: 6.678.592 ou 5,8%

Eleitores que votaram em branco: 4.420.489 ou 3,84%

Votos considerados válidos: 104.023.802

Há alguns anos venho usando um termo chamado de “índice ABN”, ou seja, quantos eleitores desperdiçaram completamente seus votos ou não indo votar ou, mesmo quando comparecem, acabam anulando ou votando branco.Alguns autores vêm chamando esses votos perdidos de “votos alienados”.

Essa conta é simples. Divide-se os quase 105 milhões de válidos pelos 142 milhões de inscritos. Obteremos um índice de 27,16% ou, em números redondos, de cada quatro eleitores inscritos em nosso país, um joga completamente fora o seu voto. É um índice elevadíssimo, mas em alguns momentos de nossa história, como nas eleições de 1990, esse índice ABN chegou próximo à casa dos 40%.

Aqui é importante comentar o comportamento dos nulos e brancos. Desde a adoção do voto eletrônico, eles vêm caindo drasticamente. Nulos e brancos vêm se estabilizando na faixa de 10% dos eleitores que comparecem às eleições. Também a abstenção vem ficando na faixa de 15 a 20%, a depender do estado. Nos estados onde o recadastramento foi feito, eles são bem pequenos. Regra geral, a população gosta de votar e comparece em massa nas eleições.

Faço aqui uma breve comparação com a votação para deputados federais. Os índices ABN dos estados brasileiros variaram de 37,24% no Rio de Janeiro até 15,21% no Amapá. A média nacional para esse cargo ficou em 31,04%, ou seja, 14,28% maior que para presidente. Aparentemente, os eleitores gostam mais de votar para presidente do que para deputado federal. Os votos desperdiçados para a Câmara dos Deputados em cinco de outubro foram de 44.162.926 contra 38.798.244 para presidente. Ou seja, uma diferença de nada mais nada menos de 5.364.682 eleitores que optaram em não desperdiçar seus votos na votação presidencial.

A votação no primeiro turno

Apesar de termos tido 11 candidaturas à presidente da República em 2014, no 1º turno apenas três foram mais expressivas. São elas a da presidente reeleita Dilma Rousseff; Aécio Neves, candidato da oposição, e Marina Silva[1], candidata de uma suposta “terceira via”. As outras oito candidaturas, incluindo a do PSOL e do PV, ficaram com poucos votos. Vamos aos resultados:

Dilma Rousseff­ : 43.267.668 ou 41,59%

Aécio Neves: 34.897.211 ou 33,55% e

Marina Silva: 22.176.619 ou 21,32%

Todos os outros oito candidatos obtiveram somados 3.682.304 votos ou apenas 3,54% dos válidos. Olhando friamente esses números, poder-se-ia já imaginar que a presidente Dilma teria imensas dificuldades no segundo turno, o que acabou se verificando. Seus 43 milhões de votos ficaram muito aquém dos 59 milhões de todos os outros candidatos que lhe fizeram diuturna e intestina oposição. Aliás, os partidos da chamada ultraesquerda ou “esquerdalha”, como preferem alguns, propalaram aos quatro ventos durante todo o seu horário eleitoral – ainda que diminuto – para afirmar que “Dilma e Aécio são a mesma coisa” ou “farinha do mesmo saco” (sic).

A votação no segundo turno

Com o mesmo colégio eleitoral de 142 milhões de eleitores inscritos, registramos um leve crescimento da abstenção, como veremos a seguir. Por outro lado, também verificamos uma drástica redução dos votos brancos (queda de mais de 130%), bem como uma pequena queda dos nulos (28%). Vamos aos números finais:

Eleitores que compareceram para votar: 112.683.879

Eleitores que se abstiveram: 30.138.167 (21,1%)

Eleitores que anularam seu voto: 5.219.787 (4,63%)

Eleitores que votaram em branco: 1.921.819 (1,71%)

Votos considerados válidos: 105.542.273

O índice que chamamos de ABN caiu para 26,10%, muito próximo dos 27,16% do 1º turno. Ou seja, ainda seguimos com uma média de um em cada quatro eleitor brasileiro com direito a votar ter decidido desperdiçar de alguma forma o seu voto. Isso significou um incremento de 1.518.471 eleitores que decidiram escolher um dos dois candidatos que passaram ao 2º turno, ou seja, Dilma ou Aécio. Vamos agora aos resultados finais das duas candidaturas em disputa:

Dilma Rousseff­ : 54.501.118 ou 51,64% dos válidos

Aécio Neves: 51.041.155 ou 48,36%

A migração de votos

Não me preocuparei aqui em analisar de onde vieram os votos dos dois candidatos, se do Nordeste ou do Sudeste. Não nos interessa, do ponto de vista a que nos propusemos neste artigo, saber de quais estados as votações dos candidatos vieram. O foco é exclusivamente tentar enxergar a transferência de votação dos nove candidatos do 1º turno que não passaram ao segundo turno, bem como o apelo ao voto nulo se ele funcionou ou não.

A soma dos votos de Marina e dos outros oito candidatos de partidos pequenos perfez 25.858.923 eleitores. Ou seja, quase 26 milhões de votos estavam em disputa. Agrego a esses os cerca de 1,5 milhão que decidiram escolher uma candidatura no 2º turno como visto acima, tendo desistido de anular ou votar em branco. Ou seja, os votos em disputa subiram para 27.377.394 ou 25,93% dos válidos. Dito de outra forma, e partindo do pressuposto que quem votou em Dilma ou Aécio não mudaria seu voto, tínhamos uma pequena margem de disputa. Apenas um em cada quatro eleitores estava sendo disputado pelos dois candidatos que passaram ao 2º turno.

Pois bem. Sigamos com nosso raciocínio e vamos ver agora as ampliações dos dois candidatos, com base nos resultados oficiais. A presidente Dilma ampliou a sua votação em 11.233.450 ou 25,96% com relação ao 1º turno e Aécio ampliou seus votos em 16.143.944 ou 46,26%. Vemos aqui, claramente, que a capacidade de ampliação e de agregação de votos foi bem mais bem-sucedida pelo candidato da oposição.

Ainda com relação aos números finais, de todos os votos que foram à disputa no 2º turno – bem poucos, diga-se de passagem –, Aécio abocanhou nada menos que 58,96% deles, enquanto a presidente Dilma ficou com os restantes: 41,03%. Dito de outra forma – e por isso o resultado apertado –, de cada dez votos em disputa no segundo turno, Aécio conseguiu ficar com seis e a presidente Dilma com os outros quatro.

Três posicionamentos sobre o segundo turno

Tivemos três posicionamentos dos candidatos derrotados e de seus partidos no 2º turno. Três blocos de ideias. O primeiro e maior de todos foi a adesão pura e simples ao candidato das elites e do modelo neoliberal, Aécio Neves. Na primeira semana após o 1º turno ele recebeu o apoio pessoal do candidato, e depois do seu Partido, Eduardo Jorge do PV. Em seguida, recebeu o apoio do PSB, ainda que 28% dos membros de seu Diretório Nacional optassem pela neutralidade. Por fim, no domingo seguinte, dia 12 de outubro, a candidata da Rede/PSB, Marina Silva, sem surpresa alguma, declara apoiar a oposição, diferente de 2010 quando ela decidira ficar neutra. Desnecessário dizer dos partidos ditos nanicos, todos linhas auxiliar dos tucanos, como o PRTB, PSC e PSDC, respectivamente Levy Fidélix, Pastor Everaldo e José Maria Eymael.

Um segundo bloco de posicionamento defendeu a tradicional campanha pelo voto nulo. Tal proposta veio de partidos absolutamente inexpressivos na sociedade, como o PCO (apenas 12.969 votos para a Câmara dos Deputados), PSTU (188.473), PPL (141.254) e o PCB (antigamente conhecido como “Partidão”, que obteve apenas 66.615 votos para a Câmara). Essas quatro organizações, que se reivindicam “de esquerda” ou “patriota”, obtiveram no total 409.311 votos para a Câmara ou insignificantes 0,42% dos válidos para deputado federal em todo o país. Registre-se que anarquistas – que sequer possuem partidos organizados – também pregaram voto nulo.

Esses partidos, como já disse acima, fizeram campanha no 1º turno afirmando que Dilma e Aécio eram absolutamente iguais (sic). O que vimos destoar nesse bloco de quatro partidos é a do PCB e do PPL. O primeiro, em 2010, acabou por apoiar Dilma no 2º turno. O segundo, oriundo do antigo MR-8, apoiou o governo por 10 anos, desgarrando-se ao final quando Eduardo Campos também se bandeou para a oposição. Por fim, um terceiro posicionamento, que foi o do PSOL, a quem achei absolutamente lúcido, dadas as circunstâncias, no sentido de fazer campanha contra o Aécio. Ou seja, votar nulo, branco ou na Dilma eram opções que eles recomendaram. Mas jamais em Aécio. Os cinco parlamentares eleitos por essa legenda apoiaram abertamente a presidente Dilma no 2º turno.

Algumas conclusões finais

Sem desconsiderar outras abordagens e considerações que possam vir a ser feitas, quero apresentar algumas de forma inicial. Há que se fazer ainda um profundo debate e extrair lições dos resultados destas que foram as sétimas eleições gerais e livres realizadas no país desde 1989.

Tenho claro que a campanha do voto nulo ou branco fracassou. Os partidos que se proclamam da ultraesquerda (trotskistas em sua maioria) fracassaram completamente em seu intento. A mesma coisa grupos anarquistas ou ainda pessoas da Rede da Marina que não a acompanharam na aventura neoliberal, mas tampouco recomendaram voto na Dilma, mas sim ou anular ou se abster.

No entanto, os partidos nanicos da direita, mais os ditos “socialistas” do PSB, praticamente o PV inteiro, a Marina foram para o campo da direita, do neoliberalismo. Aécio, assim, ampliou e agregou mais apoios no 2º turno. Isso explica o 6 x 4 da migração de votos mostrado acima. Também não é objeto deste artigo, mas toda a imprensa e as redes de TVs praticamente fizeram campanha aberta para o candidato neoliberal.

Por esse cenário, nossa presidente tinha mesmo pouca margem de ampliação. Aliado com a maior campanha midiática contra um mandatário que já se tinha visto desde Getúlio Vargas em 1950/1954, preconceitos exacerbados nas redes sociais e mentiras deslavadas, até que a diferença de 3.459.963 ou 3,28% dos votos válidos pode ser considerada significativa.

Mas, como vários jornalistas e blogueiros alternativos escreveram logo depois das eleições: é preciso avaliar a dimensão da vitória pelo prisma de quem nós derrotamos no campo de lá. Ninguém menos do que o capitalismo rentista e neoliberal, os bancos, a elite branca, cristã e os sionistas, a imprensa golpista e o maior inimigo de todos nós: os Estados Unidos. Estes não só torceram por Aécio, como tudo fizeram para ajudar na sua eleição.

Não posso deixar de deixar registrado que o maior jornal de economia no mundo e a maior revista dessa mesma área, respectivamente Financial Times e The Economist, não só apoiaram Aécio abertamente em suas reportagens, como os editoriais que refletem a opinião dos donos desses órgãos expressou apoio aberto ao candidato da direita nativa. Já entre os jornalões locais, o Estadão e O Globo o fizeram também pelos seus editoriais. No caso do Estadão, no dia do 2º turno, 26 de outubro, o editorial foi publicado na capa, na linha de sempre: ou Aécio ou o caos. Apenas a Folha não apoiou nenhum candidato em editorial, ainda que sua linha editorial fora de ataque à Dilma e apoio a Aécio.

Expressão disso foi a votação de 91,79% dos válidos obtidos por Aécio em Miami contra insignificantes 8,21% da presidente Dilma. Vejam o exemplo da Palestina e de Israel. Na palestina, de 487 votantes, Dilma recebeu 407 votos ou 83,57% dos votos, ficando Aécio com apenas 65 ou 13,34%. Eu senti esse apoio à presidente de forma muito decidida quando estive na Palestina, em Ramallah, por três vezes. Já em Tel Aviv, votaram 207 brasileiros residentes em Israel, onde Aécio teve 187 votos ou 90,33% dos válidos, e a presidente Dilma ficou com apenas 16 votos ou 7,72%. Os dados falam por si só. Nesse sentido, a vitória da presidente e da esquerda foi gigante, imensa, e não pequena como se propalou.

Temos muitas lições a extrair desta que vimos chamando de a “quarta vitória do povo”. Mas issofica para outros artigos e mesmo outros analistas. Por fim, quero fazer aqui apenas dois registros finais:

  1. Não nos esqueçamos das eleições presidenciais da Venezuela em 2013, nas quais Nicolas Maduro[2] do PSUV venceu, também enfrentando campanha midiática contrária e, mesmo com toda a comoção da morte do comandante Chávez, a diferença dele para com o candidato da mídia e dos Estados Unidos foi de apenas 1,49% (50,61% contra 49,12% de Capriles da oposição golpista e estadunidense; diferença de apenas 223.599 votos em 14.951.559 votos válidos). Dilma teve mais que o dobro desse percentual;
  1. Em que pesem todas as críticas ao Instituto Datafolha – que, em boa parte, são justas, em especial pela forma como o jornal Folha interpretava os resultados –, em especial nas manipulações das suas margens de erro, esse foi o instituto que acertou o resultado do 2º turno na mosca, anunciando na véspera 52% para Dilma e 48% para Aécio. Os outros dois – Ibope e Vox Populi – apontaram resultados maiores e além das suas margens de erros.

[1]Nascida em Rio Branco-AC, Marina Silva é formada em História pela Universidade Federal do Acre (UFAC), com especializações em Teoria Psicanalítica (UnB) e em Psicopedagogia (UCB). Fundadora, junto com Chico Mendes (1944-1988), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) acreana, ‑ liou-se ao Partido dos Trabalhadores em 1985. Foi eleita vereadora, deputada estadual e senadora e ocupou o posto de ministra do Meio Ambiente no Governo Lula entre 2003 e 2008. Deixou o PT para concorrer às eleições presidenciais de 2010 pelo Partido Verde (PV). Em seguida, fundou a Rede Sustentabilidade, que até o momento não obteve o registro oficial de partido político. Por isso, fez parte da chapa do PSB, como candidata a vice, tendo à frente Eduardo Campos (1965-2014), na eleição para presidente de 2014. A morte trágica de Campos, em um acidente aéreo, a colocou novamente como candidata principal. Em ambas as eleições (2010 e 2014) ela terminou em terceiro lugar.

[2]Nicolas Maduro Moros (Caracas, 1962) é o 57º presidente da atualmente denominada República Bolivariana da Venezuela. Maquinista de metrô, Nicolas Maduro dirigiu o sindicato dos metroviários e militou na Liga Socialista Venezuelana. Apoiador incondicional de Hugo Chávez (1954-2013) desde antes da chegada deste ao poder, em 1998, Nicolas Maduro Aliou-se ao Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), foi presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, ministro das Relações Exteriores, vice-presidente da República e eleito presidente do país, em vitória apertada sobre o oposicionista Henrique Capriles Radonski. É casado com a advogada e deputada Cilia Flores.