Revolta ou revolução árabe?

Prof.Lejeune Mirhan - 08-03-2021 1126 Visualizações

Neste novo artigo não comentarei mais e apenas sobre o Egito. As massas árabes ocupam as ruas do Bahrein, de Trípoli na Líbia, da Argélia e outras capitais árabes. O que faremos esta semana é comentar a discussão teórica do título acima, dar um panorama geral dos países do Oriente Médio e ao final, dar algumas opiniões – ainda que iniciais – sobre a Líbia e as tradicionais conclusões.

Uma revolução em curso

Nossa formação de esquerda e marxista praticamente nos ensina que o termo “revolução” esta relacionado diretamente com a tomada revolucionária do poder, mudanças profundas na estrutura de direção do estado de um determinado país e, fundamentalmente, de troca da classe social que manda no país. Ou seja, mudanças na superestrutura, na economia, na ideologia, nos costumes etc.

O termo “revolução” foi usado de forma equivocada, para confundir as massas – e parte dos setores esclarecidos de nossa sociedade embarcaram nesse equívoco – em nosso país, na época da ditadura militar que se instaurou no Brasil em 1º de abril de 1964 (dia da mentira, mas até nisso eles disseram que foi a “Revolução de 31 de Março”). Falso. Aquilo foi sim um golpe militar, de estado, que derrubou um governo constitucional, eleito democraticamente pelo povo brasileiro. Uma quartelada. Nada tem a ver com um processo revolucionário.

Mas e no Oriente Médio, no mundo árabe, onde vivem 400 milhões de cidadãos em 22 países, o que esta havendo por lá mesmo? Uma “revolta”? uma “insurreição”? uma “rebelião”? De meu ponto de vista, tudo isso esta acontecendo por lá. Mas esta sim em curso uma revolução nesse mundo. Qual o caráter que terá essa revolução é que no momento não é possível prevermos. Será essa revolução meramente democrática e patriótica? Será uma revolução mais avançada, de caráter mais popular e progressista? Ou chegará a ser até socialista, alterando profundamente o modelo econômico dos países, que hoje são todos capitalistas de inspiração neoliberal (financeirização do capital).

Quando o camarada Wladimir Ilich Oulianov, que entrou para a história como Lênin, líder da Revolução Bolchevique de Outubro de 1917 tratou desse tema, dois anos antes desse histórico acontecimento ele estabeleceu claramente as condições objetivas para que uma revolução pudesse ocorrer em um determinado país. E isso é uma das conquistas do pensamento científico marxista, sobre as leis gerais das sociedades humanas. Essas condições objetivas ocorrem quando “os de cima não conseguem mais governar como antes e os de baixo não aceitam mais ser governado como antes”. Isso pode ser lido no texto “Bancarrota da II Internacional”, escrita entre ente maio e junho de 1915.

Dito de outra forma, ele diz que essas condições objetivas são decorrentes de questões relacionadas com a materialidade da vida das pessoas. Isso pode ser o elevado desemprego, a fome e a miséria elevados, ausências de liberdades, arrocho salarial, repressão política etc. Tudo isso não determina, ainda assim, que as condições subjetivas para que a revolução aconteça estejam dadas. É preciso que ocorram combinações entre as condições objetivas e as subjetivas. Estas últimas guardam uma relação direta com a necessidade de uma liderança política revolucionária – aqui entra a necessidade de um partido de feições revolucionárias, detentor de uma teoria revolucionária, que dê uma direção correta para as amplas massas – e também o nível de consciência política das amplas massas.

Se apenas as condições objetivas fossem suficientes para que uma revolução de caráter mais socialista, por exemplo, ocorresse, a Índia, Paquistão, Afeganistão e tantos outros países extremamente pobres já seriam os países mais socialistas do mundo. E não são. Faltam-lhes as condições subjetivas, um partido avançado com uma teoria revolucionária.

Dito isso, eu prefiro, indubitavelmente, usar o termo Revolução Árabe. O seu caráter mais geral vai depender das lideranças que a conduzem – pulverizadas por vários países – e os compromissos e suas tarefas que ela deve assumir. No caso do Oriente Médio, vai parecendo, vai ficando mais claro, que haverá um afastamento dos laços com o Ocidente, podendo haver até, em alguns países, rupturas com a política estadunidense na região e completo afastamento de Israel, colocando esse país sionista, discriminador e religioso em completo isolamento. Se o Egito e a Jordânia forem forçados pelo seu povo a romperem os tais “tratados de paz” com Israel (na verdade são tratados que garantem a segurança de Israel nas fronteiras desses países com o estado sionista para simplesmente fazer com que as chamadas Forças de Defesa de Israel se fortaleçam em outros lados de outras fronteiras, em especial com a Síria e o Líbano). Cito aqui Kathleen Christison, do Counterpunch que diz (16/2), sobre o Líbano e Jordânia que não jogam e nunca jogaram papel na região, “eles contam para os EUA, como países para ajudar a manter a calma na região de fronteira com Israel e só tem valor para a segurança de Israel e nada mais”. Como certa vez disse Aaron David Miller, negociador para o OM de Clinton, “os EUA fazem exclusivamente o papel de advogados de Israel”.

Vai me parecendo, salvo melhor juízo, que há sim um processo revolucionário em curso, com caráter anti-colonial, democrático e progressista geral, mas que ainda esta com a sua liderança em disputa. E essa disputa, diga-se de passagem, não é com ninguém menos que a maior potência política, militar e econômica do planeta, os Estados Unidos. Tal revolução ou revoluções – são vários países em processo avançado de mudanças – nada tem a ver com as que ocorreram no leste europeu, que tinham nome de cores inclusive (Laranja, de Veludo, Rosa e outras bobagens mais). A imprensa burguesa chegou a querer classificar até esta revolução de “Jasmim”, em uma alusão à flor mais famosa da região.

Não tenho dúvidas – e me identifico com Santiago Rico e Alma Allende (leiam no site Relión.org no seguinte endereço http://www.rebelion.org/noticia.php?id=123027) – que o processo em curso abre para todas as esquerdas, em especial a socialista, as patrióticas e panarabistas em geral. Uma janela que poderá trilhar um caminho verdadeiramente avançado, progressista, patriótico, anti-colonial, antiimperialista. Se um dia voltará a trilhar como no passado de Nasser, o caminho socialista, a vida e a correlação de forças vai determinar. Creio que essa revolução em curso é a continuidade da que ocorreu em 1952, que mudou os rumos do mundo árabe, mas foi interrompida depois de 40 anos, sendo retomada agora. Aquela revolução árabe e egípcia foi liderada pelo então coronel Gamal Abdel Nasser, que viria a ser o maior líder e ídolo das massas árabes até sua morte em 1970.

Certa vez, perguntaram para Chu En Lai, grande líder com Mao Tsé Tung da Revolução Chinesa de 1949, o que ele achava da Revolução Francesa de 1789. Tal pergunta foi feita nos anos 1970. A sua resposta, como bom chinês, foi “ainda é cedo para dizer” (citado por Stephen M. Walt, no OESP de 20/12, reproduzindo a Foreign Police). Eu adotaria essa extrema prudência para fazer afirmações peremptórias sobre o Egito e outros países árabes sacudidos pelas revoluções. É preciso dar tempo ao tempo para vermos mesmo os rumos que tomarão essas revoluções árabes.

Como afirmou há mais de 40 anos o conceituado cientista político (mas polêmico também), Samuel Huntington, já falecido “a mudança social e econômica, a urbanização, o aumento da alfabetização e da educação, a industrialização, a expansão dos meios de comunicação, aumenta a consciência política, multiplica as demandas políticas, amplia a participação política”. Se adicionarmos a tudo isso as redes sociais, às tecnologias, aos celulares, tudo isso coloca em movimento forças sociais poderosas e que contribuem para esse processo revolucionário.

Encerro esta parte do artigo com uma citação do The Observer (na Carta Capital, 23/2), de Peter Beamont, que diz que “é possível que estejamos testemunhando o nascimento de um novo tipo de política revolucionária que não é definido pelos protestos maciços das massas nas ruas, mas pela maneira como os participantes se reuniram”.

Um panorama do Oriente Médio

Meu primeiro artigo desta nova fase de estudos e pesquisas sobre o mundo árabe, para a Fundação Maurício Grabois, tinha um sugestivo título: “A Terra Treme no Oriente Médio”. Não vejo de outra forma. Governos fortes e impávidos até outro dia, desmoronam de uma hora para outra. Monarquias balançam. Reis, sultões, príncipes dormem apavorados em seus palácios luxuosos com medo das massas. Alguns, como Kadafi, ordenam abrir fogo e bombardear seus povos.

Egito – A situação esta mais calma. Pelo menos na aparência. É bem verdade que as leis do estado de emergência ainda não foram revogadas. No entanto, o parlamento já foi dissolvido e a constituição velha e arcaica foi suspensa pela junta militar. Uma comissão de oito juristas foi nomeada. Destacam-se o seu chefe, Tareq El-Bishri, um sunita; Sobhi Saleh, muçulmano vinculado à Fraternidade Muçulmana, xiita e Mahrer Youssef, um cristão copta e mais cinco outros eminentes juristas. Esta se esgotando o prazo de dez dias para eles apresentarem sugestões de mudanças constitucionais, para ir à referendo popular, que vai permitir eleições livres e – espera-se – democráticas até o final do ano no Egito.

Quando Gamal Abdel Nasser governou o Egito, de 1953 até sua morte em 1970, esse país integrava a órbita da antiga União Soviética. A constituição egípcia tinha a palavra “socialista” no nome do país e procurava-se dar essa orientação. A reforma agrária anti-latifundiária foi realizada, mais de 300 estatais foram criadas – como as de telecomunicações, petróleo, energia em geral – estavam sob controle do estado. Já em 2007, Mubarak encarregou-se de uma ampla reforma, retirando o termo “socialista” da constituição. O país vivia o auge do modelo neoliberal, chegando a demitir desse ano até 2010, mais de 700 mil servidores públicos e privatizou mais de metade das estatais. Se na época de Nasser o slogan dos baatistas era “uma nação árabe com uma missão imortal”, elevando o sentimento e a consciência patriótica do povo egípcio, nos 31 anos de Mubarak as coisas foram gradativamente sendo desmontadas da era Nasser. O país passa a integrar a órbita dos EUA, seu exército se afasta do povo e passa a receber quase que dois bilhões de dólares por ano, para se equipar e defender a segurança de Israel, na sua fronteira com a Palestina, em especial a Faixa de Gaza. Se pudesse escolher hoje, ficaria com o slogan da Frente Popular de Libertação da Palestina – FPLP que é “Uma Nação árabe, no caminho da libertação”.

A penúria da nação e do povo árabe é profunda. Desde a morte de Nasser, seja no Egito, seja em outros países árabes – com raríssimas exceções, como o Iraque e a Síria – a riqueza desses países, em especial o seu petróleo, nunca foi utilizada em benefício dos seus povos. Os governantes nunca se preocuparam com a miséria, o desemprego dos seus povos. Praticamente toda a renda do petróleo fica no Ocidente, com bancos e banqueiros que engordam seus lucros em detrimento das massas árabes. Tudo isso sem falar nas famílias dos monarcas e governantes árabes, traidores de seus povos, que gastam fortunas, bilhões de dólares em Londres, Paris, Las Vegas e outras cidades.

Como já disse, não sabemos ainda os rumos que a revolução egípcia tomará. Há profunda insatisfação das massas e das lideranças da oposição com o “novo” governo, completamente tutelado pelos militares, pelo tal Comando Supremo das Forças Armadas, que ainda não libertaram milhares de presos políticos, não legalizaram os partidos políticos, não asseguram amplas liberdades de imprensa etc.

Para isso, como diz meu colega sociólogo americano, James Petras (no Rebelión de 20/2), falta uma liderança política nacional e forte ligada aos movimentos sociais e sindicais, para ajudar na condução do processo mudancista. Com isso, os espaços foram sendo ocupados por figuras de uma oposição mais moderada e reformista, que tende a fazer certa composição com os militares (vide Wael Ghonim, alto executivo do Google, de 30 anos, ligado ao grupo denominado Frente Nacional para a Mudança, Kefaya – em árabe “Basta!”), que é vinculado à Mohammad El Baradei (ex-presidente da Agência Internacional de Energia Atômica e Nobel da Paz), de linha mais moderada e que tenta manter um diálogo com os militares.

Nesse sentido, ele conclui que não é nada casual o fato de que os grandes meios de comunicação de massa alardeiam aos quatro cantos na sua cobertura jornalística dessa revolução árabe que as coisas acontecem “espontaneamente” (sic). Por isso também é melhor e mais cômodo para eles a chamarem de “revolta”, de “rebelião”, de “levante” e mesmo de “insurreição”. Ele registra que nem o Mossad, nem todos os 27 organismos de inteligência dos EUA foram capazes de detectar esse levante popular, bem organizado que contou com o decisivo apoio dos sindicatos árabes mais combativos, com as organizações de jovens, de estudantes e de mulheres, bem como de intelectuais, juristas, e profissionais liberais. Bem organizados.

Bahrein – É um micro estado. Pouco mais de um milhão de habitantes, menos que 200 mil nascido no país, mas um verdadeiro potentado americano encravado bem na entrada do Golfo Pérsico-Arábico (prefiro usar esse termo quando me refiro ao Golfo Pérsico, pois metade de sua costa é arábica). Lá esta estacionada a V Frota Naval dos Estados Unidos. Esse país, que é um conjunto de pequenas ilhas, fica bem na entrada desse imenso Golfo, por onde passam cerca de 40% de todo o petróleo consumido no planeta. Um local altamente estratégico.

A mídia tem sido dominada pelos acontecimentos da Líbia (que comentarei a seguir), mas as imensas manifestações na capital do país, Manama, são estratégicas. Derrubar essa monarquia de mais de 200 anos da família Al Khalifa é altamente danoso para os interesses norte-americanos em toda a região. E também para a Arábia Saudita e Israel. O monarca é sunita em um país que 70% das pessoas são xiitas. Se houver uma mudança no poder, o Irã se fortalece imensamente na região. Isso é tudo que EUA e Israel não podem aceitar jamais. A grande perdedora será a Arábia Saudita. Podemos dizer que esse país ajuda a que os EUA sirvam como um verdadeiro cão de guarda desse estratégico Golfo.

Aqui uma observação. Apesar de eu ter acima mencionado as diferenças entre muçulmanos, de linhas religiosas distintas, sigo convencido de forma clara que a questão central em todo o OM não é e nunca foi religioso. Claro que o componente religioso pode existir, mas os conflitos são essencialmente políticos. São disputas territoriais, coloniais, de recursos energéticos e hídricos, controles territoriais. Nesse sentido, um elucidativo artigo de Robert Fisk (The Independent, 20/2), ele menciona “se são revoltas seculares, porque só se falam das religiões?”. Até esse jornalista inglês fica espantado com isso. Não tenho dúvidas que isso faz parte de uma estratégia midiática – todos os meios de comunicação de massa, quase que sem exceção servem ao sistema e ao império norte-americano – para tentar mostrar o pano de fundo dos conflitos no OM como religioso, para enganar as massas e, mais do que isso, indispor bilhões de pessoas contra uma das maiores religiões da terra que é o Islã.

Como diz o blogueiro árabe Assad Abu Khalil, no seu blog The Angry Arab (citado por Escobar, do Asia Times de 19/2), “os EUA tiveram que apoiar a repressão violenta no Bahrein para acalmar a Arábia Saudita – vizinho desse país – e outros tiranos árabes furiosos pelo fato de Obama não ter defendido Hosni Mubarak até o fim”.

Líbia – É a bola da vez, é a próxima peça do dominó que cairá. Chegou a vez do ditador Muammar Kadafi ser derrubado pelas massas árabes. Não pretendo aqui contar a história do jovem coronel de 27 anos que, em 1969, derrubou o rei Idris (1951-1969). Não há espaço e tempo para falar do Livro Verde de Kadafi, copiado descaradamente, em alguns trechos do Livro Vermelho de Mao Tsé Tung. O fato é que hoje o ditador líbio vem perdendo apoio de seu povo. Desgastes de 42 anos de poder, família ficou bilionária, seus filhos gastam milhões de dólares nas festas familiares – um deles, o mais jovem, Saif, gastou no natal dois milhões de dólares para a cantora Bioncé cantar apenas cinco músicas para um grupo de amigos e seus familiares de 50 pessoas.

Ao que tudo indica, correrá muito sangue. Talvez esta venha ser a parte mais ensanguentada das revoluções árabes. Mas a vez de Kadafi chegou. Já se fala em mais de mil mortos. Kadafi deu ordens expressas para que seu exército pessoal fuzile diretamente os manifestantes nas principais cidades. Autorizou que a força aérea e seu caças bombardeiem diretamente o povo nas ruas e nas praças. Isso gerou duas deserções de aviões caças MIG (soviéticos) que foram parar na Ilha de Malta e dois outros pilotos, ao receberem a ordem de bombardear, preferiam ejetar-se de seus cop-kits e deixaram que suas aeronaves espatifassem no solo. Não aceitaram a ordem de matar seu próprio povo.

É claro que neste caso, os patriotas e militantes das organizações líbias de esquerda devem ser cautelosos em somar suas forças com a oposição. Completamente diferente do que vem acontecendo no Egito e na Tunísia – de longe esta é a que tem o processo mais avançado – na Líbia não temos notícias de organizações revolucionárias e progressistas liderando o processo.

Sabemos dos imensos interesses dos Estados Unidos e da União Europeia, que planejam uma manobra, com apoio da OTAN, inclusive de controle total do território líbio, que é estratégico no Norte da África. Fala-se abertamente na divisão territorial do país em três partes, a qual os verdadeiros patriotas devem se opor. O imperialismo, de forma desesperada, procura retomar o domínio regional em vias de ser perdido.

Como estudioso do OM não sou neutro. Kadafi fez, há pelo menos quatro anos, um descarado acordo com os Estados Unidos, para que seu país fosse retirado da lista “de países bandidos”, que financiam e apoiam o terrorismo. De fato, ele saiu da lista. Pagou um preço por isso. Teve que assumir que seu país e ele apoiaram a derrubada do jumbo 747 da Lokheed que matou mais de 400 ingleses. Ele indenizou pessoalmente cada uma das famílias. Encerrou uma disputa internacional que vinha desde 1988 (seguem nessa “lista” feita pelo Pentágono a Síria, o Irã e a República Popular e Democrática da Coreia). Mas, apesar de todas as críticas que temos ao ditador líbio, temos que ter cautela para ver as forças e os interesses que estão em jogo. Não sabemos ainda quem comanda a oposição líbia ainda.

A oposição ao ditador líbio esta convocando para o dia 25 de fevereiro, uma sexta-feira, dia sagrado para os muçulmanos, uma manifestação de um milhão de líbios para a capital do país, Trípoli. Não sabemos os rumos que as coisas podem tomar ainda. Kadafi fala em morrer como mártir em seu país. Pessoalmente, duvido que isso vá ocorrer. Mubarak se encontra protegido no luxuoso balneário de Sharm El Sheik. O ditador Ben Ali, da Tunísia, vive com certo conforto na Arábia Saudita (até que a revolução árabe bata às portas da Casa de Saud, que ocorrerá em breve).

Pessoalmente, fico na expectativa de que as forças progressistas e patrióticas, de esquerda que atuam na Líbia, resistam e não permitam nem a fragmentação de sua pátria, nem o controle de seu país pelas forças do imperialismo norte-americano e do sionismo internacional. Vamos conferir para ver.

Tunísia – Sem dúvida o mais vigoroso e progressista de todos os movimentos nos países árabes. Como é um país pequeno, tem pouco ou quase nenhum destaque na mídia. Para efeitos de registro, foi lançado um Manifesto intitulado “Frente 14 de Janeiro”, em alusão á data que o ditador foi derrubado. São 14 pontos de um programa muito avançado para aquele mundo. É nos chama a atenção que ele vem assinado pelas seguintes organizações políticas: a) Lia de Esquerda Trabalhista; b) Movimento Sindical Nasseriano; c) Movimento dos Patriotas Democráticos; d) Patriotas Democráticos (Al Watad); e) Corrente Baatista; f) Esquerda Independente; g) Partido Comunista dos Operários da Tunísia e h) Partido do Trabalho Patriótico e Democrático (registro que estes dois últimos mantém relações partidárias com os comunistas do PCdoB).

Breves conclusões

Como sempre faço, apresento agora algumas conclusões:

  1. O Egito e outros países do OM árabe (nunca nos esqueçamos que naquela região de mundo temos o povo persa, do Irã, turco, da Turquia, e judeu, de Israel) tendem, seguramente, a se afastar da órbita da OTAN, da União Europeia e dos Estados Unidos. Sei que é arriscado fazer uma afirmação como essa, mas dificilmente, por mais moderado quem venham a ser os novos governos que substituirão os ditadores e monarcas árabes que forem sendo derrubados, aquele mundo nunca mais será o mesmo, tenho convicção disso;
  1. O Estado de Israel é o país que mais perde. Imagino o pânico que todas as noites assola o primeiro Ministro Benjamin Netanyahú e seu gabinete de extrema direita. Sua estratégia agora será, seguramente e a qualquer custo, que o Egito e a Jordânia mantenham os tais acordos de paz (assinados respectivamente em 1979 e 1994). Isso para que ambos os países ajudem a garantir a segurança de um Israel cada dia mais inseguro de seu futuro no meio daquele vulcão, no meio desse imenso terremoto que vem ocorrendo. Pessoalmente, tenho sérias dúvidas se eles conseguirão tal feito;
  1. O Irã deixou de ser o centro das atenções, tanto dos EUA como de Israel. Nesse sentido, acho que Israel dificilmente fará um ataque suicida e unilateral ao país persa. Duvido mesmo que Obama daria esse aval agora e um ataque sem respaldo algum deixaria Israel em profundo e completo isolamento e fortaleceria ainda mais o país que eles dizem combater;
  1. Por fim, um assunto que pode render ainda um artigo especial. Acho um mito afirmarmos que o papel das redes sociais da Internet e os celulares (como chegou a dizer a colunista da FSP Eliane Catanhede) foram os grandes e maiores responsáveis pela revolução egípcia e de outros países árabes. Até porque apenas 20% da população egípcia tem acesso à Internet (em outros países, ainda menos) e apenas um terço possui celulares. Sigo achando que os maiores responsáveis pelas imensas e massivas manifestações (muitas ainda virão, aguardem), foram os sindicatos dos trabalhadores, as organizações de juventude e jovens que tiveram muito mais destaques (de acordo com Hossam El Hamalawy, no The Guardian de 16/2).

* Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e da International Sociological Association e colunista da Revista Sociologia da Editora Escala. E-mail lejeunemgxc@uol.com.br. Escrito em 24/02/2011.