Nesta segunda-feira, dia 3 de janeiro de 2022, completa-se dois anos do brutal assassinato do saudoso major-general Qasem Suleimani, da República Islâmica do Irã. Agradeço muito receber este convite especial para prestar uma justa homenagem à sua eterna memória.
Qasem Suleimani era comandante da Força Quds (1), do Exército de Defesa da Revolução Islâmica do Irã. Seu assassinato se deu a mando pessoal do ex-presidente Donald Trump, em uma absoluta operação de ódio e vingança contra um líder muçulmano, internacionalista e lutador anti-imperialista. Restam grandes memórias e lembranças sobre sua ação, que deixo aqui registrado.
Apresento neste pequeno ensaio algumas reflexões, tanto sobre o major-general, que foi promovido em 2011 à essa maior patente militar. Regra geral, em qualquer país do mundo, as maiores patentes acima de general quatro estrelas são de tenente-general e major-general. Suleimani, seguramente, se não fosse assassinado, seria o candidato das forças revolucionárias islâmicas nas eleições de 2021.
O candidato vencedor nessas eleições foi o Dr. Ebrahim Raisi, que tomou posse no dia 6 de agosto de 2021, após eleições históricas, com vários candidatos, com baixo nível de abstenção. Ele venceu já no primeiro turno, com mais de 60% dos votos válidos. O vencedor teve não só a preferência da maioria do povo iraniano, como do establishment, que dirige o país desde fevereiro de 1979, quando ocorreu a revolução islâmica (2).
Eu me lembro que na época, quando eu era um jovem estudante universitário de apenas 22 anos, nós fundamos na PUC de Campinas um Comitê de Solidariedade à Revolução Iraniana. Éramos jovens comunistas e internacionalistas e apoiamos abertamente a queda do regime fascista pró Estados Unidos, que era o Xá Reza Pahlevi (3).
Naquele momento, Suleimani era um jovem de 21 anos que iniciava sua carreira militar. Ele nasceu em 11 de março de 1957, e em 1979 ele já estava lutando contra o imperialismo. Eu, aqui no Brasil, sendo apenas três meses mais velho, lutava contra a ditadura militar. Suleimani nasceu na época do chamado Irã imperial, na região da Carmânia, uma província do país.
A Força Quds
A Força Quds – que no Irã eles chamam de Exército dos Guardiões da Revolução Islâmica, é uma espécie de força internacional de revolucionários anti-imperialistas, que são chamados a atuar em quaisquer lugares do mundo quando convocados por governos patrióticos que lutam contra o imperialismo e contra o sionismo.
É evidente que os Estados Unidos, a União Europeia e todos os países imperialistas, não gostam de revolucionários que lutam contra eles, e os chamam de terroristas. Não! Eles são jovens como eu fui. Mas, nós comunistas, que no passado já atuamos no mundo inteiro, hoje não temos esta compreensão e a dedicação que esses jovens revolucionários da Força Quds têm.
Portanto, eu me solidarizo com esta juventude que, muitas vezes, larga tudo, pais, família, carreira e vai morrer na luta por um ideal. Por certo, é um ideal revolucionário e anti-imperialista mas, ao mesmo tempo, não é um ideal separado de uma concepção islâmica de mundo que defende a igualdade, a justiça, e a liberdade.
Eles são muçulmanos de linha xiita, e nessa condição não há diferença com a corrente majoritária do Islã, a sunita, pois eles oram no mesmo livro, o Alcorão. Diferente das bíblias cristã com suas várias versões, o seu livro sagrado é único.
No caso dos xiitas eles defendem a volta do Imam oculto, que é o Imam Mahdi, o 12º. Diz-se que ele não morreu, mas que apenas desapareceu. Eles falam na volta desse Imam que governaria o mundo junto com Jesus Cristo. São jovens que têm essa convicção religiosa, progressista, igualitária (4).
Há autores que dizem que o Islã é uma religião socialista. Um dos principais, é o filósofo Roger Garaudy (1913-2012), que foi do Partido Comunista Francês por 60 anos, tendo se convertido ao Islã em 1982, com quase 70 anos (5).
Assim, o general começou sua carreira militar como comandante do movimento revolucionário que derrotou a agressão que o Iraque impôs ao Irã durante oito anos, de 1980 a 1988. Ele já tinha um papel destacado nessa época (6).
A partir de 2011, o major-general Suleimani teve também papel destacado na resistência e na derrota dos terroristas que atacaram a Síria. Apesar de derrotados, esses terroristas – a soldo da Arábia Saudita – ainda mantêm algum foco de resistência nos 10 últimos anos. Então, até a sua morte, em 2020, por quase nove anos, ele foi solidário à luta anti-imperialista e antiterrorista da Síria, tendo comandado a resistência guerrilheira que atuou ao lado do Exército Árabe Sírio.
Eu encerro esta parte dizendo uma coisa que poucos sabem. O funeral do General Suleimani, em 4 de janeiro, foi um dos maiores enterros do mundo já registrados. O Irã é um país de quase 90 milhões de habitantes. Segundo algumas estatísticas, fala-se em milhões de pessoas nas ruas de Bagdá.
Eu fiz alguns cálculos baseados em dados de satélites do google e nas imagens aéreas de todas as maiores cidades do país. O que vimos foi um “mar” de seres humanos nas ruas. Supondo que velhos e crianças não tivessem saído às ruas, a minha estimativa, de tudo o que já estudei, aquele foi o maior evento com comparecimento às ruas em um evento específico, seja ele religioso, seja político, seja de um funeral. A minha estimativa é de que cerca de 30 milhões de iranianos foram às ruas, o que dá a força e a dimensão de sua popularidade.
O Irã atual
O Irã, desde 6 de agosto de 2021 é presidido pelo Dr. Ebrahim Raisi, um homem da hierarquia religiosa, mas que vai administrar de forma civil o Irã. O país tem duas estruturas administrativas, uma civil e uma religiosa. No caso do líder Ali Khamenei, ele é o chefe da religião Islâmica no país e considerado seu líder espiritual.
Ele é eleito – e não nomeado como é comum pensarmos – por um Conselho de Sábios composto de 88 membros que, por sua vez, são eleitos pelo voto direto do povo. É uma eleição dificílima e muito mais concorrida que a de deputado ao parlamento (7).
Essa é a democracia islâmica, que nós temos que respeitar, porque não existe um modelo único de democracia. É a democracia que eles construíram. Eles têm a sua Constituição, tem as suas leis, tem o poder judiciário civil e o religioso.
O Irã joga hoje um papel muito importante no mundo. A imprensa, durante as eleições de agosto passado, chamava o Dr. Ebrahim Raisi de ultraconservador. Por certo ele é um “ultra”, mas não conservador, mas um ultra-antiimperialista.
Dizem que no Irã não tem liberdade. Tem sim muita liberdade. A única que por lá é proibida é a de defender os EUA e o sionismo, considerados como os maiores inimigos da humanidade. Fora disso, o cidadão tem liberdade para tudo: religiosa, de imprensa, as mulheres têm papel destacado no país.
E, nesse sentido, o Irã lidera o chamado Eixo da Resistência, no Oriente Médio. O Oriente Médio é composto pelos países árabes, com Israel no meio, que é um Estado plantado ali para representar os EUA. Nesse Oriente Médio expandido eu incluo o Irã e a Turquia, que tem sido um país pendular, hora está de um lado, hora de outro.
Mas, o Irã lidera a resistência anti-imperialista e antissionista. Além dele temos como membro desse Eixo da Resistência o Iraque, Síria, Líbano, que querem tirar da órbita da resistência, mas não conseguirão. O Eixo conta ainda com o Hezbolláh, que é um Partido muito forte no Líbano, tendo Ministérios, Parlamentares, redes de hospitais.
É preciso dizer que o Irã socorreu agora, em setembro, o Líbano, no meio dessa crise, mandou o equivalente a 72 milhões de litros de gasolina para o país funcionar. Mandou para os seus irmãos do Hezbolláh que distribuiu para todos os postos (8).
Mas, não é só isso. O Irã é solidário, de mais de um ano para cá, com a revolução bolivariana na Venezuela e, no mês de abri de 2021, ele mandou 10 milhões de litros de gasolina em cinco petroleiros, rompendo o bloqueio naval feito pelos Estados Unidos no Mar do Caribe, pela 4ª Frota da Marinha Estadunidense e entregaram mais do que isso. Criaram na Venezuela uma rede de supermercados para ajudar a Venezuela que vive hoje sob o bloqueio dos EUA (9).
Hoje não há bloqueio que consiga fazer com que o Irã se ajoelhe e se dobre aos EUA, assim como também não o farão a Rússia e a China. A política de sanções e bloqueios nunca funcionou, apenas servindo para impor sofrimentos aos povos dos países bloqueados. Está aí Cuba para provar, que comemorou 63 anos da sua gloriosa revolução em 1º de janeiro de 2022, enfrentando um embargo que em fevereiro próximo completará 60 anos, sem conseguir dobrar a vontade do povo cubano, com a qual a revolução islâmica é solidária.
Esta revolução islâmica tem o apoio, inclusive, da China e da Rússia. Tanto que o país, em 17 de setembro, foi admitido como membro pleno da Organização de Cooperação de Xangai-OCX, que em 2021 completou 20 anos de fundação (10). A maior organização de cooperação militar com 12 milhões de soldados na ativa e seis milhões na reserva. A OCX luta contra o separatismo, o extremismo e o terrorismo, coisas que os EUA apoiam. Esta é a marca da política externa estadunidense.
Eu concluo fazendo uma saudação à memória do General Suleimani que, no momento de seu assassinato, não estava em missão militar, estava em missão diplomática, com o passaporte diplomático no bolso, levando uma mensagem do Irã ao primeiro-ministro do Iraque, que por sua vez, foi intermediário de uma carta do rei da Arábia Saudita.
A resposta tratava sobre a consulta de como o irã reagiria a um pedido de reatamento das relações diplomáticas se fosse feito pela Arábia Saudita. Nós não sabemos o conteúdo da carta, isto não foi revelado. Mas, eu não tenho dúvidas de que ele estava em missão de paz, levando a proposta de paz, dizendo que aceitaria de bom grado, não só da Arábia Saudita, como de todo e qualquer país do mundo que queira ter boas relações com a República Islâmica do irã. Trump quando decidiu dar a ordem para que ele fosse assassinado, matou o mensageiro da paz.
Neste momento, o Irã trabalha para a retomada do Acordo Nuclear abandonado por Donald Trump, que os EUA tentam barrar, mas não vão conseguir. A única opção que restará a John Biden, que mudou pouco a politica externa deixada pelo fascista Trump, restará a opção de voltar ao acordo, sem nenhuma pré-condição e, suspender todas as sanções.
Lembrar a memória do major-general Qasem Suleimani é nós também analisarmos o papel destacado que o Irã cumpre hoje na luta contra o imperialismo em todo o mundo.
Vida longa à Revolução Islâmica, patriótica, democrática e, verdadeiramente revolucionária e glória eterna à memória do general Qaseem Suleimani.
Notas
1) A Força Quds aqui mencionada é um braço internacionalista dos Guardiães da Revolução Islâmica no Irá e responde diretamente ao líder espiritual Ali Khamenei. Maiores informações podem ser obtidas neste link <https://bit.ly/3qFtOVa>;
2) Maiores informações sobre a Revolução Islâmica do Irã podem ser lidas neste link <https://bit.ly/3pOrf3I>;
3) O Xá Mohammad Reza Pahlavi sucedeu ao seu pai no trono do Império do Irã em 1941. Neste link <https://bit.ly/3pPzj4s> pode-se ler mais informações sobre sua trajetória de vida;
4) Por certo o conceito do 12º Imam que voltará, não é consenso no Islã. Os sunitas não creem nele dessa forma, pois não se registra no Alcorão, de forma literal, a sua vinda. Mas é aceito em várias correntes xiitas, sufis e mesmo sunitas. Mais informações sobre sua vida pode ser lida no site Arresala, de orientação xiita em SP, neste endereço <https://bit.ly/3HuQVsd>;
5) Roger Garaudy foi membro da guerrilha comunista da resistência durante a ocupação nazista da França. Tem dois importantes livros sobre o Islã publicado no Brasil e em especial Promessas do Islã, é onde ele menciona a religião como sendo socialista. Mais informações sobre Garaudy podem ser lidas neste link <https://bit.ly/3ESJ4mu>. O livro no Brasil foi editado pela Editora Nova Fronteira, em 1989, tendo 191 páginas e só pode ser encontrado em sebos.
6) Essa foi uma das guerras mais fratricida da história, quando o Iraque fez o jogo dos EUA. Do lado iraquiano estima-se que tenham morrido até 400 mil pessoas e do lado iraniano, o governo estima uma perda de 180 mil soldados e até 600 mil civis mortos. O custo total da guerra para os dois lados ultrapassou a um trilhão de dólares. Mais informações podem ser lidas neste link <https://bit.ly/3nM7gSv>;
7) Eu escrevi em julho de 2021 um longo ensaio sobre a temática do Irã e sua democracia que pode ser lido neste link <https://bit.ly/3pMXYXa>;
8) Essa foi uma notícia que surpreendeu o mundo, pois o Irã, em plena vigência de sanções e embargos imperialistas consegue socorrer um país irmão enviando-lhes combustível. Mais detalhes aqui na Agência Sputnik <https://bit.ly/3mSDHgZ>;
9) Matéria especial sobre esse tema pode ser lido neste link <https://bit.ly/3JyQr65> escrito pelo jornalista Igor Gielow da Folha de SP;
10) Houve uma grande repercussão na mídia corporativa mundial essa adesão, como pode-se ler nesta reportagem do UOL <https://bit.ly/3FT4gu6>.
* Sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor e autor de 18 livros (duas reedições ampliadas), é também pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TV dos Trabalhadores, da TV 247, da DCM TV entre outros canais, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Grabois, Brasil 247, DCM, Outro lado da notícia, Vozes Livres, Oriente Mídia, Vai Ali e Jornal Tornado, de Portugal.
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