Poderia falar sobre a Organização para a Libertação da Palestina todo os dias nas próximas décadas e jamais acabariam nossos repertórios de fatos e notícias sobre essa que é das mais antigas e revolucionárias organizações de libertação de um povo de vida continuada. Hoje, na comemoração dos seus 57 anos de fundação pretendo registrar seu aniversário, relembrando aspectos da vida e da luta daquele que se confunde com a luta palestina: Yasser Arafat.
Desde o dia 15 de maio de 1948, quando ocorre o que os palestinos e os árabes em geral chamaram de Nakba (Catástrofe), que foi o dia seguinte à proclamação do Estado de Israel (estado completamente artificial e colonial), que representava o imperialismo estadunidense e inglês na Palestina, os palestinos, os verdadeiros donos milenares daquelas terras sagradas, bíblicas e históricas, viveram sob o tacão de algum país árabe ou dos sionistas israelenses.
É preciso destacar que a malfadada votação na ONU, da Resolução nº 181, chamada de Plano de Partilha da Palestina, quando a ONU tinha apenas 57 membros, obteve o seguinte resultado: 33 votos a favor (entre 57 membros que a Organização tinha naquele momento, ou seja 57%), com destaque para os votos da URSS, EUA e França e votaram contra apenas 13 países (todos os sete países árabes membros até então e mais outros seis). Houve ainda dez abstenções (incluindo a Inglaterra). A Tailândia foi o único país ausente nessa fatídica votação, absolutamente ilegal tomada pela recém-criada Nações Unidas.
A primeira articulação para a criação de uma entidade que os representasse, que organizasse a sua luta de resistência tem início no que foi considerada a primeira reunião de cúpula dos 13 países árabes, membros da Liga dos Estados árabes (os fundadores originais eram apenas o Líbano, Egito, Síria, Iraque, Jordânia, Arábia Saudita, Iêmen e uma representação da Palestina que foi organizada em 1945), que ocorreu entre os dias 13 e 16 de janeiro de 1964, na cidade do Cairo, capital do Egito (1).
Nesse importante evento, o advogado Ahmad Shuqueire é indicado para articular da forma mais ampla possível a entidade que representasse politicamente o povo palestino, bem como organizasse a sua resistência armada à criação do Estado sionista de Israel.
Shuqueire nasceu na cidade libanesa, que fica no Sul do país, chamada Tebnine. Sua mãe era turca e seu pai palestino, que chegou a ser deputado no parlamento otomano entre 1908, ano que Shuqueire nasceu, e 1912. Shuqueire teve vários cargos políticos e mesmo diplomáticos. Foi secretário-geral da própria Liga dos Estados Árabes entre 1950 e 1956. Era homem moderado e de confiança dos governos também moderados da maioria dos países árabes, à exceção da Síria e do Egito (2) (3).
O 1º Conselho Nacional Palestino
O dia era 28 de maio, uma quinta-feira. Na Jerusalém Oriental (antiga, densamente habitada por palestinos), teve a abertura pelo rei Hussein da Jordânia, o que foi considerado o 1º Conselho Nacional Palestino – que existe até os dias atuais – e é considerado o parlamento palestino no exílio, uma espécie de órgão de deliberação máxima do que viria a ser a Organização para a Libertação da Palestina.
O CNP reuniu-se por seis dias de intensos debates. Ainda que o número de presentes, a depender das fontes históricas que usemos, varie entre 396 e 422 membros, eles representavam todos os países árabes da região, a saber: Jordânia (que o convocou com a Liga Árabe), Egito, Síria, Líbano, Qatar, Kuwait, Líbia, Iraque e a Faixa de Gaza. Vale registrar que em todos os crachás dos delegados fundadores da OLP estava escrito “Sanaud” (que em árabe quer dizer “Voltaremos”) (4).
O moderadíssimo advogado Shuqueire ficou pouco tempo no comando da OLP, tendo renunciado em dezembro de 1967, ano da fragorosa derrota imposta por Israel aos países árabes com a Guerra dos Seis Dias, de 9 a 15 de junho de 1967. Ainda assim, seu sucessor, em nada modificaria os rumos e a trajetória da Organização.
Surge Yasser Arafat no cenário da luta de libertação
Arafat não estava entre os membros fundadores da OLP em 1964. Nem tampouco o atual presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas (conhecido como Abou Mazen). Estes terão papel destacado na fundação do maior e mais antigo partido revolucionário de luta dos palestinos, que é o Al Fatah (que em árabe é uma sigla que quer dizer “Movimento de Libertação Nacional da Palestina”).
Entre seus fundadores estão, além de Yasser Arafat, então um jovem engenheiro palestino formado no Cairo, com apenas 29 anos, Khalil Al Wazir (conhecido como Abou Jihad, que tive a honra de conhecê-lo em São Paulo no 1º Congresso Latino-Americano e Caribenho, que fundou a COPLAC), Salah Khalaf, Khaled Yashruti, Mahmoud Zeidan Abbas (atual presidente da ANP e ex-presidente da OLP, sucessor de Arafat) e Faruq Kadumi (que também tive a honra de conhecê-lo antes de ser assassinado pelo Mossad).
A linha política do Fatah (5) era a da resistência armada, da negação da existência do Estado sionista de Israel e defesa da volta da Palestina histórica, como território único e indivisível do povo Palestino, que deveria ter como sua capital Jerusalém, cidade sagrada para metade da Terra (dois bilhões de muçulmanos e dois bilhões de cristãos em números atuais).
O líder guerrilheiro, o jovem Yasser Arafat, nascido em 24 de agosto de 1929, com seus 39 anos (completaria 40 anos em agosto), assume o comando da Organização em 4 de fevereiro de 1969, tendo conduzido a OLP até 29 de outubro de 2004, exatos 13 dias de sua morte em 11 de novembro de 2004 (muito provavelmente envenenado por algum assistente vendido para o Mossad). Sua morte, prematura, aos 75, deixou uma imensa lacuna na direção da resistência palestina.
A história da OLP se confunde, em grande parte, com a história do Fatah de Yasser Arafat, que hoje pode ser comparado a grandes líderes mundiais da resistência revolucionária, como Nelson Mandela e Fidel Castro, entre tantos outros que são sempre relacionados aos movimentos terceiro-mundistas e Não Alinhados.
Rumos e perspectivas
Pode-se dizer que a OLP vive hoje uma encruzilhada histórica. Reconhecida em todo o mundo como uma organização da resistência unificada e unitária dos palestinos, ela representa o povo (diferente da Autoridade Nacional Palestina – ANP, criada a partir dos históricos acordos de paz de setembro de 1993 de Oslo, que representa o Estado, a Nação).
Em um momento em que o avanço de Israel sobre as terras históricas dos palestinos e mesmo as fronteiras que existiam antes da Guerra dos Seis Dias (em torno de 22% da Palestina histórica), jamais chegou aos ínfimos percentuais atuais – calcula-se menos de 10%, tanto a OLP quanto a ANP vivem um imenso dilema histórico e político.
Mesmo a OLP tendo renunciado à tática do desenvolvimento da luta armada em seu histórico Conselho Nacional Palestino realizado no dia 15 de novembro de 1988 na cidade de Argel, capital da Argélia, onde aprovou-se ainda a proposta de dois estados e reconheceu-se o Estado de Israel – 40 anos após a sua proclamação em 14 de maio de 1948 – a OLP é hoje a única e a legitima representante de um povo que resiste.
A sua estrutura de guarda-chuva, onde estão representados os estudantes, os trabalhadores, as mulheres e todos os partidos políticos palestinos (além do Fatah, temos ainda a Frente Popular para a Libertação da Palestina; Frente Democrática para a Libertação da Palestina; Frente de Libertação da Palestina; União Democrática Palestina; Partido Popular Palestino – ex-Partido Comunista Palestino; As-As’Iqa; Frente de Libertação Árabe; Frente de Libertação Popular da Palestina e Frente Árabe Palestina).
É preciso registrar que o Hamas – que é uma sigla de um movimento religioso chamado “Movimento Islâmico de Libertação da Palestina” e a Jihad Islâmica, ambos muito fortes na Faixa de Gaza – região onde moram dois milhões de pessoas – não integram a estrutura organizacional da OLP, que funciona nos moldes da Frente Ampla do Uruguai e do Congresso Nacional Africano, CNA de Mandela. Atuam, por certo, na linha de frente da Resistência, possuem tática distintas da adotada pela OLP, mas estão fora da Resistencia Unificada do povo palestino, personificada e materializada, bem como reconhecida, no mundo inteiro, que é a histórica Organização para a Libertação da Palestina, que comemora seu 57º aniversário neste 28 de maio de 2021.
Em um momento em que o tripé sionista e israelense – Israel é local seguro para judeus, tem superioridade militar e é uma democracia – está sob total contestação como jamais se viu em 73 anos de existência do Estado sionista de Israel, todos os olhos da humanidade estão voltados não só para a Palestina (Ramallah e Gaza), mas para a sua direção política, para a sua Organização, para a sua Autoridade (seu Estado). O mundo espera e clama pelo estabelecimento da paz na Palestina, assim como o reconhecimento do seu Estado pleno (6).
É tudo uma questão de tempo. Israel será plenamente derrotada. Se não se viabilizar a solução que o mundo propõe – não só os palestinos – que é a de dois estados convivendo lado a lado para dois povos que devem viver em harmonia, não restará outra solução a não ser a volta da proposta original da própria OLP, qual seja, a existência de um estado único – Palestina – binacional (bilíngue) com duas etnias convivendo em harmonia, com um cidadão adulto com direito a um voto, em uma Nação árabe-palestina, onde todos os que professem o judaísmo como religião, possam viver em paz com os palestinos, tornando-se judeus palestinos, como sempre foi assim há milhares de anos.
Estou entre os que torcem pela paz. Mais do que isso, mais do que estudioso e especialista em Oriente Médio e mundo árabe, sou militante da solidariedade a esse sofrido povo que conta com a simpatia e o respaldo de todos os povos que lutam pela sua independência nacional, pela sua liberdade. A história está com o povo palestino. E ele, sem dúvida alguma, vencerá.
Notas
* Sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor e autor de 14 livros, é também pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TV dos Trabalhadores, da TV 247, da TV DCM, dos canais Outro lado da notícia, Iaras & Pagus, Rogério Matuck, Contraponto, Democracia no ar, Conexões, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Grabois, Brasil 247, DCM, Outro lado da notícia, Vozes Livres, Oriente Mídia e Vai Ali. Agradeço à Ademir Munhóz pelo trabalho de transcrição de meus programas internacionais (ademir@piracaihoje.com.br). Todos os meus livros podem ser adquiridos na Editora Apparte no endereço: www.apparteditora.com.br e as compras podem ser parceladas em até seis vezes sem juros. O meu site pessoal é www.lejeune.com.br, onde estão todos os meus artigos, a maioria de política internacional e política nacional e Sociologia brasileira. Recebo e-mails no endereço: lejeunemgxc@uol.com.br. Meu Zap é +5519981693145. Meus endereços nas redes sociais são: Facebook: www.facebook.com/lejeune.mirhan; Instagram: @lejeunemirhan; Twitter: @lejeunemirhan; Youtube: lejeunemirhan; VK: vk.com/lejeune56.