No dia 22 de janeiro ocorreram eleições para o 19º Knesset que é o Parlamento de Israel. As pesquisas não conseguiram captar o sentimento real do eleitorado israelense, mais uma vez. O direitista Benjamin Natanyahu, atual Primeiro Ministro, tido como amplamente favorito, sofreu sérios reveses. No entanto, é provável que ainda consiga formar novo governo, ainda que frágil e tem até 60 dias para isso. É desse assunto que tratamos neste artigo.
Dizem os especialistas em Israel – não é o meu caso – que um governo israelense nunca teve uma maioria tão folgada no Parlamento como do atual ministro, desde as eleições passadas em 2009. Mas, foi perdendo alguns apoios no caminho, inclusive o socialdemocrata Partido Trabalhista (chamado Labor) afastou-se da base, assim como a deputada Tzipi Livni, ex-Kadima, agora Hatenua.
Para que possamos fazer uma análise sobre os desdobramentos das eleições, gostaria de apresentar algumas informações, dados e números, mesmo de eleições passadas. Não quero entrar aqui em mitos de que Israel e a imprensa que a apoia, de que esse país seria a “única democracia no Oriente Médio”. Discordo frontalmente disso, mas não é este o foco deste artigo.
Eleições de Israel
A cada eleição parlamentar – lembramos que Israel se considera uma República parlamentarista – eles apresentam uma numeração. Esta que ocorreu em 22 de janeiro foi para o 19º Knesset, que é o nome, em hebraico, do seu parlamento.
Vale a pena registrar:
Aspectos ideológicos dos partidos
Ainda que eu saiba das limitações dos significados dos termos “esquerda”, “direita”, “centro” e “centro-esquerda”, toda a imprensa israelense usa tais termos, assim como a imprensa internacional, que reflete no Brasil também. No entanto, existem vários partidos religiosos. Ainda que tenham força, eles são muito criticados dentro e fora de Israel.
Temos o Partido Comunista de Israel, a qual poderíamos classificar como “comunista", mas para efeito de somar de blocos e correntes de pensamento na sociedade, ele é aqui, neste artigo, chamado simplesmente de “esquerda”. Da mesma forma a Lista Árabe (Ra’am-Ta’al), que também se articula no campo da esquerda.
Assim, conforme dados gerais que podem ser vistos na tabela que ilustra este trabalho, podemos fazer análise dos blocos. Em 2009 Netanyahu, que é muito mais que direita, sabemos disso, com seu bloco fiel fez mais ou menos as mesmas 61 vagas que agora repete (falaremos de 2013 depois). No entanto, ele conseguiu atrair o centro para sua coalizão governista. Trouxe os 28 deputados do Kadima (devastado em 2013) e mais o centro-esquerda Labor (Trabalhista). Isso fez com que sua base de apoio atingisse 102 parlamentares, ou 85%. Seria como se Dilma tivesse 436 deputados absolutamente fieis com ela em todas as votações! Dizem estudiosos da política israelense, que nunca na história de todos os governos de Israel, um governo teve tamanho apoio.
No entanto, a realidade foi sendo alterada ao longo de quatro anos de governo. O radicalismo de Netanyahu em não retomar as negociações de paz, fez com que ele fosse perdendo base de apoio. O próprio Kadima, do Ariel Sharon (em coma desde 2005), foi esvaziado, outros partidos foram fundados e se desligaram da coligação. Ele chegou fragilizado ao pleito, com os exatos 61 para compor maioria (apertada de 50% mais um).
A esquerda israelense
O maior e mais famoso partido que um dia foi bem mais a esquerda em Israel, é o Partido Trabalhista (eles chama de Labor na sigla inglesa). Governou Israel praticamente desde 1948 até a derrota em 1977 para o Likud de Menachem Beguin. No entanto, desde a onda neoliberal, ele migrou mais ao centro, defendeu propostas liberalizantes na economia, privatizações e perdeu apoio. É partido de feição socialdemocrata.
Nestas eleições voltou a seu patamar de 15 deputados, um crescimento de 15,38% com relação aos 13 que elegeu em 2009. Eles jogarão importante papel ou para formar um bloco de governo alternativo ou mesmo no campo da oposição, se não forem, mais uma vez, cooptados por Netanyahu.
Os outros quatro partidos de esquerda são Meretz, Lista Árabe, Hadash (Comunista) e o Balad. Também não é nosso foco entrar no programa e na ideologia detalhada desses partidos. Apenas para efeitos de analisar quem cresceu e quem diminuiu de tamanho, apenas o Meretz saiu de três cadeiras para seis. Os outros permaneceram do mesmo tamanho. No bloco, saíram de 14 deputados em 2009 para 17 em 2013, ou um crescimento de apenas 21,42%. Se somarmos centro-esquerda com esquerda, pularemos de 27 cadeiras para 32, com crescimento de 18,51%. Esses deputados representam apenas 26,6% do parlamento, ou seja, um quarto.
O centro também ficou mais ou menos estável. Votos antes pertencentes ao Kadima, que elegeu 28 deputados em 2009, agora distribuíram para o novato Ya’ir Lapid, o jornalista apresentador e bonitão que encantou muita gente e mais o novo fundado pela ex-chanceler Tzipi Livni, com seu Hatenua. Ficaram nesta eleição com 27 vagas.
Aqui não poderia de registrar o encolhimento do Bloco Likud e Yisrael Beitenu, do direitista Avigdor Liebermann (ex-chanceler e hoje processado pela justiça israelense). Esses dois partidos, que saíram separados em 2009, elegeram 42 deputados e agora caíram para 31. Perderam 11 cadeiras. Encolheram um quarto de seus votos.
Comentários e conclusões finais
Estou de pleno acordo com o título dado por Avnery (veja na referência abaixo), em seu artigo sobre eleições. “Um passo para o centro”. Todas as pesquisas indicavam uma vitória folgada de Netanyahu, que passou quatro anos atacando o Irã com seu programa nuclear, com a nítida intenção de esconder e tirar a questão palestina do centro das atenções. Não colou no eleitorado israelense.
A perda de apoio de Netanyahu pode ter sido um bom sinal para a retomada do processo de paz. E isso deve ser a tônica para a formação do novo governo. Netanyahu pode até conseguir – e é provável que vá conseguir – um bloco estável, atraindo o centro, mas deve passar a dizer com mais clareza que o processo de paz será retomado.
O isolamento internacional de Israel é tão grande hoje que sofreram na ONU o que talvez tenha sido a sua maior derrota no terreno diplomático da história. Sem canal de negociação, restou aos palestinos pedirem para as Nações Unidas a sua admissão como estado-observador. E venceram por esmagadora maioria. Só os EUA, o próprio Israel e mais sete países votaram contra. Foram 138 países a favor (isso significa 71,5% da ONU, que tem 193 membros plenos). O slogan da coligação direitista Likud/Beitenu era “Líder forte, Israel forte”. Não deu certo. Como disse Avnery, “a força acabou”. Ou diminuiu muito pelo menos.
A novidade no cenário político é uma espécie de William Bonner israelense, que com seu partido criado alguns meses antes do pleito, acabou por eleger 19 deputados e é considerado de centro e defende os processos de paz. Lapid é estrela em ascensão na política israelense e muitos analistas dizem até que ele possa vir a ser um dia primeiro Ministro. Pessoalmente, não sei exatamente para que lado ele caminhará. Acho que dependendo do que for lhe oferecido por Netanyahu, poderá sim integrar a coalizão governista. A decepção foi com a Tzipi Livni, que mesmo se declarando de centro, nunca falou em “processo de paz”, mas usa o absurdo termo de “arranjo com os palestinos”. Lamentável.
No geral, grosso modo, a direita religiosa sai menor, a esquerda cresce um pouco e o centro se consolida. A perda clara, quase que uma derrota foi de Benjamin Bibi Netanyahu. Os Trabalhistas, com sua líder Shely Yachimovich não conseguiram galvanizar a sociedade e não se credenciam para formar um bloco que poderia vir a governar Israel. A esquerda israelense deve tentar preservar uma unidade com a esquerda árabe. Discriminar os árabes-israelenses neste momento só dificulta a paz. Eles devem e precisam se integrar ao processo político em Israel. Ficar de fora não ajuda. A diferença de dois deputados para o bloco centro/esquerda chegar a ter 61 vagas poderia ter sido resolvida se a maioria dos árabes-israelenses tivessem votado (a abstenção é alta nesse segmento da sociedade).
Meu sentimento é parecido com o de Ury. A coisa estaria mais ou menos empatada. A paz na região esta associada a processos que correm neste momento nos países vizinhos, que setores da mídia chamam de “Primavera Árabe”. Também esta relacionado com a política externa estadunidense. Obama deve ir à Israel pela primeira vez em março. Trocou o comando de sua diplomacia e forças armadas (Pentágono e Secretaria de Estado). Emite sinais de que vai mudar a política para o Oriente Médio.
De nossa parte, como estudioso daquele mundo, seguimos pesquisando cada dia mais sobre o tema. Mas, como militante em defesa da causa palestina, seguimos apoiando com firmeza a edificação do Estado da Palestina, envidando todos os nossos esforços para que isso se consolide breve. Os palestinos precisam e merecem o seu estado nacional.
Leiam excelente artigo de Ury Avnery do Movimento Gush Shalom (Bloco da Paz) http://zope.gush-shalom.org/home/en/channels/avnery/1359071590/. Gosto do escritor Ury Avnery. Em meu último livro sobre a Palestina (E se Gaza Cair... da Editora Anita), eu selecionei 45 artigos de diversos escritores, dos quais sete do Ury, a quem espero um dia conhecer pessoalmente.
* Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Colunista da Revista Sociologia da Editora Escala e colaborador dos portais da Fundação Maurício Grabois e Vermelho. Foi professor de Sociologia e Ciência Política da UNIMEP entre 1986 e 2006. Presidiu o Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo de 2007 a 2010. Recebe mensagens pelo correio eletrônico lejeunemgxc@uol.com.br.