Pretendo neste artigo falar sobre os dez países africanos que foram arabizados. Lembro que os árabes são oriundos da península arábica, mas com a expansão de seu império que se inicia por volta de 630, muitos países foram sendo arabizado com o tempo, ou mesmo islamizados.
A região africana que conhecemos por Magrebe, que fica no Norte da África é composta por cinco países e mais o Saara Ocidental, que luta pelo seu reconhecimento como país. São eles: Líbia, Tunísia, Marrocos, Mauritânia e Argélia. Os outros cinco, que são: Egito, Somália, Sudão e os pequeninos Comores e Djibuti são árabes, mas não integram o Magrebe.
A origem do nome vem desde a dominação romana na região. Ela era conhecida como África Menor e entre os árabes dizia-se Al-Maghrib, de onde então deriva o atual Magrebe, aportuguesado. De forma resumida, podemos dizer que entre os 400 milhões de árabes, ali existem em torno de 207 milhões, ou pouco mais da metade. Mas, em termos de PIB, em bilhões de dólares, enquanto o total dos árabes é de 2.840 bi/dól., no Magrebe ele é de apenas 818 bi/dól. ou apenas 30%, ainda que alguns desses países possuam imensas reservas de petróleo e gás natural. Por fim, a questão da produção diária de petróleo. Enquanto o total dos árabes é de 26 milhões de barris/dia, no Magrebe é de apenas 2,38 milhões de barris/dia, ou seja, apenas 9%.
Vamos a eles em ordem apenas de importância e tamanho.
Seu líder até a destruição do país para a pilhagem de seu petróleo era Muammar Khadafi, que estava no poder desde 1969, portanto havia 42 anos (muito acima da média das outras repúblicas árabes). Ainda que seja uma figura polêmica, Khadafi apoiava a causa palestina com firmeza e defendia a soberania do seu país e que a renda do petróleo revertesse exclusivamente para seu povo. Ele foi brutalmente assassinado em 20 de outubro de 2011, quando resistia aos ataques aéreos e a revolta popular que fustigavam seu país desde março desse ano, a pretexto de “proteger o povo líbio” contra o “ditador” Khadafi.
Khadafi se apresentava como líder de uma “Grande Revolução de Jamahiriya[1]Popular Socialista. Ele desenvolveu uma teoria própria que chamava de “terceira teoria internacional”, cujas ideias centrais estão contidas no seu famoso Livro Verde. Nessa obra estão contidas as linhas gerais de seu pensamento, que podem ser resumidas assim: 1. Democracia direta das massas; 2. Criação de comitês populares; 3. Socialismo como solução para o país. A obra foi publicada originalmente em 1975 e foi traduzida para vários idiomas. A formulação que ele defende de democracia direta, é completamente distinta do que conhecemos no Ocidente, chamada de democracia liberal.
Antes da destruição da Líbia pelo imperialismo e do assassinato de seu presidente, esse país tinha o maior IDH da África, não tinha quase analfabetos, a saúde e a educação eram públicas e de boa qualidade. Hoje, está reduzido a pó, não é mais dona de seu petróleo e nem governo possui. Na verdade, duas pessoas se apresentam como seu primeiro Ministro. São eles Fayez Al Sarraj e Abdullah al-Thani. O que cada um desses representa? Tenho dúvidas se representam os interesses do povo, mas sim de grupos e mesmo do imperialismo estadunidense.
Os Otomanos incorporaram a Líbia ao seu vasto império em 1551, sob o comando do governo do sultão Suleiman I, o Magnífico. O país se resume na verdade, a três partes, completamente distintas entre si e cada uma delas com seus clãs, grupos, aldeias que têm divergências entre si. São elas: Fezã (ou Fezânia), Tripolitania e Cirenaica. Essa divisão é milenar e vem desde o império romano.
A Turquia “renunciou” aos “seus” direitos sobre a Líbia em 1912 e os transferiu para a Itália, que praticamente jamais conseguiu impor-se como império colonial, em função da resistência de seu povo ao colonialismo. O país chegou a ter um reinado entre os anos de 1951 e 1969, quando governou o país o rei Idris I. Ele também foi o único. Depois veio a República em 1969 com o coronel Muammar Khadafi.
A partir de 1959 é descoberto petróleo e gás no país em grandes quantidades. O país já possuía bases militares do Reino Unido e dos Estados Unidos desde o final da II Guerra Mundial. O rei Idris I pediu que todas as bases fossem desmontadas e se retirassem do país todas as tropas militares.
Em 1969 um grupo de jovens oficiais das forças armadas, inspirados em Gamal Abdel Nasser do Egito e nas propostas do pan-arabismo, que era forte na época, derruba a monarquia e implanta a República Popular e Socialista Líbia. Eles criaram um Conselho da Revolução onde Khadafi era o presidente. A partir desse momento, houve uma onda forte de nacionalizações de empresas estrangeiras, estatização de bancos e a renda do petróleo passou a ser usada integralmente nos interesses dos líbios e não de potências estrangeiras.
A Líbia sempre manteve boas relações com a Síria, com quem formava a chamada “Frente da Resistência” (árabe). Sempre rejeitaram qualquer aproximação com Israel, a qual não reconheciam legitimidade. Chegou a formar com o Egito em 1972, depois da morte de Nasser e já sob o governo de Anuar El Sadat, uma Confederação de Repúblicas Árabes. Sempre apoiaram a OLP desde a sua fundação, em especial desde 1969 quando Arafat assume o comando da Organização. Também outros grupos revolucionários de todo o mundo tinham na Líbia um apoio e até mesmo tinham escritório na sua capital, Trípoli.
A partir de 1982 a Líbia, sob o comando de Khadafi se afasta dos EUA e se aproxima da União Soviética. Em 1986, sob o governo fascista de Reagan, o país sofre um ataque aéreo, que mata 130 pessoas, incluindo uma das filhas de Khadafi. O objetivo maior, claro, era matar o próprio presidente do país, Khadafi.
Em 17 de março de 2011, o Conselho de Segurança da ONU votou a famigerada resolução de nº 1973, que autorizava ações e campanhas “humanitárias” contra a Líbia “usando todos os recursos disponíveis”, para “proteger” (sic) o povo líbio do seu sanguinário presidente. Pura balela. Alguns dias depois, os aviões da OTAN – que à essa época já tinha modificado seus estatutos para poder atuar em qualquer lugar do mundo e não só na Europa, para a qual foi criada – bombardeou incessantemente o país por sete meses, ao qual o governo resistiu.
Parte da população, influenciada pela propaganda imperialista, aderiu às manifestações contra o governo da tal “Primavera Árabe” e Khadafi e seu governo foram perdendo apoio popular. Que fez com que caísse em outubro, sendo o próprio Khadafi morto de forma brutal e seu corpo profanado. É preciso dizer que a Rússia e a China se abstiveram nessa votação. No ano seguinte, em 2012, no dia 19 de julho, os EUA apresentaram uma nova resolução praticamente igual à da Líbia, desta vez contra a Síria, país que desde o ano anterior, vinha sendo bombardeado por terroristas (hoje quase inteiramente destruído como a Líbia). Mas, desta vez e depois de anos, tanto a Rússia como a China vetaram a proposta de Resolução, o que desagradou a burguesia internacional e os meios de comunicação.
Ainda hoje a Líbia não retornou à sua normalidade. Seguem-se conflitos generalizados, disputas pelo poder entre grupos e clãs. E o pior é que não vemos nenhuma luz ao final do túnel. O imperialismo é implacável, em especial quando se busca mais e mais petróleo e gás. Destruíram o Iraque (2003-2012), destruíram a Líbia e tentam destruir e derrubar o presidente da Síria (desde 2011 até os dias atuais).
Tornou-se independeste da França em 5 de julho de 1962, após décadas de dominação colonial em uma severa ditadura[2]. Tem uma das maiores populações do mundo árabe, com 40 milhões de habitantes e um PIB de 227 bilhões de dólares.
O território que conhecemos hoje chamado de Argélia teve, na sua história milenar, nada menos do que a dominação de 17 impérios, sendo que os dois últimos foram o Otomano, que se instalou em 1530 e o Francês, que chegou em 1830 exatos 300 anos depois. O país passa a ser arabizado a partir de 630, com a expansão do império árabe-muçulmano. A Argélia é membro da União Africana (que antes era OUA), da Liga Árabe e da OPEP. A partir de 1947 surge a Frente de Libertação Nacional – FLN que vai encabeçar a resistência na sua luta pela independência com relação à França.
Os árabes chegaram a essa região do Norte da África apenas por volta do ano de 650, quando todos os territórios foram anexados ao seu império. A partir de 1912, com o Tratado de Fez, o país passa a ser um protetorado francês.
Esse país árabe vive um conflito interno há muitas décadas, pelo controle e autonomia da região conhecida como Saara Ocidental, onde as lideranças do povo dessa região pretendem edificar o seu próprio país árabe. Publico ao final deste capítulo um artigo do historiador Marcos Tenório, que esteve no Sarauí a convite do próprio governo, onde ele explica em detalhes a situação política da região.
Até o ano de 2011, era o maior país da África Árabe, mas acabou se dividindo em dois, sendo criado o país que passou a se chamar Sudão do Sul. Ainda que por um plebiscito popular que decidiu, essa divisão favorece, claro, o imperialismo. Existem documentos e depoimentos de ex-dirigentes do Mossad que mostram agentes israelenses infiltrados nessa região e apoio descarado de Israel no armamento de cristãosque lutavam pela separação e contra o governo central, de orientação muçulmana, religião seguida por 84% da população[3].
O Sudão é membro da União Africana, da Liga dos Estados Árabes, da Organização da Conferência Islâmica e do Movimento dos Países não Alinhados. Entre os anos de 1955 e 1972 e também entre 1983 e 2005 viveram duas grandes guerras civis que devastou o país. É um dos países mais pobres do mundo, além de famélico. Seu IDH é 0,414, dos mais baixos do mundo.
O Sudão foi incorporado ao Império Árabe-Muçulmano a partir de meados do século VII. A partir de 1899, ele é invadido pelos ingleses. A sua independência do Reino Unido só viria em 1956. Pode-se dizer que, tecnicamente falando, o país ainda segue em guerra civil, pois vive um conflito quase que permanente. Levando em conta as duas guerras civis, já morreram no conflito mais de dois milhões de sudaneses.
No ano de 2006, uma tentativa de acordo de paz foi feita. O governo assinou esse “acordo”, mas apenas um dos grupos que fazem oposição aceitou assiná-lo, que é o Movimento pela Libertação do Sudão. Assim, o conflito permanece e segue até os dias atuais.
Sua população estimada nos dias atuais é de 10 milhões de habitantes e seu PIB da ordem de 7,5 bilhões de dólares. A Somália fica em uma região chamada de Chifre da África, no Golfo de Áden, Mar Vermelho e Mar da Arábia, que pertence ao Oceano Índico. Essa região sempre foi um importante centro de comércio desde a antiguidade.
A Somália foi o país africano que jamais fora integralmente colonizado por uma potência estrangeira. Apenas parcialmente. Seu governo de dervixes resistiu heroicamente a todas as tentativas. Durante a I Guerra Mundial o país permaneceu neutro. Em 1920, a Inglaterra bombardeou sem piedade o país inteiro quando, pela primeira vez, agrediu outro país usando a aviação. A partir desse momento, alguns de seus territórios vão virar protetorados ingleses e em 1927, a Itália consegue também ocupar uma parte de seu território. Essas duas regiões se uniram em 1960 e formaram a atual República Democrática Somali.
Na antiguidade, essa região que hoje chamamos de Somália, foi sede do antigo Império Cartaginense até o século III aC, quando pouco tempo depois ela foi ocupada pelos Romanos. Os árabes chegaram à região a partir de meados do século VII e no século XVI chegam os Otomanos. A partir de 1881, vira um protetorado francês. Vai conquistar a sua independência somente em 25 de julho de 1957, libertando-se da França. É membro da União Africana, da OCI e da Liga Árabe.
Da data da sua independência até o ano de 1987 (30 anos), o país foi governado por Habbib Bourguiba, que foi deposto por um golpe desfechado por Zine El Abidine, que só foi derrubado a partir de janeiro de 2011, ou seja, em 54 anos de independência o país teve apenas dois presidentes. A tal Primavera Árabe (assim chamada pela imprensa), teve início praticamente em Túnis, a capital do país. Nessa cidade, no dia 17 de dezembro de 2010, o vendedor ambulante Mohamed Bouazizi ateou fogo ao seu corpo porque a polícia havia aprendido o seu carrinho onde vendia frutas. Apesar de ter curso superior, estava desempregado e tinha apenas 26 anos. Isso gerou uma revolta de grandes proporções, que acabou contagiando todo o mundo árabe, ou parte dele pelo menos (nas monarquias absolutistas do Golfo, onde a repressão é extremamente grande, quase nada aconteceu). Após 27 dias de protestos, no dia 14 de janeiro de 2011, Abidine renunciou ao mandato e a Túnica conseguiu retornar democracia.
Eu quero aqui fazer um parêntese pessoal sobre esse país. Na sua capital, em 27 de maio de 1332, nasce um dos que sería considerado o maior filósofo árabe e historiador da história: Ibn Khaldun, pouco conhecido em nosso país, infelizmente. A sua magistral obra, chamada El Mukahdima (Prolegômenos, Introdução à História Universal). Eu a estudo desde 1993. Tenho a única tradução para o português do Brasil, de 1954, em três volumes. Tenho também a edição em árabe em seis volumes, que me foi presenteado por um ex-aluno (meu domínio do árabe ainda não me permite a leitura corrente). Já escrevi muitos artigos sobre ele, fiz palestras e conferência, bem como um capítulo em um livro.
Khaldun foi um gênio. Em várias áreas do saber. Várias profissões o consideram como seu precursor, como os sociólogos, filósofos, economistas, historiadores e geógrafos. Ele antecipou muitas mudanças que ocorreriam anos após sua morte (em 17 de março de 1406, com 74 anos no Cairo), em especial os ciclos de poder. Abordou aspectos da economia quase 500 antes de Marx com uma visão muito avançada, como também da política 150 anos antes de Maquiavel. Pretendo um dia escrever um livro sobre a sua obra, quiçá fruto de um doutorado que farei.
Fica na região do Saara, mas é um país árabe que é banhado pelo oceano Atlântico. Quando as tribos berberes, que eram nômades, se sedentarizaram, virando agricultores, chegam os árabes, em meados do século VII.
Ao final do século XIX os franceses começam a chegar e foram ocupando parte do seu território. Estes já colonizavam vários países da região. A partir do ano de 1901, um responsável pela colônia é nomeado pela primeira vez. Mas, a conquista não foi inteiramente tranquila. Um dos quatro emirados existentes no país, o de Adrar, impôs forte resistência (os outros emirados chama-se Trarza, Brakna e Tagant). Mas, a partir de 1920, o país é oficialmente incorporado à África Ocidental Francesa.
* Sociólogo, professor universitário (aposentado), pesquisador, analista internacional e autor de dez livros na área de política internacional e Sociologia. É colaborador das páginas de Internet Brasil 247, Fundação Grabois, Vermelho, Resistência e Duplo Expresso.
[1]Estado das Massas.
[2]Recomendo que assistam ao filme politico excepcional do diretor italiano Gillo Pontecorvo, intitulado Batalha de Argel, filme em preto e branco de 121 minutos lançado em 1965 que reetrata bem a atuação da Frente de Libertação Nacional da Argélia na sua luta contra os Franceses.
[3]Há um excepcional documentário produzido pela Netflix, feito de forma equilibrada, onde diversos ex-dirigentes desse órgão de inteligência israelense dão depoimento. Leiam o comentário sobre isso neste link https://www.netflix.com/br/title/80244929, que tivemos acesso dia 2 de fevereiro de 2019, às 13h54.